capítulo 3

Capítulo 3

O desconhecido pode ser ainda mais assustador do que aquilo que mostra sua verdadeira face desde o início.

— Marjorye Sandalo

Maeve Jhosef

A vida nunca foi um banquete gentil — e, mesmo quando se senta à mesa, nem sempre a fome é de comida. Ainda assim, surpreendi-me com o quão agradável foi reencontrar pessoas, ouvir vozes que um dia preencheram os corredores da juventude e, por instantes breves, fingir que o tempo não nos devorou.

O que me surpreendeu mais, no entanto, foi ver o quanto todos haviam seguido em frente. Sorrisos leves, planos sólidos, amores novos e feridas que já não sangravam. Eu, entre eles, era a peça que ainda rangia — a estátua de sal tentando acompanhar o fluxo do mundo.

Havia expectativa em seus olhos, embora ninguém ousasse dizê-lo em voz alta. Esperavam que eu amasse de novo. Que algum alguém me puxasse para fora do lodo onde me escondi por anos. Mas o fundo do poço tem camadas, e, ao que me parece, já escalei algumas delas: voltei a pintar, a respirar, a andar entre vivos. E agora, estava ali, cercada de vozes e risos, aceitando o convite da vida.

Enquanto os pratos chegavam à mesa e as conversas ganhavam corpo, percebi um entreolhar silencioso entre Killian, Nevan e Zola. Não era um olhar trivial. Era um pacto mudo, uma hesitação com nome e sobrenome. Por educação — e por medo —, fingi não notar.

Respondia perguntas, sorria em cortes curtos, comentava sobre meu trabalho como quem tenta se lembrar de quem era antes da dor. A conversa girava em torno de projetos, metas, estabilidade. Nada mais de amores de verão ou promessas adolescentes. Aquilo era crescer: aprender a falar do mundo sem citar o próprio coração.

— Com licença... — levantei-me para ir ao banheiro, tentando disfarçar o peso que repousava sobre minhas costas. Mas mal me pus de pé e esbarrei em alguém que passava próximo à nossa mesa.

Ele era um quadro maldito: olhar cortante, cabelos dourados como pecado, e uma presença arrogante que me arrepiou a pele antes mesmo de ouvi-lo falar.

— Me desculpe — murmurei, recuando um passo.

Seus olhos me fitaram como quem invade, não como quem pede permissão. A mandíbula rígida, o semblante firme.

— Não tem problema... Pessoas desatentas tendem a ser desastradas — disse, e sua voz era tão fria quanto seu olhar.

O tom — aquela maldita superioridade — me fez estreitar os olhos.

— O que disse? Não sou desastrada, foi só um acidente — rebati, mas ele já havia virado as costas.

Decidi ignorar. Não por calma, mas por cansaço. Eu não queria permitir que um homem, por mais bonito e idiota que fosse, contaminasse o que deveria ser uma noite de tentativa. De recomeço.

O banheiro serviu como refúgio. Respirei fundo, reforcei a maquiagem e tentei afastar o gosto amargo daquela interação. Algumas pessoas são belas como veneno: encantam à primeira vista, mas destroem por dentro.

A noite prosseguiu, e por sorte — ou destino —, não voltei a ver o estranho de olhos gélidos. Quando cheguei em casa, desejando apenas o alívio do travesseiro, uma notificação no celular selou o destino da minha madrugada.

"Filha, o primogênito da família Aubinngétorix está de volta. Precisamos que você retorne à capital."

As palavras dançaram na tela como facas. Meus joelhos cederam e precisei apoiar-me no pilar do corredor. Um zumbido tomou minha mente. Por quê? Por que agora?

Por que, depois de tudo, ele voltou?

Por que não ficou na guerra maldita onde deveria ter morrido?

A dor explodiu como uma bomba esquecida. Era isso que eu sentia: um infarto de memórias.

Lembrei-me daquela tarde cinzenta de inverno. Do choro de tia Dara ao telefone.

— Por favor, filho... você é o único compatível...

Ela implorou. Implorou como só mães sabem implorar. E mesmo assim, ele recusou.

Ele... se recusou.

Ele deixou morrer quem poderia ter vivido.

E eu o odiei antes mesmo de conhecer sua face.

Agora, teria de vê-lo. Olhar nos olhos de quem escolheu não salvar.

E juro, com tudo que ainda pulsa dentro de mim:

eu desejava matá-lo.

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