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Ela deve medir menos de 1,50 (II)

- Você é gay?

- Não! – Arqueei a sobrancelha, confuso – Por quê?

- Porque disse que tem “namorado”.

- Não... Eu disse que também tenho namorada. – Menti, me explicando.

- Entendi namorado. Desculpa. – Bateu a mão no meu ombro, com força, de forma irônica e irritante.

Na verdade, eu não namorava mais Anastácia, mas como ficávamos no vai e volta, sempre achava que mais cedo ou mais tarde ela voltaria a ser. Era como se eu não pudesse me livrar dela. Com tantas garotas, por que fui me envolver justo com Anastácia, que não queria nada sério com ninguém? Ela só queria curtir a vida. E eu, ao contrário, não queria nada. Mas enquanto não me beijou ela não sossegou. E depois que a beijei eu que não sosseguei mais, querendo que ela ficasse comigo sob um compromisso.

Começou a tocar “Smash Mouth”, e a garota cantava e gritava enlouquecidamente.

“It ain't no joke I'd like to buy the world a toke

Teach the world to sing in perfect harmony

And teach the world to snuff the fires and the liars

Hey I know it's just a song but it's spice for the recipe”

O inglês dela faria um professor morrer ali mesmo, infartado. Um tradutor passaria a vida tentando entender o que ela dizia, jamais conseguindo traduzir.

Me olhou e começou a balançar meus ombros, como se me conhecesse a vida inteira:

- Vamos lá, você não é um cabide.

Cabide? Como assim eu não era um “cabide”?

Fiquei sério, irredutível, com o corpo feito rocha para que ela não conseguisse me mover.

- Ah, vamos lá, Cabide! – Ela insistiu, tocando na minha barriga e tentando me fazer cócegas.

Clara! Aquele era o nome daquela doida, que ouvi a amiga dela chamando.

Pablo veio me salvar das mãos dela e se pôs na minha frente, pegando sua cintura e seguindo o ritmo de dança da louca que certamente havia fugido do sanatório.

- Eu nunca beijei um uruguaio. – Ela lhe disse, enquanto se jogava para trás, grudando o corpo ao do “paraguaio”.

- Entonces pruébalo. Es muy bueno.

Pablo não iria corrigi-la, deixando claro que não era uruguaio e sim paraguaio? Eu já tinha dito para ela, que fingiu não entender. E falei em Português. Ou será que ela também não entendia Português?

Me sentei, enquanto ela seguia dançando com Pablo e cantando tudo errado, me dando nos nervos. Eu fazia curso de Inglês, modo avançado, e ouvir uma pronúncia daquelas me deixavam completamente maluco.

Logo a música acabou e ela deu um jeito de dispensar Pablo, sentando ao meu lado e retirando a sandália, como se estivesse em casa.

Não sei que parte eu perdi e o que fiquei fazendo, mas quando vi Marcos tinha ficado com uma das amigas dela e o outro amigo nosso com a mais alta. Sobramos eu, ela, Pablo e a morena de cabelos escuros, que parecia não estar muito feliz ali.

- Estou morta de dor nos meus pés. – Ela me disse – Não fiquei com o seu amigo uruguaio porque meio que eu tenho um namorado.

- O que é “meio” que ter um namorado?

- Tipo, a gente fica junto sempre que se vê. – Levantou os ombros, como se fosse a coisa mais simples do mundo.

- Então não são “meio” namorados. São “namorados”.

- Não, porque a gente não se vê sempre... Então também ficamos com outras pessoas.

Ok, agora estava comprovado: ela tinha sério distúrbios mentais e psicológicos.

- Ah, eu amo esta música também! – Mencionou quando começou a tocar “The Way, do Fastball”

Logo começou a cantarolar daquele jeito esquisito e errado, enquanto se recostava no sofá do camarote, fechando os olhos.

- Você sabe o que está cantando? – Tive que perguntar para entender o que se passava na cabeça dela.

- The Way? – Respondeu com o nome da música, virando o rosto na minha direção, abrindo os olhos preguiçosamente.

- A música que você cantou antes era uma apologia à cocaína. – Expliquei.

- Qual delas? Eu cantei tantas...

Ela pouco se importava.

- Por que me chamou de “cabide”?

- Seus ombros são muito largos. Parecem um cabide.

Toquei meus ombros, sentindo-os. Não, eles não pareciam cabides!

- Pega uma lagoa azul para mim. – Mandou, sem mexer a cabeça, parecendo cansada.

- Por que eu faria isto?

- Porque eu não posso pegar. – Me mostrou o carimbo no pulso, que mostrava que era menor de idade.

- Achei que você já tivesse 18.

- Sim, depois da meia noite. O filho da puta do segurança me carimbou e disse que eu só poderia beber depois da meia noite.

- Então você só pode beber depois da meia-noite. Simples assim. Teoricamente ainda tem 17.

- Pega para mim, vai! Pode ser seu presente de aniversário para mim.

Mostrei o carimbo no meu pulso, igual ao dela, escrito “menor de 18”.

- Entendi que era o seu aniversário, garoto! – Ela riu, levantando a cabeça.

- E é. Daqui há um mês.

- Então o camarote era para ser meu! – balançou a cabeça – Vou assoprar as velas do bolo e comer todo sozinha. – Gargalhou.

- Por mim... Tudo bem. É só um bolo.

- Estou brincando, Cabide – deu um soquinho no meu ombro – Deixo você assoprar as velinhas comigo. Desculpe eu estar sendo um pé no saco hoje, mas eu fico mais divertida depois que bebo, juro. E sem contar que estou um pouco chateada porque o Jason realmente não vai vir.

- Ainda nem é meia-noite. Talvez ele venha. – Até fiquei com pena dela.

- Se não vir, problema é dele. Vou beijar um uruguaio. – Olhou para Pablo, que desaparecia entre a multidão, entrando na pista.

Meu dó foi embora! Que Jason não viesse! Até porque, não perderia nada. Ela estava ali feito uma morta viva. E nem tinha bebido.

- Na verdade eu gosto de ficar com Jason. Mas eu não gosto “do Jason”.

Meu senhor, ficava cada vez pior.

E não é que Pablo estava ouvindo a conversa e trouxe a Lagoa azul para a doida? Álcool para uma pessoa que já não tinha uma cabeça 100% certamente era um erro.

- Meu Deus, Pablo! Arriba lá revolución! – Gritou, chamando a atenção de algumas pessoas que estavam próximas.

- Arriba lá revolución! – Pablo gritou, rindo, brindando com ela com sua garrafa de cerveja.

Os dois beberam. Ela sentou novamente, entre mim e Pablo.

- Isto é muito bom. – Falou, fechando os olhos e bebendo de canudo todo o conteúdo do copo, de uma só vez.

- Creo que es curaçao blue y Sprite. – Pablo sugestionou - ¿Cuál es tu nombre?

- My name is Clara. – Ela disse bem devagar, para caso ele não entendesse.

- “The books on the table”. – Não pude me conter, enquanto olhava para Pablo.

- Fuck you. – Ela me mostrou o dedo do meio.

Ela mandou eu me foder? Palavrão pelo visto a doida sabia bem em qualquer língua.

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