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Capítulo 4 Raila e a cidade

Os pneus da camionete da minha tia rangeram contra o cascalho da estradinha principal. Aquele motor roncava alto, como se quisesse anunciar minha chegada. Eu não estava exatamente planejando virar o centro das atenções, mas, ao atravessar a entrada da pequena cidade, percebi que estava prestes a acontecer exatamente isso.

— Ah, lá vem confusão. — murmurei para mim mesma, segurando firme o volante.

O lugar parecia saído de um filme antigo. Casas simples com fachadas coloridas, janelas decoradas com cortinas de crochê. Crianças correndo pela calçada, senhores sentados em cadeiras de balanço nas varandas. Todos pararam o que estavam fazendo assim que a camionete passou. A curiosidade deles me acertava como flechas.

— Quem será essa? — ouvi uma senhora comentar, enquanto apontava na minha direção. Ao lado dela, um senhor ajeitava os óculos, como se quisesse me decifrar.

Minha vontade era encolher no banco e desaparecer. Aquilo não era bem o que eu tinha em mente quando decidi dar uma volta para espairecer. Sentia os olhos deles queimando minha pele, cada olhar mais inquisitivo do que o anterior.

— Não é todo dia que aparece gente de fora aqui. — disse um homem que estava encostado no poste da pracinha.

Passei pelo mercadinho local, e o grupo de mulheres que conversava na porta parou no meio da conversa. Uma delas até largou a sacola de compras no chão, tamanho o espanto.

— Olha só isso. — exclamou uma das mulheres. — Quem ela pensa que é para dirigir uma camionete dessas?

Engoli em seco. As mãos escorregaram levemente no volante por conta do suor. Eu não sabia se devia continuar ou dar meia-volta. Porém, recuar agora seria como confirmar as suposições que eles faziam sobre mim.

— Respira, Raila. Eles não podem fazer nada além de olhar. — falei em voz baixa, tentando me convencer.

Ao passar pela igreja, avistei um grupo de jovens sentados na escadaria. Eles cochicharam entre si assim que me viram. Um deles apontou diretamente para a camionete.

— Olha essa caminhonete! Aposto que é de algum fazendeiro importante. Mas quem é ela?

O peso do julgamento era quase físico. Eu me senti como uma estranha em um palco improvisado, sem ensaio, sem aviso prévio. Estacionei perto da praça, tentando aparentar calma, mas por dentro meu coração estava a mil.

Desci do carro, e o silêncio foi quase ensurdecedor. Todos os olhares convergiram para mim. Caminhei até uma barraquinha de sucos, onde uma mulher de meia-idade me recebeu com um sorriso que parecia forçado.

— Você deve ser nova por aqui. Não me lembro de já ter visto você. — comentou ela, enquanto limpava o balcão com um pano.

— Estou visitando minha tia. A camionete é dela. — respondi, tentando soar casual. Meu tom de voz saiu mais baixo do que eu esperava.

— Ah, entendi. Bem, bem-vinda à nossa cidade. É... tranquila, sabe?

— Estou percebendo. — retruquei, com um sorriso sem graça. Peguei o copo de suco e me virei para a pracinha.

Não importava para onde eu olhasse, as pessoas continuavam a me encarar. Sussurros se espalhavam pelo ar como folhas ao vento. Uma mistura de curiosidade e desconfiança parecia pairar sobre eles. Era como se eu carregasse algo extraordinário, quando, na verdade, só queria ser invisível naquele momento.

— Você viu os brincos dela? — ouvi uma voz feminina comentar. — E aquele cabelo? Muito diferente das moças daqui.

— Diferente demais, eu diria. — respondeu outra.

Voltei para a camionete, decidida a sair dali o mais rápido possível. Assim que liguei o motor, uma criança se aproximou, apontando para o veículo com os olhos brilhando.

— Moça, sua camionete é igual a dos filmes! — disse ele, com um sorriso inocente.

Eu sorri de volta, sentindo um pouco do peso se dissipar.

— Obrigada. Cuide bem de sua cidade, é um lugar especial. — respondi, antes de acelerar e seguir em frente.

Enquanto deixava a cidadezinha para trás, sentia uma mistura de alívio e reflexão. Aquela experiência havia me mostrado o quanto ser diferente pode atrair olhares e julgamentos, mas também que a curiosidade das pessoas, em sua essência, não era maldosa. Talvez fosse apenas o jeito delas de entender algo novo, algo que fugia do habitual.

— Quem sabe um dia eu volte, mas da próxima vez, talvez a camionete fique em casa. — falei para mim mesma, enquanto os campos abertos do interior voltavam a se estender diante dos meus olhos.

Cheguei ao sítio da minha tia já no fim da tarde. O sol começava a se esconder atrás das colinas, pintando o céu de laranja e rosa. Estacionei a camionete perto da varanda e desci, sentindo o cheiro fresco da terra misturado ao de flores do jardim. Minha tia apareceu na porta, enxugando as mãos no avental, com um sorriso no rosto.

— Como foi o passeio na cidade, Raila? — perguntou ela, descendo os degraus com passos tranquilos.

— Intenso. Acho que virei a atração principal do dia. — respondi, soltando uma risada nervosa.

Ela arqueou as sobrancelhas, curiosa.

— O que aconteceu?

— Todo mundo ficou me encarando como se eu tivesse chegado de outro planeta. Acho que a camionete chamou muita atenção. — expliquei, cruzando os braços. — Algumas pessoas foram até simpáticas, mas dava para sentir o peso da curiosidade e dos comentários.

Minha tia suspirou, balançando a cabeça.

— Esse lugar é assim mesmo. Eles não estão acostumados com novidades. Mas não se preocupe, com o tempo eles vão se acostumar.

— Espero que sim. Só queria dar uma volta tranquila, mas parecia que eu estava em um desfile — brinquei, embora ainda sentisse um pouco do desconforto.

— Bom, agora você já sabe como são as coisas por aqui. Da próxima vez, vamos juntas. — sugeriu ela, dando um tapinha no meu ombro.

Sorri, sentindo o alívio de estar em casa. O sítio parecia um refúgio perfeito depois do dia que tive. Enquanto ela me chamava para entrar, prometi a mim mesma que, da próxima vez, eu encararia aquelas reações com mais leveza. Afinal, era apenas uma cidadezinha aprendendo a lidar com algo novo.

A tristeza acabou batendo de repente por saber que estar ali no sítio da minha tia não era um passeio e sim porque fiquei sem opções. Eu era uma sobrinha horrível, não era? Acreditava que sim!

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