capítulo 6

Capítulo 6

A ausência pode ser tão barulhenta que ensurdece até os pensamentos mais silenciosos.

— Marjorye Sandalo

Maeve Jhosef

As palavras dele ainda ecoavam na minha mente como um tambor desafinado, reverberando nas paredes do meu peito.

"Eu sou ele... ou, pelo menos, o que restou de mim depois da guerra."

Como se isso fosse suficiente para justificar tudo. Como se o passado pudesse ser soterrado sob essa desculpa frágil.

Eu não respondi. Não conseguia. Meus músculos estavam tensos, e o ar que entrava nos meus pulmões parecia mais denso, como se estivesse respirando fumaça. Era como se a vida estivesse pregando uma peça cruel, dessas que arrancam risos de plateias insensíveis, mas só deixam lágrimas nos olhos de quem sente.

Eu voltei a andar. Queria fugir de tudo. Dele. De mim.

Mas seus passos me seguiram.

— Maeve, por favor... escuta — a voz dele agora era mais baixa, quase um sussurro arrependido.

Continuei caminhando. Um passo. Depois outro. Como se o movimento pudesse me proteger de colapsar.

— Eu não queria... não consegui...

Parei.

Virei o rosto lentamente e o encarei. Era mesmo ele. Não só pela semelhança física, mas pelos olhos — os malditos olhos que me lembravam os de quem eu amei. Olhos de quem trazia nas pupilas o reflexo da morte e nas íris, a saudade que consome.

— Você teve a chance de salvá-lo. E escolheu não fazer nada. — Minha voz saiu trêmula, mais raiva do que dor, mas a dor ainda estava lá.

Ele abaixou a cabeça, como se fosse possível se esconder do julgamento.

— Eu estava quebrado... e com medo. — Ele balbuciou.

— Todos nós estávamos — respondi, sentindo as lágrimas se acumularem, ardendo. — Mas só você tinha o poder de mudar o final da história. Só você podia ter escrito outra despedida.

Silêncio.

Ele não tentou se justificar. Talvez soubesse que não havia defesa possível.

Vi quando ele recuou um passo. Como se minha dor tivesse o empurrado. E talvez tenha mesmo.

Me afastei. Precisava de ar. Precisava me lembrar de quem eu era antes da tragédia, antes do luto se tornar minha segunda pele.

**

Naquela noite, a casa parecia um túmulo em forma de lar. O silêncio era tão denso que podia ser cortado com uma faca.

Zola tentou puxar assunto, mas bastou um olhar meu para que ela soubesse que não era o momento. Killian apenas me observava com olhos atentos, como quem teme que, a qualquer momento, eu vá despencar de vez.

E eu quase fui.

Tranquei a porta do quarto, encostei as costas nela e deslizei até o chão. Deixei meu corpo desabar. A dor me alcançou como uma onda que se acumulava há anos e agora finalmente encontrava espaço para quebrar.

Chorei.

Chorei como não fazia há muito tempo. Como se meu corpo precisasse esvaziar o peso que acumulou em silêncio. A dor do reencontro. A culpa que não era minha, mas me havia sido lançada como um fardo. O amor que não morreu — só foi enterrado sem velório.

**

Na manhã seguinte, o céu estava coberto por nuvens espessas. Era como se o mundo inteiro estivesse de luto.

Me levantei devagar, como quem ainda carrega um corpo a mais sobre os ombros. Vesti uma roupa simples, amarrei o cabelo e desci para o jardim.

A brisa fria cortava meu rosto como pequenos estilhaços de lembrança. Cada flor que desabrochava parecia zombar da minha incapacidade de florescer de novo.

Sentei no balanço de madeira perto do carvalho. Fechei os olhos e deixei que o vento me embriagasse com sua calma cruel.

Foi então que ouvi passos.

Meu corpo enrijeceu antes mesmo de abrir os olhos. Eu sabia que era ele.

— Posso me sentar? — perguntou, com uma voz baixa, cautelosa, como quem teme espantar um pássaro ferido.

Não respondi, mas também não disse para ir embora.

Ele sentou-se na borda da fonte de pedra à minha frente. O som da água correndo era a única música que preenchia o espaço entre nós.

— Eu venho aqui desde que voltei — ele disse. — É o único lugar que ainda me faz sentir... humano.

Fiquei em silêncio. Meus olhos presos aos dele. Eu precisava entender. Precisava ouvir, mesmo que doesse.

— Quando meu irmão morreu, uma parte de mim foi com ele — confessou. — Mas não foi naquele hospital... foi antes. Quando decidi não voltar. Quando escolhi fugir em vez de enfrentar. Eu me tornei um covarde.

As palavras pesaram no ar como chumbo.

— Você não sabe o que era vê-lo definhar em vídeos, em mensagens... E eu lá, inteiro... com medo de não ser suficiente. De falhar com ele, com você, com todos. — Ele passou a mão pelo rosto, tentando conter a emoção. — Eu falhei, mesmo assim.

Meus olhos se encheram de lágrimas outra vez, mas agora havia algo diferente: o ódio começava a se dissolver, misturado a uma confusão brutal.

— E por que voltou agora? — perguntei, quase em um sussurro.

Ele respirou fundo. Olhou o céu como se procurasse respostas nas nuvens escuras.

— Porque eu precisava pedir perdão. Nem que fosse tarde demais.

A frase me atravessou.

Talvez fosse tarde, sim.

Mas parte de mim queria acreditar que não.

— O nome dele era Ezra — sussurrei. — Não o chame de “meu irmão”, se você não foi um. Ezra merecia mais. Merecia você lá.

Ele assentiu com os olhos marejados.

— Eu sei. E eu vou passar o resto da vida tentando honrar o que ele foi... e tentando me redimir com você. Se você permitir.

Levantei-me do balanço.

Ainda doía. Ainda sangrava.

Mas, pela primeira vez em muito tempo, percebi que talvez... só talvez... fosse possível costurar os retalhos da alma.

Não para esquecer.

Mas para continuar.

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