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Ela deve medir menos de 1,50

Baccarath, 1998

Olhei em volta mais uma vez, tentando enxergar alguma coisa em meio à escuridão e à fumaça dos cigarros que ficava sobre as cabeças das pessoas, para tentar avistar Anastácia. Me peguei rindo sozinho, porque mesmo que ela estivesse ali, misturada com o pessoal da pista de dança, certamente não daria para identificá-la, pois era muito baixinha.

- Esperando alguém? – Marcos debochou.

- Não!

Ele balançou a cabeça, rindo, certo de que eu esperava por ela.

 - ¡Este lugar es realmente bueno! Me voy a quedar con unas cinco chicas a la vez. – Gritava enlouquecido o amigo de Marcos.

Estávamos em quatro homens no camarote. Aluguei para comemorar meu aniversário de 18 anos. Porém era bem difícil conseguir aquela simples mesa com bancos almofadados ao redor, custando um valor absurdo. Então acabei tendo que marcar um mês antes da data em que completava a maioridade, caso contrário não haveria a confraternização entre amigos.

- Sus faldas son demasiado cortas. Dios mío, estoy en el paraíso de las mujeres hermosas. – O paraguaio seguia maravilhado.

Um grupo de quatro mulheres parou na pista. Uma delas tirou de dentro da bolsa um papel e olhou, chamando o paraguaio e falando algo no ouvido dele. 

O rapaz só ria. Depois ouvi ele explicando-lhe, enquanto gesticulava:

- No sé nada y no soy el propietario de la mesa. Pero entra y todo irá bien.

Como assim não tinha problema? Eu era o dono do camarote! Já estávamos em quatro pessoas, se subissem mais quatro, ficariam oito e mal daria para se mexer ali. 

Fui na direção dela e abaixei a cabeça para explicar. Mas antes que eu dissesse qualquer coisa, ela gritou, com o hálito cheirando a menta:

- Diga ao seu amigo uruguaio que eu não entendo porra nenhuma do ele fala. Só quero o meu camarote! Saiam! – Apontou para a pista, mandando que saíssemos.

Eu ri:

- O camarote é meu. Aluguei já faz um tempo. E sobre o meu amigo... Ele é paraguaio.

- Tanto faz! – ela olhou para o rapaz que falava espanhol – O camarote é meu. Você deve estar enganado. – Me mostrou o papel com a reserva do camarote de número 5 enquanto a outra já chamava o segurança. 

Eu pensei em descer para não ficar tão abaixado para falar com ela, que não sei se media mais de 1,50. Mas antes que pudesse intencionar, ela já havia subido, me encarando... Só não era de frente porque a cabeça dela dava no meu peito. Tive vontade de rir da ousadia dela, mas me contive. 

O segurança chegou e ela abaixou na direção dele, que estava no degrau debaixo, na pista, explicando e gesticulando, talvez muito mais tempo do que o necessário. Mulheres e sua mania de falar, falar e falar!

Suspirei e sentei, enquanto ela ainda tentava convencer o homem que o meu camarote era dela. Até que o segurança chamou um dos donos do Baccarath. 

Levantei de novo ao ver o proprietário do Baccarath subir no camarote, chamando nós dois:

- Sinto informar, mas houve um erro. Alguém marcou o mesmo camarote para vocês. 

Ela riu:

- Faz um mês que marquei. É simples: quem marcou primeiro tem mais direito.

- Também marquei há mais de mês. – Expliquei.

- É meu aniversário. – Ela revelou, como se eu tivesse que sair e deixar o lugar para ela.

- É o aniversário dele também. – Marcos deixou claro.

- ¿Por qué no celebramos su cumpleaños juntos aquí? – Pablo sugeriu.

- Eu entendi a parte de “juntos aqui” que o uruguaio falou – ela disse – E paguei muito caro pelo camarote para ter que dividir. Além do mais, estamos esperando uns amigos. Não vai caber todo mundo aqui.

Eu também estava esperando uma pessoa e certamente meus amigos ficariam com alguém e o camarote realmente iria lotar. Ou seja, eu não abriria mão do lugar. Mas também não iria discutir com ela, que parecia estar só por uma briga. O dono do Baccarath que resolvesse o problema!

Este, por sua vez, olhou ao redor e pegou uma lista na mão, analisando-a atentamente antes de dizer:

- Todos os camarotes estão lotados. O máximo de pessoas é dez. Vocês estão em oito. Sinto muito pelo inconveniente. O que posso fazer é dar 50% de desconto e deixá-los todos aqui. Ou um dos grupos abre mão, neste caso vocês que chegaram por último – olhou para a garota – E deixo que escolham outro dia para compensar o infortúnio. Neste caso, gratuitamente.

- Estou de aniversário “hoje”. Se abrir mão não ganho o espumante e o bolo. – Ela reclamou.

Eu não pude deixar de rir. Sério que ela estava ali pelo espumante e o bolo que dava para no máximo duas pessoas comerem? 

- Por Dios, vamos a estar todos juntos. Será divertido. Somos cuatro hombres y cuatro mujeres. Apuesto a que es el destino llamando a nuestra puerta. – Pablo tentou contornar a situação.

- Concordo em ficarmos todos juntos. Também estamos comemorando o aniversário do nosso amigo Pedro – Marcos apontou para mim – Podemos deixar combinado que se alguém do grupo ficar com uma pessoa de fora do camarote, sai e usa a pista. Se quiser pode ficar próximo daqui, sem problema. Tem lugar para todas vocês.

- Ou ficamos com eles ou teremos que ir para a pista e usar o nosso camarote só outro dia, Clara. – A morena alta tentou convencer a loira baixa, causadora da confusão.

- Tudo bem... Já que insistem, a gente deixa vocês ficarem! – Ela me falou, dando a confusão por encerrada, do jeito dela: “Eu venci”!

O dono se desculpou mais uma vez e saiu, satisfeito por resolver a situação.

- O bolo é meu. E o espumante eu que abro! – Ela me olhou, completamente petulante.

Antes que eu pudesse responder, Pablo já foi para cima dela:

- ¡Qué guapa eres! No puedo creer que no tengas novio.

- Eu só tenho 18 anos! Por que eu teria um noivo? No Uruguai se casa cedo? – Ela gritou com ele para ser ouvida, sorrindo de forma calorosa.

Pablo franziu a testa, confuso. Eu ri, deixando rolar a conversa entre eles.

Ela tinha um pouco mais de 1,50, mas menos de 1,60. Os olhos eram azuis esverdeados, o nariz fino e arrebitado e uma boca bonita. Diferente de Anastácia, não fazia a sobrancelha, por isso era mais grossa. Usava um vestido verde justo, tomara que caia. Era meio brilhoso conforme ela se mexia. E andava num salto alto preto, de um material que parecia tecido de roupa. 

Olhei para os pés das outras e imaginei que tivessem comprados as sandálias todas no mesmo lugar, porque se não eram iguais, eram muito parecidas. 

Os cabelos dela eram loiros, aparentemente pintados, e lisos, na altura do meio das costas. E não, ela não estava usando sutiã.

De repente olhei para o rosto dela e a vi me encarando, de forma divertida, como se tivesse me pego no flagra.

- Eu tenho namorado! – Ela gritou no meu ouvido, quase estourando meus tímpanos.

- Eu também. – Respondi.

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