Início / Romance / Amar Agora / Capítulo 8 Fria distancia
Capítulo 8 Fria distancia

A vaca ainda estava deitada no canto do curral, o olhar dela refletindo o cansaço de quem travava uma batalha silenciosa contra a dor. Eu tinha acabado de jogar um pouco de feno ao lado dela, tentando incentivá-la a comer, quando ouvi os passos de Márcio se aproximando. O som das botas dele no chão de terra ecoava no meu peito como um tambor. Eu sabia que ele viria, sempre vinha, mas isso não tornava a situação mais fácil.

— Como ela está? — perguntou ele, com aquela voz firme, mas tingida de preocupação.

Não levantei o rosto. Continuei ajoelhada ao lado da vaca, passando a mão pelo pelo dela, como se pudesse acalmá-la ou transferir um pouco da minha força para ela. Respondi sem olhar para ele:

— Igual. Não melhorou muito desde ontem.

Eu podia sentir o peso do olhar dele sobre mim, mas me recusei a retribuí-lo. Havia algo na maneira como ele me encarava, sempre tentando quebrar essa barreira invisível que eu erguera entre nós. Não era só sobre a vaca. Não podia ser.

— Precisamos ajustar a medicação dela. Vou checar o que mais podemos fazer.

A declaração dele era profissional, direta, mas eu sabia que ele também estava tentando encontrar uma brecha para me entender. Respirei fundo, ainda com os olhos fixos no animal.

— Não precisa ficar vindo aqui todo dia, Marcio. Eu consigo lidar com isso.

Ele deu um passo para frente, a prancheta dele pendendo na mão como se fosse apenas um detalhe.

— Você sabe que meu trabalho não é só com os animais, Raila.

Vi um lampejo de algo no rosto dele — talvez dor, talvez frustração — antes de ele desviar o olhar para o curral.

— A vaca é só uma parte disso. Você é a outra.

Essas palavras pairaram no ar entre nós, pesadas como uma tempestade prestes a desabar. Eu me levantei devagar, limpando as mãos na calça jeans, tentando ganhar tempo para mascarar minha reação.

— Talvez seja melhor você se concentrar no que importa, então. Eu estou bem.

Ele deu outro passo, dessa vez apoiando a prancheta no curral, como se precisasse de ambas as mãos livres para gesticular.

— Você sempre diz isso. Que está bem. Mas não parece. E eu não vou fingir que não vejo.

O som da voz dele carregava tanto peso que eu quase recuei. Quase. Mas não podia. Meu coração já tinha colecionado cicatrizes demais para eu me deixar ceder agora.

— Não é sobre você, Marcio. Nunca foi.

— Então me explica. Me dá uma razão pra eu parar de tentar entender porque você age dessa maneira.

Eu ri, mas foi um som amargo, sem alegria.

— Você quer uma razão? Olha ao seu redor. Tudo aqui é um lembrete de que nada é permanente. Nem pessoas, nem coisas. Tudo quebra, tudo se vai. Então é melhor deixar assim.

Ele ficou em silêncio por um momento, processando minhas palavras. Então balançou a cabeça, como se discordasse de cada uma delas.

— Isso é só medo falando, Raila. Você acha que está se protegendo, mas está só se machucando mais guardando tudo que te deixa triste para si mesma.

— E o que você sabe sobre isso? — rebati, com mais veemência do que pretendia. — O que você sabe sobre perder tudo o que importa?

Ele deu um passo para trás, como se minhas palavras tivessem lhe acertado como um golpe. Por um momento, achei que ele fosse desistir. Que fosse virar as costas e ir embora como eu queria. Mas ele não foi.

— Eu sei mais do que você pensa, Raila. E é exatamente por isso que eu não vou desistir de entender você.

Essas palavras me atingiram de um jeito que eu não estava pronta. Meu coração pulou no peito, enquanto minha mente corria, tentando encontrar uma resposta que mantivesse minha postura fria e distante. Mas não consegui dizer nada. Apenas o encarei, torcendo para que ele não visse as rachaduras na minha armadura.

Ele suspirou, passando a mão pelos cabelos, como se precisasse descarregar a tensão.

— Eu vou voltar amanhã, Raila. E no dia seguinte, e no outro. Até você entender que não precisa enfrentar tudo sozinha.

Antes que eu pudesse protestar, ele pegou a prancheta e foi embora, deixando-me ali, sozinha com a vaca e com o peso das palavras dele. O som das botas dele se afastando foi como um eco no meu silêncio interno.

Olhei para o animal mais uma vez. 

— Você ao menos entende por que ele não desiste? — murmurei, sabendo que a resposta não viria. Contudo, no fundo, eu sabia que também não tinha essa resposta. E esse talvez fosse o maior problema de todos.

Mais tarde, enquanto lavava as mãos na pia da cozinha, minha tia Marta entrou. O cheiro de café fresco invadiu o espaço, e ela se aproximou com duas xícaras.

— Vi o Marcio saindo mais cedo parecendo chateado. Ele parece preocupado com você, minha filha. — Sua voz era suave, mas cheia daquele tom que só as pessoas que nos conhecem profundamente conseguem usar.

— Ele não passa de um intrometido. — respondi, tentando soar indiferente. Peguei a xícara que ela me oferecia e me sentei à mesa.

Minha tia sentou-se na minha frente, observando-me com aqueles olhos analíticos que sempre pareciam enxergar o que eu queria esconder.

— E você? Como está de verdade?

Suspirei, mexendo no café sem realmente beber. 

— Estou levando. Não tem muito o que fazer, né?

Ela ficou em silêncio por um momento, como se ponderasse as próximas palavras.

— Seus avós ligaram ontem. — a frase foi dita com cuidado, mas mesmo assim me atingiu como um soco.

— Ligaram? — minha voz saiu baixa, quase um sussurro. Levantei o olhar para ela, esperando algo mais.

— Sim. Queriam saber como eu estava, como as coisas por aqui estavam indo. — ela fez uma pausa, como se não quisesse continuar. Mas terminou: — Não perguntaram de você.

Aquelas palavras quebraram algo dentro de mim. Tentei engolir a dor, mas foi impossível. As lágrimas vieram antes que eu pudesse contê-las. Minha tia se levantou imediatamente, contornando a mesa para me abraçar.

— Oh, minha menina. — ela sussurrou, me envolvendo com seus braços fortes e acolhedores. — Não fica assim. Isso não tem nada a ver com você. São eles que não sabem o que estão perdendo.

Afundei o rosto no ombro dela, deixando que o calor do seu carinho aliviasse a dor que parecia me consumir.

— Por que eles não se importam? — murmurei, entre soluços.

— Eles ainda estão magoados porque você perdeu a empresa que eles construíram, Raila. Nem todo mundo sabe amar como deveria acima dos bens materiais. Mas você é amada, e isso é o que importa.

Aquelas palavras, ditas com tanta ternura, eram um pequeno consolo. Permaneci ali, nos braços da minha tia, sentindo que pela primeira vez em muito tempo eu podia simplesmente deixar a dor sair, sem reservas.

Continue lendo no Buenovela
Digitalize o código para baixar o App

Capítulos relacionados

Último capítulo

Digitalize o código para ler no App