“Tudo que acontece uma vez pode nunca mais acontecer. Mas tudo que acontece duas vezes, acontecerá certamente uma terceira.” Paulo Coelho (O Alquimista)
CAPÍTULO 1. PRÓLOGO
No momento que Ana Clara pisou na cafeteria, onde há mais de vinte anos atrás era uma locadora de CD’S, sentiu as pernas fraquejarem e o coração acelerar. Se fechasse os olhos, ainda lembrava de cada momento que passou naquele lugar e ainda podia ver as prateleiras tomando conta de todas as paredes, coloridas, com as capas de CD’S das melhores bandas nacionais e internacionais.
Olhou para baixo, observando a parede branca, vazia. Sorriu sozinha ao lembrar que ali ficavam os seus favoritos: “Surf Music”. Fez uma careta e chegou a sentir vontade de vomitar.
- Clara?
Ouvir a voz de sua amiga tanto tempo depois foi como se tivesse chegado em casa... Mesmo sabendo que “casa” não existia mais.
Andou vagarosamente até a amiga, observando-a minuciosamente. A mulher não havia mudado nada naqueles anos. A pele continuava bonita e não notou uma ruga sequer. Os cabelos seguiam compridos, no mesmo corte de antigamente. E a desgraçada sequer havia engordado uma grama.
Ficou incerta de como agir. Deveria abraçá-la e perguntar de vez o que ela queria? Ou apertar sua mão, fingindo que mal sabia quem ela era depois de tantos anos?
Houve um dia em que dividiram os sonhos, os planos, a comida, todos os segredos e uma vida. Agora eram meras conhecidas. Cada uma havia seguido seu caminho, embora o daquela mulher tivesse roubado parte de sua estrada.
Antes que pudesse decidir o que fazer, a outra veio na sua direção e deu-lhe um forte abraço.
Ana Clara respirou fundo, sentindo o cheiro de perfume caro emanando do corpo dela. A diferença era que atualmente também podia se dar ao luxo de usar importados e não precisava pegar emprestado. Não deveria haver mágoas... Achou que tudo já tivesse sido superado. Mas pelo visto estava enganada.
- Quanto tempo! – A outra sorriu, de forma sincera.
- Sim... Muito.
Ambas se sentaram e ficaram um tempo em silêncio.
- Você não mudou nada, Clara. Por Deus, dormiu no formol?
As duas riram e Clara não pôde deixar de dizer:
- Pensei o mesmo de você.
- Eu... Não vinha aqui há anos – a outra confessou – E não pensei que entrar neste lugar pudesse me trazer tanta saudade.
Ana Clara suspirou:
- Lembro até onde ficavam meus CD’S preferidos. – Ouviu-se confessando, como se aquela mulher continuasse sendo a pessoa em quem mais confiou durante anos.
- Ali! – Apontou a morena, com os cabelos lisos, sem franja, um pouco acima da cintura.
E claro que não errou. A prateleira de surf music ficava exatamente abaixo da atual janela.
- A vi na internet... E em algumas revistas por aí. – Ouviu-a dizendo – Sabe que dia destes eu estava num consultório e li uma entrevista sua e mostrei para todo mundo que esperava na sala! – sorriu – Senti orgulho de você...
- E o que você tem feito? – Clara quis saber, tentando não ser intrometida ou parecer curiosa.
- Me formei em arquitetura. Mas não trabalho na área.
- E trabalha em que?
- Cuido da empresa do meu pai.
Clara riu, balançando a cabeça. No fundo imaginou que aquilo aconteceria, já que ela era filha única e os negócios da família sempre foram muito promissores.
- Eu vi seu irmão. – Ela comentou, fingindo desinteresse.
- Sim... Eu... Estou com ele.
- Pedi que ele me desse seu número quando soube que você estava de volta. Mas como Renan me explicou que ainda não tinha um número decidi marcar o nosso encontro. Não pude esperar. Fiquei com medo que partisse novamente... Do nada.
- Estou com um telefone emprestado... De um amigo. – Expliquei, mostrando o celular de última geração, que realmente não era meu e eu sequer sabia o número.
- Renan voltou quando?
- Faz um mês eu acho.
- Combinaram de voltar ao mesmo tempo os dois?
- Não. Foi mesmo uma coincidência. Ele está na casa que era dos nossos pais. E achei melhor ficar lá com ele.
- Renan... Casou?
- Sim.
Ela abaixou a cabeça. Ana Clara teve dúvidas se a antiga amiga poderia ainda nutrir algum tipo de sentimento por Renan. Riu, em seu íntimo, achando muito cinismo se realmente fosse verdade. Poderia dizer que seu irmão casou sim, mas já estava divorciado pela segunda vez e tinha um filho. Mas aquela mulher não merecia ouvir aquilo.
- Não houve um dia em que não pensei em você. – Os olhos azuis dela pareciam sinceros.
E realmente aquilo poderia ser verdadeiro, já que Clara também sentiu falta dela. Porém ao contrário, não teve tempo de pensar na amiga uma só vez, porque sua vida era uma caixa de surpresas, uma bomba atômica prestes a explodir a qualquer hora. Tanto que explodiu e Ana Clara estava ali, naquela cafeteria, onde um dia foi a loja de CD’S mais badalada da cidade de Laranjeiras, interior de Noriah Norte.
- Como ele está? – Clara se ouviu perguntando, com o coração batendo tão forte que o sentia na garganta, na palma da mão e até na circulação do sangue.
Poderia fingir que não sabia de nada, mas achou que era melhor jogar limpo. Não que quisesse saber o que de fato aconteceu naquele tempo em que esteve fora, mas esperava ao menos receber uma explicação... Única que fosse.
- Ele está bem. Você esperava o quê?
- Foi só uma pergunta. Na verdade, eu não esperava nada.
Olhou o dedo anelar da amiga, que ostentava a bela aliança grossa de ouro.
- Você se divorciou? – A morena perguntou, parecendo ter a mesma curiosidade.
Ana Clara olhou para o anel solitário no dedo médio, a marca da aliança há muito já havia desaparecido.
- Estou viúva. – Tentou não transparecer felicidade e alívio ao dizer aquilo, procurando evitar o largo sorriso que tinha vontade de estampar no rosto.
- Sinto muito.Ah, se ela soubesse que Ana Clara não sentia!Por um breve momento Ana Clara olhou à sua volta, temendo estar sendo observado por alguém. Respirou fundo e chamou o atendente, pedindo um cappuccino pequeno. Não esperava demorar-se muito por ali.Os planos eram realmente rever parte da família que havia ficado na cidade e ir embora de vez para qualquer lugar. Riu sozinha. De que adiantava fingir para si mesma? Podia enganar a todo o mundo, menos o seu coração. Só voltou por ele... A fim de revê-lo a última vez na sua vida, para que pudesse seguir enfim seu caminho, sem as sombras do passado.- Ainda somos amigas? – A outra perguntou seriamente.- Preciso responder? – Ana Clara foi sarcástica, tentando deixar claro que a resposta era “não”.- Quero que durma com meu marido.Ana Clara olhou para a antiga amiga que estava escorada tranquilamente no encosto da cadeira, sem um sorriso que fosse no rosto. Achou não entender direito e começou a olhar o cardápio, pensando num doc
Baccarath, 1998Olhei em volta mais uma vez, tentando enxergar alguma coisa em meio à escuridão e à fumaça dos cigarros que ficava sobre as cabeças das pessoas, para tentar avistar Anastácia. Me peguei rindo sozinho, porque mesmo que ela estivesse ali, misturada com o pessoal da pista de dança, certamente não daria para identificá-la, pois era muito baixinha.- Esperando alguém? – Marcos debochou.- Não!Ele balançou a cabeça, rindo, certo de que eu esperava por ela. - ¡Este lugar es realmente bueno! Me voy a quedar con unas cinco chicas a la vez. – Gritava enlouquecido o amigo de Marcos.Estávamos em quatro homens no camarote. Aluguei para comemorar meu aniversário de 18 anos. Porém era bem difícil conseguir aquela simples mesa com bancos almofadados ao redor, custando um valor absurdo. Então acabei tendo que marcar um mês antes da data em que completava a maioridade, caso contrário não haveria a confraternização entre amigos.- Sus faldas son demasiado cortas. Dios mío, estoy en el
- Você é gay?- Não! – Arqueei a sobrancelha, confuso – Por quê?- Porque disse que tem “namorado”.- Não... Eu disse que também tenho namorada. – Menti, me explicando.- Entendi namorado. Desculpa. – Bateu a mão no meu ombro, com força, de forma irônica e irritante.Na verdade, eu não namorava mais Anastácia, mas como ficávamos no vai e volta, sempre achava que mais cedo ou mais tarde ela voltaria a ser. Era como se eu não pudesse me livrar dela. Com tantas garotas, por que fui me envolver justo com Anastácia, que não queria nada sério com ninguém? Ela só queria curtir a vida. E eu, ao contrário, não queria nada. Mas enquanto não me beijou ela não sossegou. E depois que a beijei eu que não sosseguei mais, querendo que ela ficasse comigo sob um compromisso.Começou a tocar “Smash Mouth”, e a garota cantava e gritava enlouquecidamente.“It ain't no joke I'd like to buy the world a tokeTeach the world to sing in perfect harmonyAnd teach the world to snuff the fires and the liarsHey I
POV CLARA- Você sabe o que acaba de me dizer? – Ele perguntou seriamente, como se eu tivesse cometido um crime.- Fo-da-se. – Sussurrei no ouvido dele, de forma lenta, me contendo para não rir.O garoto não disse mais nada, ficou ali, fingindo realmente ser um cabide. Bem que ele poderia ser mais divertido, já que era “bonitinho”. Alto... Demais da conta, ao menos para mim. Olhos castanhos, maxilar bem definido, cabelos castanho-escuros lisos e bem penteados, levemente arrepiados. Magro! Certamente debaixo daquela camiseta preta, lisa, sem nenhum detalhe, só havia ossos. A boca dele era bem desenhada e os lábios grossos. Eu diria que grande demais para o tamanho da face. E que porra de dentes milimetricamente enfileirados?- Você usou aparelho? – Perguntei.Ele me olhou, demorando a responder:- Não! Por quê?- Filho de dentistas?- Não! - Estreitou os olhos. – Por quê?- Seus dentes...- O que tem os meus dentes?- São perfeitos, típicos de quem usou aparelho. Deveria sorrir mais, C
- Ah, me poupe, Pedro! – Abri a mão dele e pus a taça, que se obrigou a segurar – Beba esta porra! Aos nossos dezoito! – levantei a taça, fazendo o brinde.Meu sonho sempre foi beber o Chandon. E que porra de coisa ruim! Fiz careta, balançando a cabeça de forma involuntária.Olhei a taça de Pedro, que estava vazia.- Você... Bebeu tudo? – Perguntei, confusa.Ele assentiu.Pus a minha taça na mesa e começou a tocar “Celebration” de Kool and the Gang. Deus, se eu tivesse feito uma lista para o DJ duvido que tivesse saído tão perfeita. Parecia um brinde aos meus dezoito.Gritei e Flora riu, pulando comigo. Eu não sabia a porra do Inglês, mas amava cantar. Aliás, eu era uma ótima cantora no chuveiro.Todos estavam se divertindo e dançando, exceto meu novo amigo Pedro.- Não está ouvindo? Celebration... – Mexi os braços dele, tentando fazê-lo se mexer.- Sabe o que quer dizer? – Ele me perguntou, parecendo uma pedra.- Vamos celebrar? – Arrisquei.- Celebrar, comemorar...- Acertei! – Pule
POV PEDROQuem quereria fazer 18 anos para ir embora de casa? Típico de alguém como ela! Patricinha, mimada e que não tinha o que fazer.Se ela queria que eu perguntasse, estava ferrada. Não éramos nem amigos para eu ouvir suas lamentações, sobre o pai ciumento, a mãe que fazia suas vontades... Eu sabia muito bem como era aquele tipo de garota. Ela não era muito diferente de Anastácia. E pelo visto não era só fisicamente. Também era vazia por dentro. E ficava achando problemas para preencher sua vida monótona e perfeita.Se julguei ela em menos de duas horas? Sim! Clara era fácil de se ler.- Eu... Vou dar uma volta por aí... Quem sabe beber uns drinques azuis – riu e piscou, provando novamente o merengue – E encontrar alguém legal para me dar uns amassos.Nem deu tempo de dizer que ela estava suja de merengue no queixo. Toquei a cobertura superficialmente e pus um pouco na boca, mal sentindo o gosto adocicado. Eu não comentei com ela, mas minha avó também usava Q-suco para dar cor ao
Pablo também negou, assim como eu, observando-a comer o bolo com as mãos.E sim, a doida comeu todo o bolo. Claro que era pequeno e dava no máximo umas três fatias de torta comum. Quando acabou, ela suspirou e limpou a boca com o guardanapo que continha o número que a garota tinha me dado, sem sequer perceber que tinha algo anotado.- No fim, era só um bolo comum com merengue por cima – reclamou – Pelo preço que a gente paga este camarote devia ter ao menos um recheio, não acha? – Me olhou.Eu só ri.- Eu gosto de coco, amendoim, leite condensado, daqueles que se cozinha na panela de pressão.Eu detestava coco. E comia amendoim uma vez na vida e outra na morte. Leite condensado na panela de pressão? Aquilo era possível?- Você não gosta de falar? – Ela me questionou – Está economizando a voz?- Eu gosto.- Então por que não fala?- Porque você fala por nós dois.- Todo mundo diz que eu falo demais.- Não imagino o motivo... – Ri.- Agora me leva embora, Pablito? Mí casa! – O “Mí casa”
Não tinha como eu não ficar chateada. Pedi para uma amiga que era vizinha de Jason lhe avisar do meu aniversário há mais de um mês. Programei aquela festa para ficarmos juntos naquela noite. E sim, me passou pela cabeça perder a porra da virgindade com ele, de forma totalmente planejada.E ele não apareceu no meu aniversário. Não tinha dado certeza de que iria, mas também não negou. Então o esperei praticamente até o final da noite. E agora o encontrava na rua abraçado com outra garota, que por sinal conhecia Pedro.Jason era um desgraçado! Mas claro que eu não ficaria por baixo. Peguei a mão de Pedro e fingi que também estava acompanhada, assim como ele. Tipo: “Você não foi e ops, acabei ficando com outro”.Ficamos os quatro nos olhando, sem dizermos nada. Foi bem tenso.- Eu... Eu... – A garota que estava com ele começou a gaguejar, enquanto olhava para Pedro – Eu... Queria ir no Baccarath.Olhei para Pedro e percebi que ele estava tenso, encarando-a. Será que que se conheciam? Tive