“Tudo que acontece uma vez pode nunca mais acontecer. Mas tudo que acontece duas vezes, acontecerá certamente uma terceira.” Paulo Coelho (O Alquimista)CAPÍTULO 1. PRÓLOGONo momento que Ana Clara pisou na cafeteria, onde há mais de vinte anos atrás era uma locadora de CD’S, sentiu as pernas fraquejarem e o coração acelerar. Se fechasse os olhos, ainda lembrava de cada momento que passou naquele lugar e ainda podia ver as prateleiras tomando conta de todas as paredes, coloridas, com as capas de CD’S das melhores bandas nacionais e internacionais.Olhou para baixo, observando a parede branca, vazia. Sorriu sozinha ao lembrar que ali ficavam os seus favoritos: “Surf Music”. Fez uma careta e chegou a sentir vontade de vomitar.- Clara?Ouvir a voz de sua amiga tanto tempo depois foi como se tivesse chegado em casa... Mesmo sabendo que “casa” não existia mais.Andou vagarosamente até a amiga, observando-a minuciosamente. A mulher não havia mudado nada naqueles anos. A pele continuava bon
- Sinto muito.Ah, se ela soubesse que Ana Clara não sentia!Por um breve momento Ana Clara olhou à sua volta, temendo estar sendo observado por alguém. Respirou fundo e chamou o atendente, pedindo um cappuccino pequeno. Não esperava demorar-se muito por ali.Os planos eram realmente rever parte da família que havia ficado na cidade e ir embora de vez para qualquer lugar. Riu sozinha. De que adiantava fingir para si mesma? Podia enganar a todo o mundo, menos o seu coração. Só voltou por ele... A fim de revê-lo a última vez na sua vida, para que pudesse seguir enfim seu caminho, sem as sombras do passado.- Ainda somos amigas? – A outra perguntou seriamente.- Preciso responder? – Ana Clara foi sarcástica, tentando deixar claro que a resposta era “não”.- Quero que durma com meu marido.Ana Clara olhou para a antiga amiga que estava escorada tranquilamente no encosto da cadeira, sem um sorriso que fosse no rosto. Achou não entender direito e começou a olhar o cardápio, pensando num doc
Baccarath, 1998Olhei em volta mais uma vez, tentando enxergar alguma coisa em meio à escuridão e à fumaça dos cigarros que ficava sobre as cabeças das pessoas, para tentar avistar Anastácia. Me peguei rindo sozinho, porque mesmo que ela estivesse ali, misturada com o pessoal da pista de dança, certamente não daria para identificá-la, pois era muito baixinha.- Esperando alguém? – Marcos debochou.- Não!Ele balançou a cabeça, rindo, certo de que eu esperava por ela. - ¡Este lugar es realmente bueno! Me voy a quedar con unas cinco chicas a la vez. – Gritava enlouquecido o amigo de Marcos.Estávamos em quatro homens no camarote. Aluguei para comemorar meu aniversário de 18 anos. Porém era bem difícil conseguir aquela simples mesa com bancos almofadados ao redor, custando um valor absurdo. Então acabei tendo que marcar um mês antes da data em que completava a maioridade, caso contrário não haveria a confraternização entre amigos.- Sus faldas son demasiado cortas. Dios mío, estoy en el
- Você é gay?- Não! – Arqueei a sobrancelha, confuso – Por quê?- Porque disse que tem “namorado”.- Não... Eu disse que também tenho namorada. – Menti, me explicando.- Entendi namorado. Desculpa. – Bateu a mão no meu ombro, com força, de forma irônica e irritante.Na verdade, eu não namorava mais Anastácia, mas como ficávamos no vai e volta, sempre achava que mais cedo ou mais tarde ela voltaria a ser. Era como se eu não pudesse me livrar dela. Com tantas garotas, por que fui me envolver justo com Anastácia, que não queria nada sério com ninguém? Ela só queria curtir a vida. E eu, ao contrário, não queria nada. Mas enquanto não me beijou ela não sossegou. E depois que a beijei eu que não sosseguei mais, querendo que ela ficasse comigo sob um compromisso.Começou a tocar “Smash Mouth”, e a garota cantava e gritava enlouquecidamente.“It ain't no joke I'd like to buy the world a tokeTeach the world to sing in perfect harmonyAnd teach the world to snuff the fires and the liarsHey I
POV CLARA- Você sabe o que acaba de me dizer? – Ele perguntou seriamente, como se eu tivesse cometido um crime.- Fo-da-se. – Sussurrei no ouvido dele, de forma lenta, me contendo para não rir.O garoto não disse mais nada, ficou ali, fingindo realmente ser um cabide. Bem que ele poderia ser mais divertido, já que era “bonitinho”. Alto... Demais da conta, ao menos para mim. Olhos castanhos, maxilar bem definido, cabelos castanho-escuros lisos e bem penteados, levemente arrepiados. Magro! Certamente debaixo daquela camiseta preta, lisa, sem nenhum detalhe, só havia ossos. A boca dele era bem desenhada e os lábios grossos. Eu diria que grande demais para o tamanho da face. E que porra de dentes milimetricamente enfileirados?- Você usou aparelho? – Perguntei.Ele me olhou, demorando a responder:- Não! Por quê?- Filho de dentistas?- Não! - Estreitou os olhos. – Por quê?- Seus dentes...- O que tem os meus dentes?- São perfeitos, típicos de quem usou aparelho. Deveria sorrir mais, C
- Ah, me poupe, Pedro! – Abri a mão dele e pus a taça, que se obrigou a segurar – Beba esta porra! Aos nossos dezoito! – levantei a taça, fazendo o brinde.Meu sonho sempre foi beber o Chandon. E que porra de coisa ruim! Fiz careta, balançando a cabeça de forma involuntária.Olhei a taça de Pedro, que estava vazia.- Você... Bebeu tudo? – Perguntei, confusa.Ele assentiu.Pus a minha taça na mesa e começou a tocar “Celebration” de Kool and the Gang. Deus, se eu tivesse feito uma lista para o DJ duvido que tivesse saído tão perfeita. Parecia um brinde aos meus dezoito.Gritei e Flora riu, pulando comigo. Eu não sabia a porra do Inglês, mas amava cantar. Aliás, eu era uma ótima cantora no chuveiro.Todos estavam se divertindo e dançando, exceto meu novo amigo Pedro.- Não está ouvindo? Celebration... – Mexi os braços dele, tentando fazê-lo se mexer.- Sabe o que quer dizer? – Ele me perguntou, parecendo uma pedra.- Vamos celebrar? – Arrisquei.- Celebrar, comemorar...- Acertei! – Pule
POV PEDROQuem quereria fazer 18 anos para ir embora de casa? Típico de alguém como ela! Patricinha, mimada e que não tinha o que fazer.Se ela queria que eu perguntasse, estava ferrada. Não éramos nem amigos para eu ouvir suas lamentações, sobre o pai ciumento, a mãe que fazia suas vontades... Eu sabia muito bem como era aquele tipo de garota. Ela não era muito diferente de Anastácia. E pelo visto não era só fisicamente. Também era vazia por dentro. E ficava achando problemas para preencher sua vida monótona e perfeita.Se julguei ela em menos de duas horas? Sim! Clara era fácil de se ler.- Eu... Vou dar uma volta por aí... Quem sabe beber uns drinques azuis – riu e piscou, provando novamente o merengue – E encontrar alguém legal para me dar uns amassos.Nem deu tempo de dizer que ela estava suja de merengue no queixo. Toquei a cobertura superficialmente e pus um pouco na boca, mal sentindo o gosto adocicado. Eu não comentei com ela, mas minha avó também usava Q-suco para dar cor ao
Pablo também negou, assim como eu, observando-a comer o bolo com as mãos.E sim, a doida comeu todo o bolo. Claro que era pequeno e dava no máximo umas três fatias de torta comum. Quando acabou, ela suspirou e limpou a boca com o guardanapo que continha o número que a garota tinha me dado, sem sequer perceber que tinha algo anotado.- No fim, era só um bolo comum com merengue por cima – reclamou – Pelo preço que a gente paga este camarote devia ter ao menos um recheio, não acha? – Me olhou.Eu só ri.- Eu gosto de coco, amendoim, leite condensado, daqueles que se cozinha na panela de pressão.Eu detestava coco. E comia amendoim uma vez na vida e outra na morte. Leite condensado na panela de pressão? Aquilo era possível?- Você não gosta de falar? – Ela me questionou – Está economizando a voz?- Eu gosto.- Então por que não fala?- Porque você fala por nós dois.- Todo mundo diz que eu falo demais.- Não imagino o motivo... – Ri.- Agora me leva embora, Pablito? Mí casa! – O “Mí casa”