capítulo 7

Capítulo 7

“Às vezes, o que não é dito pesa mais do que qualquer palavra que ousaria ser pronunciada.”

— Marjorye Sandalo

Maeve Jhosef

O céu de Washington parecia conspirar com o meu estado de espírito — um cinza opaco, abafado, carregado de silêncios. As nuvens se arrastavam preguiçosas como se soubessem do peso que eu carregava no peito. Era o tipo de manhã em que tudo doía, até respirar.

Minha mãe me chamou ao escritório com a voz firme, mas doce, como sempre fazia quando precisava de mim na empresa da família, a Jhosef Industries. Não era apenas um império farmacêutico construído com suor e genialidade científica, era o legado de gerações. Um império nascido do desejo de salvar vidas, ironicamente marcado pela morte que não conseguimos evitar.

Adentrei o edifício como quem entra num templo sagrado — paredes de vidro, mármore escuro, obras de arte friamente calculadas. Um lugar que grita poder, mas também sussurra segredos. Meus saltos ecoavam pelo corredor principal como uma marcha fúnebre disfarçada de elegância.

Zola me esperava ao lado da recepção. Seu sorriso era uma tentativa de leveza, mas seus olhos sempre diziam mais do que sua boca permitia. Ela sabia que eu não estava pronta para enfrentar certas verdades. Talvez porque eu ainda me recusasse a admitir que elas existiam.

— Vai ser só uma reunião com o setor de projetos. Nada demais — ela diz, entregando-me uma prancheta.

— “Nada demais” vindo de você sempre significa “prepare-se para o caos” — murmuro, tentando aliviar a tensão que crescia no fundo do estômago.

Dentro da sala, os rostos familiares me encaravam com respeito, mas também com receio. Desde que voltei, as pessoas andavam ao meu redor como se eu fosse feita de vidro, e talvez, de certo modo, eu estivesse mesmo prestes a estilhaçar.

Papai iniciou a reunião com seu tom usual — sereno, persuasivo, quase hipnótico. Falava sobre uma nova parceria internacional, algo que podia revolucionar o setor de bioengenharia. Mas meu corpo estava ali, enquanto minha mente dançava entre lembranças antigas e perguntas sem resposta.

Isaac.

O nome ecoava em mim como um grito contido. Ele também fazia parte da empresa, ao menos em papel. Era o primogênito, o que deveria assumir tudo, o que cresceu ouvindo sobre fórmulas químicas enquanto eu desenhava monstros nas margens das apostilas.

Mas ele partiu. Foi para a guerra. E quando precisávamos dele — quando ele precisava dele — Isaac escolheu não vir.

E ninguém fala sobre isso.

O silêncio sobre a recusa dele em doar a medula é um manto pesado que cobre toda a casa, toda a empresa, toda a minha alma. E quanto mais me aproximava da verdade, mais ela fugia de mim como uma miragem.

— Maeve — a voz de meu pai me tirou dos devaneios — gostaríamos que você assumisse a coordenação do projeto Renascença.

Arqueei uma sobrancelha. Não pelo peso da responsabilidade, mas pelo nome. Renascença. A ironia me feriu com uma elegância cruel. Renascer… enquanto parte de mim ainda era um túmulo aberto.

— Não sei se sou a melhor escolha — digo, cautelosa.

— Você é a única escolha — ele responde com firmeza. E naquele momento, entendi que havia mais naquela proposta do que apenas trabalho. Havia um pedido velado de reconstrução. Uma chance de reinventar-se entre as ruínas.

---

Naquela noite, enquanto revisava os documentos do projeto, ouvi passos no corredor. Estavam arrastados, pesados, como se carregassem os restos de um passado mal resolvido.

Quando a porta se abriu, meu coração parou.

Isaac.

Ele estava ali. Em carne, osso e sombras.

Seu rosto mantinha o mesmo corte elegante, mas havia nele uma dureza, uma escuridão que não existia antes. Seus olhos, os mesmos que seu irmão carregava — e que eu tanto amava — agora estavam velados por algo que não consegui nomear.

— Precisamos conversar — ele disse, e sua voz era como vidro quebrado.

Minha garganta secou. O sangue fugiu das extremidades do meu corpo. Eu queria gritar. Queria socá-lo. Queria exigir respostas.

Mas tudo que consegui foi assentir.

Sentamo-nos frente a frente, com uma mesa cheia de arquivos entre nós. Documentos de pesquisa, contratos, folhas frias. Tão frias quanto ele parecia.

— Sei o que pensa sobre mim — ele começou, olhando fixamente para os papéis. — E não estou aqui para pedir perdão.

— Ainda bem — rebati. — Porque ele morreu esperando.

Isaac cerrou os punhos, mas sua expressão permaneceu inalterada. Um músculo em sua mandíbula se contraiu, e eu vi ali, por um segundo, o homem que chorava em silêncio. Mas ele logo sumiu.

— Eu não podia vir, Maeve. Eu… — ele engoliu seco. — Um dia você vai entender.

— Então me explique agora — insisti.

Ele apenas balançou a cabeça e se levantou.

— Algumas verdades matam mais do que a mentira. Acredite, estou tentando te proteger.

E antes que eu pudesse reagir, ele saiu.

Fiquei ali, sentada, olhando para a cadeira vazia à minha frente e sentindo o gosto amargo da impotência.

Isaac havia retornado… mas não para preencher o vazio. Ele era uma nova ferida. Aberta. Latejante. E profundamente misteriosa.

E eu, como sempre, estava à beira do precipício. A diferença é que, desta vez, algo em mim queria pular. Só para ver se era possível voar. Ou se a queda, enfim, traria o silêncio.

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