- Sinto muito.
Ah, se ela soubesse que Ana Clara não sentia!
Por um breve momento Ana Clara olhou à sua volta, temendo estar sendo observado por alguém. Respirou fundo e chamou o atendente, pedindo um cappuccino pequeno. Não esperava demorar-se muito por ali.
Os planos eram realmente rever parte da família que havia ficado na cidade e ir embora de vez para qualquer lugar. Riu sozinha. De que adiantava fingir para si mesma? Podia enganar a todo o mundo, menos o seu coração. Só voltou por ele... A fim de revê-lo a última vez na sua vida, para que pudesse seguir enfim seu caminho, sem as sombras do passado.
- Ainda somos amigas? – A outra perguntou seriamente.
- Preciso responder? – Ana Clara foi sarcástica, tentando deixar claro que a resposta era “não”.
- Quero que durma com meu marido.
Ana Clara olhou para a antiga amiga que estava escorada tranquilamente no encosto da cadeira, sem um sorriso que fosse no rosto. Achou não entender direito e começou a olhar o cardápio, pensando num doce para acompanhar o cappuccino. Estava nervosa e quando aquilo acontecia só um chocolate a acalmava e...
- Amiga, quero que durma com meu marido! – Ela disse de forma tão clara quanto o nome de Clara.
Ana Clara começou a rir. Se tinha uma coisa que sua amiga nunca fora na vida era divertida e brincalhona. Sempre diziam que era a loira doida e a morena sensata. Mas muito tempo passou e talvez a outra tivesse mudado e ganhado senso de humor.
- Eu estou falando sério. Por que acha que pedi que viesse aqui?
- Você nem sabia que eu estava na cidade.
- Mas soube assim que vi seu irmão. E marquei o encontro para lhe fazer este pedido.
- Está dizendo que viu Renan e decidiu na hora que queria que eu dormisse com seu marido? – Ana Clara riu, de forma debochada – Ok... Você não pode ter filhos e quer que eu gere o bebê de vocês na minha barriga? Ou... Deixa-me ver a outra hipótese... Você conheceu outro homem e quer se divorciar, mas não está com vontade de dividir a herança, já que é da sua família, então o acusará de adultério e...
O telefone de Clara tocou, fazendo-a calar-se imediatamente. Só uma pessoa tinha aquele número. E ela precisava atender.
- Você me deve a porra deste favor! – A mulher falou em tom de voz alto, chamando a atenção de um outro casal que estava ali.
Ana Clara jamais a viu alterar a voz ou mesmo falar palavrões. Ficou chocada e impactada não só com o pedido completamente louco e insano, mas também com a mulher que estava a sua frente.
- Eu... Não lhe devo nada. – Clara falou baixo, a voz quase inaudível, com um mar de lembranças invadindo sua mente.
O som do telefone pareceu não mais existir quando tudo lhe veio à tona: a grande quantia de dinheiro, o exame de gravidez... Sem contar as noites de abrigo, as mentiras não reveladas, tanto quanto as verdades. Aquela mulher havia mentido aos próprios pais para ajudar Ana Clara no passado, comprando uma briga com a família em prol da amiga.
- Eu nunca lhe pedi nada em troca. – A voz dela saiu com ressentimento e os olhos marejaram.
- Quanto tempo você planejou isto? Esperou eu retornar um dia para cobrar todos os favores que me fez no passado?
- E se fosse? Clara, eu fiz tudo por você. E nunca pedi nada em troca.
- Está pedindo agora. E uma coisa completamente absurda. Eu jamais faria isso. Aliás, “ele” sabe o que você está me pedindo?
- Não... Ele só sabe da parte que vou morrer.
Ana Clara fitou a amiga, incrédula. O celular voltou a tocar, de forma insistente. Não sabia se atendia ou deixava as emoções virem à tona depois da revelação.
- Atenda, por favor! – Ela pediu, percebendo que o som ensurdecedor não parava nunca.
- Fale! – A voz soou sem nenhum tipo de emoção.
- Fodeu tudo, Clara! Ele não morreu.
- Como... Assim?
Clara sentiu o rosto queimar-se e um frio espalhar por sua espinha, parando no estômago, o corpo ficando completamente travado, como de costume.
A outra, por sua vez, viu nos olhos verdes da amiga de infância todo o pânico que havia por trás da notícia daquela ligação:
- Clara, está tudo bem?
- Não... Não está... – Clara deixou o celular cair de suas mãos, espatifando no chão – Eu... Preciso de ajuda.
A mulher riu, de forma sarcástica:
- Mais uma vez? Voltamos no tempo?
Clara não falou nada. Parecia que o destino queria lhe pregar uma peça. A vida inteira aquela mulher a ajudou e justo quando lhe pedia um favor, por mais absurdo que fosse, Clara lhe negava. Eis que novamente precisava desesperadamente de socorro. E não havia a quem recorrer.
- Preciso de você! – Clara implorou, jogando fora toda sua soberba e orgulho que um dia teve.
- Eu ajudo! Em troca, você fará o que pedi. Dormirá com ele.
- Será só uma vez? – Clara ouviu-se perguntando, mesmo que sua mente implorasse para que sequer pensasse naquela possibilidade.
- Uma única vez é o suficiente.
Clara olhou para o telefone jogado no chão. E depois para a amiga. Por tanto tempo deixou as lembranças presas numa caixa, a qual usou tantos cadeados para impedi-la de ser aberta, guardando num lugar lá no fundo do seu coração, onde jamais imaginou conseguir resgatar.
Pôs a mão sobre a mesa e a outra enlaçou os dedos nos seus, com os meios corações dos dedos de cada uma formando um só, a tatuagem que haviam feito juntas com a promessa de que seriam amigas eternamente e sempre se ajudariam.
- Você precisa ouvir a verdade sobre o que aconteceu, Clara!
- Eu não quero ouvir... Por favor, não quero ouvir! – Clara fechou os olhos, apertando a mão da outra com força – Eu durmo com ele! Só preciso que me ajude... Não posso mais... Eu não aguento! – Se ouviu confessando, sentindo-se, depois de tantos anos, finalmente acolhida.
Dentre tantos inimigos, os antigos pareciam amigos.
Na sua cabeça ecoou a frase tão conhecida, lida milhares de vezes, na solidão de seu quarto: “Muitas vezes, por causa de um ato impensado meu com uma pessoa, terminei me afastando de outras que eram queridas.”
Baccarath, 1998Olhei em volta mais uma vez, tentando enxergar alguma coisa em meio à escuridão e à fumaça dos cigarros que ficava sobre as cabeças das pessoas, para tentar avistar Anastácia. Me peguei rindo sozinho, porque mesmo que ela estivesse ali, misturada com o pessoal da pista de dança, certamente não daria para identificá-la, pois era muito baixinha.- Esperando alguém? – Marcos debochou.- Não!Ele balançou a cabeça, rindo, certo de que eu esperava por ela. - ¡Este lugar es realmente bueno! Me voy a quedar con unas cinco chicas a la vez. – Gritava enlouquecido o amigo de Marcos.Estávamos em quatro homens no camarote. Aluguei para comemorar meu aniversário de 18 anos. Porém era bem difícil conseguir aquela simples mesa com bancos almofadados ao redor, custando um valor absurdo. Então acabei tendo que marcar um mês antes da data em que completava a maioridade, caso contrário não haveria a confraternização entre amigos.- Sus faldas son demasiado cortas. Dios mío, estoy en el
- Você é gay?- Não! – Arqueei a sobrancelha, confuso – Por quê?- Porque disse que tem “namorado”.- Não... Eu disse que também tenho namorada. – Menti, me explicando.- Entendi namorado. Desculpa. – Bateu a mão no meu ombro, com força, de forma irônica e irritante.Na verdade, eu não namorava mais Anastácia, mas como ficávamos no vai e volta, sempre achava que mais cedo ou mais tarde ela voltaria a ser. Era como se eu não pudesse me livrar dela. Com tantas garotas, por que fui me envolver justo com Anastácia, que não queria nada sério com ninguém? Ela só queria curtir a vida. E eu, ao contrário, não queria nada. Mas enquanto não me beijou ela não sossegou. E depois que a beijei eu que não sosseguei mais, querendo que ela ficasse comigo sob um compromisso.Começou a tocar “Smash Mouth”, e a garota cantava e gritava enlouquecidamente.“It ain't no joke I'd like to buy the world a tokeTeach the world to sing in perfect harmonyAnd teach the world to snuff the fires and the liarsHey I
POV CLARA- Você sabe o que acaba de me dizer? – Ele perguntou seriamente, como se eu tivesse cometido um crime.- Fo-da-se. – Sussurrei no ouvido dele, de forma lenta, me contendo para não rir.O garoto não disse mais nada, ficou ali, fingindo realmente ser um cabide. Bem que ele poderia ser mais divertido, já que era “bonitinho”. Alto... Demais da conta, ao menos para mim. Olhos castanhos, maxilar bem definido, cabelos castanho-escuros lisos e bem penteados, levemente arrepiados. Magro! Certamente debaixo daquela camiseta preta, lisa, sem nenhum detalhe, só havia ossos. A boca dele era bem desenhada e os lábios grossos. Eu diria que grande demais para o tamanho da face. E que porra de dentes milimetricamente enfileirados?- Você usou aparelho? – Perguntei.Ele me olhou, demorando a responder:- Não! Por quê?- Filho de dentistas?- Não! - Estreitou os olhos. – Por quê?- Seus dentes...- O que tem os meus dentes?- São perfeitos, típicos de quem usou aparelho. Deveria sorrir mais, C
- Ah, me poupe, Pedro! – Abri a mão dele e pus a taça, que se obrigou a segurar – Beba esta porra! Aos nossos dezoito! – levantei a taça, fazendo o brinde.Meu sonho sempre foi beber o Chandon. E que porra de coisa ruim! Fiz careta, balançando a cabeça de forma involuntária.Olhei a taça de Pedro, que estava vazia.- Você... Bebeu tudo? – Perguntei, confusa.Ele assentiu.Pus a minha taça na mesa e começou a tocar “Celebration” de Kool and the Gang. Deus, se eu tivesse feito uma lista para o DJ duvido que tivesse saído tão perfeita. Parecia um brinde aos meus dezoito.Gritei e Flora riu, pulando comigo. Eu não sabia a porra do Inglês, mas amava cantar. Aliás, eu era uma ótima cantora no chuveiro.Todos estavam se divertindo e dançando, exceto meu novo amigo Pedro.- Não está ouvindo? Celebration... – Mexi os braços dele, tentando fazê-lo se mexer.- Sabe o que quer dizer? – Ele me perguntou, parecendo uma pedra.- Vamos celebrar? – Arrisquei.- Celebrar, comemorar...- Acertei! – Pule
POV PEDROQuem quereria fazer 18 anos para ir embora de casa? Típico de alguém como ela! Patricinha, mimada e que não tinha o que fazer.Se ela queria que eu perguntasse, estava ferrada. Não éramos nem amigos para eu ouvir suas lamentações, sobre o pai ciumento, a mãe que fazia suas vontades... Eu sabia muito bem como era aquele tipo de garota. Ela não era muito diferente de Anastácia. E pelo visto não era só fisicamente. Também era vazia por dentro. E ficava achando problemas para preencher sua vida monótona e perfeita.Se julguei ela em menos de duas horas? Sim! Clara era fácil de se ler.- Eu... Vou dar uma volta por aí... Quem sabe beber uns drinques azuis – riu e piscou, provando novamente o merengue – E encontrar alguém legal para me dar uns amassos.Nem deu tempo de dizer que ela estava suja de merengue no queixo. Toquei a cobertura superficialmente e pus um pouco na boca, mal sentindo o gosto adocicado. Eu não comentei com ela, mas minha avó também usava Q-suco para dar cor ao
Pablo também negou, assim como eu, observando-a comer o bolo com as mãos.E sim, a doida comeu todo o bolo. Claro que era pequeno e dava no máximo umas três fatias de torta comum. Quando acabou, ela suspirou e limpou a boca com o guardanapo que continha o número que a garota tinha me dado, sem sequer perceber que tinha algo anotado.- No fim, era só um bolo comum com merengue por cima – reclamou – Pelo preço que a gente paga este camarote devia ter ao menos um recheio, não acha? – Me olhou.Eu só ri.- Eu gosto de coco, amendoim, leite condensado, daqueles que se cozinha na panela de pressão.Eu detestava coco. E comia amendoim uma vez na vida e outra na morte. Leite condensado na panela de pressão? Aquilo era possível?- Você não gosta de falar? – Ela me questionou – Está economizando a voz?- Eu gosto.- Então por que não fala?- Porque você fala por nós dois.- Todo mundo diz que eu falo demais.- Não imagino o motivo... – Ri.- Agora me leva embora, Pablito? Mí casa! – O “Mí casa”
Não tinha como eu não ficar chateada. Pedi para uma amiga que era vizinha de Jason lhe avisar do meu aniversário há mais de um mês. Programei aquela festa para ficarmos juntos naquela noite. E sim, me passou pela cabeça perder a porra da virgindade com ele, de forma totalmente planejada.E ele não apareceu no meu aniversário. Não tinha dado certeza de que iria, mas também não negou. Então o esperei praticamente até o final da noite. E agora o encontrava na rua abraçado com outra garota, que por sinal conhecia Pedro.Jason era um desgraçado! Mas claro que eu não ficaria por baixo. Peguei a mão de Pedro e fingi que também estava acompanhada, assim como ele. Tipo: “Você não foi e ops, acabei ficando com outro”.Ficamos os quatro nos olhando, sem dizermos nada. Foi bem tenso.- Eu... Eu... – A garota que estava com ele começou a gaguejar, enquanto olhava para Pedro – Eu... Queria ir no Baccarath.Olhei para Pedro e percebi que ele estava tenso, encarando-a. Será que que se conheciam? Tive
Sorri e toquei o peito dele:- Vamos ver! Talvez até lá eu esteja namorando! – olhei na direção de Pedro do outro lado da rua, que olhava para Anastácia rindo, de forma tranquila, enquanto ela falava.Observei atentamente e os dois pareciam estar se divertindo. O que quer que ela tenha lhe explicado, certamente deu certo e ele aceitou ou acreditou.Olhei melhor para ela. Eu a conhecia. Já tinha visto aquela garota antes... Só não lembrava de onde.Atravessei a rua, sem olhar para os lados e peguei a mão de Pedro. Ser corna duas vezes não dava! Jason me traiu com Anastácia. Se Pedro também ficasse com Anastácia eu seria corna duplamente, pela mesma mulher. Só o que faltava! O meu namorado de mentira também se envolver com a mulher do meu quase namorado de verdade! Seria muito azar!Pedro olhou para nossas mãos juntas e franziu a testa.- Vamos, “querido”? – Usei o mesmo apelido carinhoso que ele, porém no gênero masculino.Porra, aquilo pareceu bem forçado! Eu não deveria ter usado o “