Início / Romance / Amar Agora / Capítulo 6 Atendimento da vaquinha
Capítulo 6 Atendimento da vaquinha

Marcio Mello

Cheguei ao sítio já no fim da tarde, depois de horas tentando resolver a confusão com meu carro. A estrada de terra parecia um teste de resistência, mas enfim estava ali, diante do casarão simples e cercado por um ar tão puro que me fez esquecer do cansaço por um instante. No entanto, a sensação de tranquilidade foi logo interrompida. Uma jovem que nunca vi antes ali aguardava na varanda, os braços cruzados e o olhar afiado como lâmina.

— Finalmente resolveu aparecer? — disse ela, a voz carregada de ironia.

Parei por um instante, ajeitando o chapéu enquanto tentava recuperar o fôlego. Não queria começar mal, mas o jeito ríspido dela me pegou de surpresa.

— Tive uns contratempos na estrada. Meu carro quebrou. — expliquei, tentando soar mais calmo do que me sentia. — Vim o mais rápido que pude.

Ela bufou, balançando a cabeça como se minha justificativa fosse uma desculpa esfarrapada.

— A vaca tá mal desde ontem. Não sei se dá pra salvar. Mas claro, você tinha mais o que fazer, né?

Aquilo me atingiu em cheio. Não conhecia ela, porém, já tinha percebido que ela não era do tipo que deixava escapar uma chance de alfinetar. Mesmo assim, não podia revidar. Meu trabalho era ajudar, não criar conflito.

— Vamos ver como ela está. — falei, cortando o assunto e caminhando em direção ao curral.

O silêncio entre nós era quase ensurdecedor enquanto atravessávamos o terreiro. O cheiro da terra misturado ao do capim seco preenchia o ar, mas havia algo mais pesado ali: a tensão entre nós. Ela parecia avaliar cada passo meu, como se esperasse que eu tropeçasse.

Quando chegamos ao curral, a vaca estava deitada, respirando com dificuldade. Minha experiência dizia que não seria fácil, mas ainda havia esperança. Ajoelhei ao lado do animal, sentindo os olhos da moça malcriada queimando nas minhas costas.

— Ela começou assim de repente? — perguntei, sem me virar.

— Não. — respondeu seca. — Já tava meio apática uns dias atrás, minha tia disse, mas ninguém achou que era sério.

— Tá. Pode pegar água limpa pra mim? Preciso hidratar ela enquanto preparo o remédio.

— Água? Você quer que eu vire sua assistente agora?

Suspirei, levantando o olhar para ela.

— Não estou aqui pra discutir. Quero ajudar a vaca, só isso. Se puder colaborar, ótimo. Se não, vou dar um jeito sozinho.

Ela hesitou por um momento, como se minha firmeza a tivesse desarmado. Então virou nos calcanhares e foi buscar o que pedi. Aproveitei aquele instante de trégua para examinar o animal mais de perto. Estava desidratada e com sinais claros de infecção. Precisaria de soro e antibióticos, além de um pouco de sorte.

Quando ela voltou com o balde d'água, eu já estava preparando os materiais na maleta. Não agradeci na hora, apenas fiz meu trabalho. Às vezes, o silêncio dizia mais do que qualquer palavra.

— Vai dar conta? — ela perguntou, agora com um tom que soava mais preocupado do que hostil.

— Vou fazer o possível. Ela tá mal, mas não tá perdida ainda.

Enquanto trabalhava, senti o olhar dela suavizando. Talvez fosse a dedicação que eu demonstrava, ou talvez apenas o alívio de ver alguém finalmente cuidando do problema. Não sei ao certo, mas algo mudou.

— Por que demorou tanto? — perguntou depois de um tempo, a voz mais baixa.

Olhei para ela por um instante, percebendo que a rigidez inicial parecia ter se desfeito.

— Foi o carro mesmo. E também, talvez eu tenha subestimado o quanto esse lugar era longe. Não quis deixar ninguém esperando, acredite.

Ela assentiu, parecendo considerar minha resposta. Pela primeira vez, notei algo além da impaciência nos olhos dela: um traço de cansaço, talvez até preocupação.

Depois de horas entre aplicar o soro, ajustar a posição da vaca e acompanhar os primeiros sinais de melhora, finalmente senti que estava no caminho certo. A moça, por sua vez, ficou por perto o tempo todo, ora observando em silêncio, ora fazendo perguntas sobre o que eu estava fazendo.

— Você parece entender bem disso. — disse ela, quebrando o silêncio pela primeira vez em um tom quase amigável.

Sorri de leve, ainda concentrado no trabalho.

— Faz parte do que eu faço. E, pra ser honesto, gosto de cuidar dos animais.

— Dá pra perceber.

Aquela frase, embora simples, parecia um pedido de desculpas disfarçado. Não respondi, apenas continuei ali, focado na vaca que, aos poucos, começava a reagir.

Quando a noite caiu, ela trouxe uma lanterna e a colocou ao meu lado, sem dizer nada. O gesto, apesar de pequeno, me pareceu significativo.

— Obrigado. — murmurei, olhando para ela.

— De nada. — respondeu, e pela primeira vez me deu um sorriso quase imperceptível, mas que fez todo o peso do dia valer a pena.

Talvez ela tivesse razão em estar irritada comigo no início. Afinal, a vida no campo não perdoa atrasos, e a responsabilidade é enorme. Porém, naquela noite, enquanto observávamos juntos a vaca descansar finalmente de forma mais tranquila, senti que um passo importante havia sido dado. 

A senhora Marta apareceu quando tudo estava estabilizado e então finalmente me apresentou de forma simpática sua sobrinha que tinha passado aquele tempo todo me ajudando e pediu desculpas por não estar no sítio antes. 

— Sem problemas, sua sobrinha ajudou em tudo. — respondi. 

— Raila é uma boa menina, fico feliz que foi prestativa. 

— Tia, fiz tudo que pude, embora ele não merecesse pela demora. — soltou Raila me olhando com aquele olhar afiado.

Acabei gargalhando, não pensei que ela voltaria a ser hostil pro meu lado.

— Tive contratempo com o carro, senhora Marta. 

— Essas coisas acontecem, rapaz, não se preocupe. E me desculpe pela minha sobrinha.

— Ela foi de grande ajuda. 

Raila cruzou os braços e me olhou torto com minha resposta. Qual era a dela? 

— Dr. Marcio, minha branquinha vai ficar bem? — perguntou dona Marta. 

— Espero que sim. Ela está em boas mãos agora. 

Minha resposta causou na sobrinha de Marta um momento de riso. Ela estava me provocando, não estava? Cerrei os olhos. Eu precisava ser profissional, portanto, contive minha língua e continuei a observar a vaca. Se Raila queria confusão, não conseguiu, pelo menos, daquela vez.

Continue lendo no Buenovela
Digitalize o código para baixar o App

Capítulos relacionados

Último capítulo

Digitalize o código para ler no App