- Você é gay?
- Não! – Arqueei a sobrancelha, confuso – Por quê?
- Porque disse que tem “namorado”.
- Não... Eu disse que também tenho namorada. – Menti, me explicando.
- Entendi namorado. Desculpa. – Bateu a mão no meu ombro, com força, de forma irônica e irritante.
Na verdade, eu não namorava mais Anastácia, mas como ficávamos no vai e volta, sempre achava que mais cedo ou mais tarde ela voltaria a ser. Era como se eu não pudesse me livrar dela. Com tantas garotas, por que fui me envolver justo com Anastácia, que não queria nada sério com ninguém? Ela só queria curtir a vida. E eu, ao contrário, não queria nada. Mas enquanto não me beijou ela não sossegou. E depois que a beijei eu que não sosseguei mais, querendo que ela ficasse comigo sob um compromisso.
Começou a tocar “Smash Mouth”, e a garota cantava e gritava enlouquecidamente.
“It ain't no joke I'd like to buy the world a toke
Teach the world to sing in perfect harmony
And teach the world to snuff the fires and the liars
Hey I know it's just a song but it's spice for the recipe”
O inglês dela faria um professor morrer ali mesmo, infartado. Um tradutor passaria a vida tentando entender o que ela dizia, jamais conseguindo traduzir.
Me olhou e começou a balançar meus ombros, como se me conhecesse a vida inteira:
- Vamos lá, você não é um cabide.
Cabide? Como assim eu não era um “cabide”?
Fiquei sério, irredutível, com o corpo feito rocha para que ela não conseguisse me mover.
- Ah, vamos lá, Cabide! – Ela insistiu, tocando na minha barriga e tentando me fazer cócegas.
Clara! Aquele era o nome daquela doida, que ouvi a amiga dela chamando.
Pablo veio me salvar das mãos dela e se pôs na minha frente, pegando sua cintura e seguindo o ritmo de dança da louca que certamente havia fugido do sanatório.
- Eu nunca beijei um uruguaio. – Ela lhe disse, enquanto se jogava para trás, grudando o corpo ao do “paraguaio”.
- Entonces pruébalo. Es muy bueno.
Pablo não iria corrigi-la, deixando claro que não era uruguaio e sim paraguaio? Eu já tinha dito para ela, que fingiu não entender. E falei em Português. Ou será que ela também não entendia Português?
Me sentei, enquanto ela seguia dançando com Pablo e cantando tudo errado, me dando nos nervos. Eu fazia curso de Inglês, modo avançado, e ouvir uma pronúncia daquelas me deixavam completamente maluco.
Logo a música acabou e ela deu um jeito de dispensar Pablo, sentando ao meu lado e retirando a sandália, como se estivesse em casa.
Não sei que parte eu perdi e o que fiquei fazendo, mas quando vi Marcos tinha ficado com uma das amigas dela e o outro amigo nosso com a mais alta. Sobramos eu, ela, Pablo e a morena de cabelos escuros, que parecia não estar muito feliz ali.
- Estou morta de dor nos meus pés. – Ela me disse – Não fiquei com o seu amigo uruguaio porque meio que eu tenho um namorado.
- O que é “meio” que ter um namorado?
- Tipo, a gente fica junto sempre que se vê. – Levantou os ombros, como se fosse a coisa mais simples do mundo.
- Então não são “meio” namorados. São “namorados”.
- Não, porque a gente não se vê sempre... Então também ficamos com outras pessoas.
Ok, agora estava comprovado: ela tinha sério distúrbios mentais e psicológicos.
- Ah, eu amo esta música também! – Mencionou quando começou a tocar “The Way, do Fastball”
Logo começou a cantarolar daquele jeito esquisito e errado, enquanto se recostava no sofá do camarote, fechando os olhos.
- Você sabe o que está cantando? – Tive que perguntar para entender o que se passava na cabeça dela.
- The Way? – Respondeu com o nome da música, virando o rosto na minha direção, abrindo os olhos preguiçosamente.
- A música que você cantou antes era uma apologia à cocaína. – Expliquei.
- Qual delas? Eu cantei tantas...
Ela pouco se importava.
- Por que me chamou de “cabide”?
- Seus ombros são muito largos. Parecem um cabide.
Toquei meus ombros, sentindo-os. Não, eles não pareciam cabides!
- Pega uma lagoa azul para mim. – Mandou, sem mexer a cabeça, parecendo cansada.
- Por que eu faria isto?
- Porque eu não posso pegar. – Me mostrou o carimbo no pulso, que mostrava que era menor de idade.
- Achei que você já tivesse 18.
- Sim, depois da meia noite. O filho da puta do segurança me carimbou e disse que eu só poderia beber depois da meia noite.
- Então você só pode beber depois da meia-noite. Simples assim. Teoricamente ainda tem 17.
- Pega para mim, vai! Pode ser seu presente de aniversário para mim.
Mostrei o carimbo no meu pulso, igual ao dela, escrito “menor de 18”.
- Entendi que era o seu aniversário, garoto! – Ela riu, levantando a cabeça.
- E é. Daqui há um mês.
- Então o camarote era para ser meu! – balançou a cabeça – Vou assoprar as velas do bolo e comer todo sozinha. – Gargalhou.
- Por mim... Tudo bem. É só um bolo.
- Estou brincando, Cabide – deu um soquinho no meu ombro – Deixo você assoprar as velinhas comigo. Desculpe eu estar sendo um pé no saco hoje, mas eu fico mais divertida depois que bebo, juro. E sem contar que estou um pouco chateada porque o Jason realmente não vai vir.
- Ainda nem é meia-noite. Talvez ele venha. – Até fiquei com pena dela.
- Se não vir, problema é dele. Vou beijar um uruguaio. – Olhou para Pablo, que desaparecia entre a multidão, entrando na pista.
Meu dó foi embora! Que Jason não viesse! Até porque, não perderia nada. Ela estava ali feito uma morta viva. E nem tinha bebido.
- Na verdade eu gosto de ficar com Jason. Mas eu não gosto “do Jason”.
Meu senhor, ficava cada vez pior.
E não é que Pablo estava ouvindo a conversa e trouxe a Lagoa azul para a doida? Álcool para uma pessoa que já não tinha uma cabeça 100% certamente era um erro.
- Meu Deus, Pablo! Arriba lá revolución! – Gritou, chamando a atenção de algumas pessoas que estavam próximas.
- Arriba lá revolución! – Pablo gritou, rindo, brindando com ela com sua garrafa de cerveja.
Os dois beberam. Ela sentou novamente, entre mim e Pablo.
- Isto é muito bom. – Falou, fechando os olhos e bebendo de canudo todo o conteúdo do copo, de uma só vez.
- Creo que es curaçao blue y Sprite. – Pablo sugestionou - ¿Cuál es tu nombre?
- My name is Clara. – Ela disse bem devagar, para caso ele não entendesse.
- “The books on the table”. – Não pude me conter, enquanto olhava para Pablo.
- Fuck you. – Ela me mostrou o dedo do meio.
Ela mandou eu me foder? Palavrão pelo visto a doida sabia bem em qualquer língua.
POV CLARA- Você sabe o que acaba de me dizer? – Ele perguntou seriamente, como se eu tivesse cometido um crime.- Fo-da-se. – Sussurrei no ouvido dele, de forma lenta, me contendo para não rir.O garoto não disse mais nada, ficou ali, fingindo realmente ser um cabide. Bem que ele poderia ser mais divertido, já que era “bonitinho”. Alto... Demais da conta, ao menos para mim. Olhos castanhos, maxilar bem definido, cabelos castanho-escuros lisos e bem penteados, levemente arrepiados. Magro! Certamente debaixo daquela camiseta preta, lisa, sem nenhum detalhe, só havia ossos. A boca dele era bem desenhada e os lábios grossos. Eu diria que grande demais para o tamanho da face. E que porra de dentes milimetricamente enfileirados?- Você usou aparelho? – Perguntei.Ele me olhou, demorando a responder:- Não! Por quê?- Filho de dentistas?- Não! - Estreitou os olhos. – Por quê?- Seus dentes...- O que tem os meus dentes?- São perfeitos, típicos de quem usou aparelho. Deveria sorrir mais, C
- Ah, me poupe, Pedro! – Abri a mão dele e pus a taça, que se obrigou a segurar – Beba esta porra! Aos nossos dezoito! – levantei a taça, fazendo o brinde.Meu sonho sempre foi beber o Chandon. E que porra de coisa ruim! Fiz careta, balançando a cabeça de forma involuntária.Olhei a taça de Pedro, que estava vazia.- Você... Bebeu tudo? – Perguntei, confusa.Ele assentiu.Pus a minha taça na mesa e começou a tocar “Celebration” de Kool and the Gang. Deus, se eu tivesse feito uma lista para o DJ duvido que tivesse saído tão perfeita. Parecia um brinde aos meus dezoito.Gritei e Flora riu, pulando comigo. Eu não sabia a porra do Inglês, mas amava cantar. Aliás, eu era uma ótima cantora no chuveiro.Todos estavam se divertindo e dançando, exceto meu novo amigo Pedro.- Não está ouvindo? Celebration... – Mexi os braços dele, tentando fazê-lo se mexer.- Sabe o que quer dizer? – Ele me perguntou, parecendo uma pedra.- Vamos celebrar? – Arrisquei.- Celebrar, comemorar...- Acertei! – Pule
POV PEDROQuem quereria fazer 18 anos para ir embora de casa? Típico de alguém como ela! Patricinha, mimada e que não tinha o que fazer.Se ela queria que eu perguntasse, estava ferrada. Não éramos nem amigos para eu ouvir suas lamentações, sobre o pai ciumento, a mãe que fazia suas vontades... Eu sabia muito bem como era aquele tipo de garota. Ela não era muito diferente de Anastácia. E pelo visto não era só fisicamente. Também era vazia por dentro. E ficava achando problemas para preencher sua vida monótona e perfeita.Se julguei ela em menos de duas horas? Sim! Clara era fácil de se ler.- Eu... Vou dar uma volta por aí... Quem sabe beber uns drinques azuis – riu e piscou, provando novamente o merengue – E encontrar alguém legal para me dar uns amassos.Nem deu tempo de dizer que ela estava suja de merengue no queixo. Toquei a cobertura superficialmente e pus um pouco na boca, mal sentindo o gosto adocicado. Eu não comentei com ela, mas minha avó também usava Q-suco para dar cor ao
Pablo também negou, assim como eu, observando-a comer o bolo com as mãos.E sim, a doida comeu todo o bolo. Claro que era pequeno e dava no máximo umas três fatias de torta comum. Quando acabou, ela suspirou e limpou a boca com o guardanapo que continha o número que a garota tinha me dado, sem sequer perceber que tinha algo anotado.- No fim, era só um bolo comum com merengue por cima – reclamou – Pelo preço que a gente paga este camarote devia ter ao menos um recheio, não acha? – Me olhou.Eu só ri.- Eu gosto de coco, amendoim, leite condensado, daqueles que se cozinha na panela de pressão.Eu detestava coco. E comia amendoim uma vez na vida e outra na morte. Leite condensado na panela de pressão? Aquilo era possível?- Você não gosta de falar? – Ela me questionou – Está economizando a voz?- Eu gosto.- Então por que não fala?- Porque você fala por nós dois.- Todo mundo diz que eu falo demais.- Não imagino o motivo... – Ri.- Agora me leva embora, Pablito? Mí casa! – O “Mí casa”
Não tinha como eu não ficar chateada. Pedi para uma amiga que era vizinha de Jason lhe avisar do meu aniversário há mais de um mês. Programei aquela festa para ficarmos juntos naquela noite. E sim, me passou pela cabeça perder a porra da virgindade com ele, de forma totalmente planejada.E ele não apareceu no meu aniversário. Não tinha dado certeza de que iria, mas também não negou. Então o esperei praticamente até o final da noite. E agora o encontrava na rua abraçado com outra garota, que por sinal conhecia Pedro.Jason era um desgraçado! Mas claro que eu não ficaria por baixo. Peguei a mão de Pedro e fingi que também estava acompanhada, assim como ele. Tipo: “Você não foi e ops, acabei ficando com outro”.Ficamos os quatro nos olhando, sem dizermos nada. Foi bem tenso.- Eu... Eu... – A garota que estava com ele começou a gaguejar, enquanto olhava para Pedro – Eu... Queria ir no Baccarath.Olhei para Pedro e percebi que ele estava tenso, encarando-a. Será que que se conheciam? Tive
Sorri e toquei o peito dele:- Vamos ver! Talvez até lá eu esteja namorando! – olhei na direção de Pedro do outro lado da rua, que olhava para Anastácia rindo, de forma tranquila, enquanto ela falava.Observei atentamente e os dois pareciam estar se divertindo. O que quer que ela tenha lhe explicado, certamente deu certo e ele aceitou ou acreditou.Olhei melhor para ela. Eu a conhecia. Já tinha visto aquela garota antes... Só não lembrava de onde.Atravessei a rua, sem olhar para os lados e peguei a mão de Pedro. Ser corna duas vezes não dava! Jason me traiu com Anastácia. Se Pedro também ficasse com Anastácia eu seria corna duplamente, pela mesma mulher. Só o que faltava! O meu namorado de mentira também se envolver com a mulher do meu quase namorado de verdade! Seria muito azar!Pedro olhou para nossas mãos juntas e franziu a testa.- Vamos, “querido”? – Usei o mesmo apelido carinhoso que ele, porém no gênero masculino.Porra, aquilo pareceu bem forçado! Eu não deveria ter usado o “
Ok, ela tinha entendido que eu havia debochado de sua pronúncia nas músicas. Era mais inteligente do que imaginei. Mas perdia tempo se preocupando com coisas completamente sem sentido, como “alma gêmea”. Quem no mundo se preocupava com aquilo?Relacionamentos eram chatos, não davam certo e ninguém precisava de uma pessoa para ser feliz. Pelo contrário, na maioria das vezes poderia fazer mal... Ou mesmo levar à morte.Ficamos um tempo em silêncio, cada um com seus próprios pensamentos.- Então me conte, você sabe que o tal Patrick é sua alma gêmea por que viu o ponto luminoso acima do ombro esquerdo dele?- Não, eu não vi o ponto nele ainda. Mas verei... Quando a gente se falar.Levantei e não pude deixar de encará-la, incrédulo:- Você... Nunca falou com ele?- Não.- E ainda assim afirma que ele é a sua alma gêmea?- Sim.Ela falava com tanta propriedade que poderia até dar um discurso sobre aquela porra. Mas fiquei convencido de que Ana Clara era louca, imatura e insana. Talvez tive
Vi os garotos começarem a se aproximar e não tive dúvidas de que pegariam o mesmo ônibus. Retirei minha camiseta e vesti na cabeça dela, que ficou me olhando de forma estranha assim que nossos olhos se encontraram de novo.- É melhor vestir isto! Você está praticamente nua.Achei que ela pudesse contestar, mas não. Passou um braço em cada manga e pareceu estar de vestido, já que a camiseta ficou mais comprida que a roupa que usava por baixo.- Certamente não vou poder lhe devolver porque a gente não vai mais se ver.- Não tem problema. Não exigirei que leve na sua minúscula bolsa quando voltar ao Baccarath. Nem vou pedir o telefone do seu vizinho, porque não é uma emergência. Se um dia a gente se encontrar novamente, você me devolve. Mas a probabilidade é pouca.- Você mora em Laranjeiras?- Sim.- Então não é tão impossível assim! – Ela riu.O ônibus parou e os garotos embarcaram. Ela foi indo atrás deles:- Feliz aniversário, Pedro! – Disse antes de subir.- Feliz aniversário, Clara