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Capítulo 2 De pé

O ar do campo era diferente. Não tinha aquele cheiro misturado de asfalto quente e café fresco que eu conhecia tão bem na cidade. Aqui, era terra úmida, grama recém-cortada e um toque amargo de folhas secas. Cada respiração parecia pesar no meu peito, mas eu sabia que não era por causa do ar. Era a dor. Aquele tipo de dor que não dá trégua, que corrói devagar, como uma corrente de água fria que nunca para de passar.

Minha tia, Marta, me observava da varanda do sítio. Ela tinha aquele olhar compreensivo, mas não dizia muito. Nunca foi de forçar conversas, e eu agradecia por isso. Estava cansada de palavras, de conselhos, de gente dizendo que tudo ia ficar bem. Não ia. Não naquele momento.

— Você comeu alguma coisa hoje, Raila? — ela perguntou, sem me olhar diretamente.

Balancei a cabeça, negando. Meu estômago parecia um nó há semanas. Não importava o que eu tentasse engolir, nada ficava.

— Precisa se cuidar, menina. A vida não para só porque a gente quer. — a voz dela era firme, mas tinha um tom de carinho.

Respirei fundo, tentando não desabar ali mesmo. 

— Eu sei, tia. Só... só preciso de tempo.

Minha tia suspirou, encostando-se na madeira velha da varanda. 

— Tempo cura muita coisa, mas não faz tudo sozinho. Você precisa decidir o que vai fazer com ele.

Aquilo ficou na minha cabeça. Decidir. Como se fosse fácil. Eu tinha perdido tudo: a empresa que meus avós construíram com tanto esforço, a casa onde morava, até minha confiança em mim mesma. E por quê? Porque amei o homem errado. Porque fui burra o suficiente para acreditar em promessas que não passavam de mentiras.

O vento soprou forte, balançando as árvores e levantando um pouco de poeira no terreiro. Apertei os braços ao redor do meu corpo, como se pudesse me proteger do frio que vinha de dentro. Eu precisava reagir, mas cada movimento parecia um esforço sobre-humano.

Mais tarde, fui para o pequeno quarto que minha tia tinha preparado para mim. As paredes eram de madeira simples, decoradas com quadros de paisagens do campo. Era aconchegante, mas estranho. Não era meu lar. Meu lar tinha sido tirado de mim, arrancado de um jeito que ainda queimava cada vez que eu pensava nisso.

Sentei na cama e peguei o único objeto que trouxe comigo da antiga casa: uma foto dos meus avós. Eles estavam sorrindo, de mãos dadas, como sempre faziam. A imagem parecia zombar da minha situação. Não consegui proteger o que eles construíram. Deixei tudo escapar por entre os dedos. E eu não tinha coragem de encará-los.

Uma batida suave na porta me trouxe de volta. Era minha tia, com uma xícara de chá quente.

— Trouxe isso pra você. Ajuda a acalmar.

— Obrigada. — murmurei, pegando a xícara. O calor era reconfortante, mas não o suficiente para derreter o gelo dentro de mim.

Ela se sentou ao meu lado, em silêncio por um momento antes de falar. 

— Você acha que eles estão decepcionados com você, não é?

Levantei os olhos para ela, surpresa. 

— Como você sabe?

— É o que eu pensaria se estivesse no seu lugar. Mas você está errada, Raila.  Seus avós te amam, independente do que você perdeu ou ganhou. Sei que em algum momento você vai ter coragem de falar com eles e vai perceber isso.

As palavras dela eram como um peso sobre meus ombros. Eu queria acreditar, mas era difícil. 

— Mesmo assim, eu devia ter feito mais. Devia ter enxergado as mentiras antes que fosse tarde demais.

— Talvez. Mas agora já foi. O que importa é o que você vai fazer daqui pra frente. Você é jovem, tem força. Esse lugar pode não ser o que você imaginou para sua vida, mas é um começo.

Eu não respondi. Apenas fiquei ali, segurando a xícara de chá como se fosse uma âncora para não me perder nos meus pensamentos.

Na manhã seguinte, tia Marta me chamou para ajudar na horta. Eu nunca tinha trabalhado com aquilo, e logo descobri que não era fácil. Minhas mãos, acostumadas a teclados e documentos, ficaram ásperas em questão de horas. O sol parecia querer me castigar, mas, de alguma forma, aquela atividade física ajudava a silenciar a mente.

— Não é tão ruim, né? — ela comentou, observando enquanto eu arrancava ervas daninhas.

— Ainda estou decidindo. — tentei sorrir, mas saiu mais como uma careta.

Ela riu. 

— Trabalhar com a terra tem seu jeito de curar as coisas. A gente planta, cuida, espera... e um dia, a colheita vem. É uma boa lição de paciência.

Enquanto ela falava, olhei para a terra entre meus dedos. Era estranho pensar que algo tão simples pudesse ter tanto significado. Talvez eu precisasse disso — de algo concreto, algo que dependesse de mim para crescer.

Mais tarde, quando o sol começou a se pôr, sentei no gramado em frente à casa e observei o céu mudar de cor. Era bonito, quase como uma pintura. Por um momento, esqueci da dor, do peso no meu peito. Não era felicidade, mas era algo próximo de paz.

Minha tia apareceu com dois copos de suco de laranja e se sentou ao meu lado. 

— Sabe, você é bem diferente da sua mãe, e graças a Deus que você é! Devo confessar que sempre achei que seu coração pertencia a lugares como este, apesar de você nunca ter mostrado interesse.

— Não acredito que o campo seja o meu lugar, tia. — dei de ombros. — Acho que me perdi no caminho.

— Todos nós nos perdemos às vezes. O importante é lembrar que sempre podemos nos encontrar de novo.

Ficamos em silêncio depois disso, apenas observando o céu. As estrelas começaram a aparecer, uma por uma, como se estivessem tentando me dizer que ainda havia esperança, mesmo no escuro.

Eu ainda não sabia como recomeçar de fato, mas ali, naquele momento, percebi que talvez o campo não fosse apenas um refúgio. Talvez pudesse ser o lugar onde eu me reconstruísse. Afinal, como tia Marta disse, tudo na vida começa com uma semente. E eu precisava começar a plantar a minha.

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