CAPÍTULO XXVIENTRE AMIGOS E INIMIGOSEdda estava em Valhala há dois dias. Como esposa de um dos cinco Senhores dos Clãs Invernais, lhe foram garantidas luxuosas acomodações. Seu quarto possuía a mobília reservada a reis, e a comida, de tão farta, chegava a lhe revoltar, pensando que por toda Asgard as pessoas precisavam labutar como loucas para garantir apenas um mínimo, muito distante de toda aquela ostentação. No entanto, os costumes aos quais ela se reservava o direito de repudiar não faziam com que Valhala se tornasse menos impressionante. Da janela do quarto, ela contemplava o imenso vale ao redor do castelo, o único lugar em toda Asgard onde as árvores ainda não tinham desfolhado e frutas gordas e suculentas ainda seguiam dependuradas em seus galhos. O vale entre as montanhas, como desde muito cedo aprendiam as crianças asgardianas, fora o lugar sagrado onde Odin se deitara para sempre, e ao seu redor, segundo as lendas, fora construído Valhala, pelas mãos de seus c
CAPÍTULO XXVIIMEIAS VERDADESJeremy, meu amor — disse Beatriz, ela usava uma camisola transparente, as formas generosas dançando eroticamente sob a seda —, venha comigo, tenho uma surpresa para você. Jeremy levantou os olhos para a esposa. Deitara-se há pouco tempo para dormir, mas o sono já estendia seus domínios sobre ele. As pálpebras pesavam como chumbo. — O que você quer, Beatriz? Eu tive um dia longo e cansativo. — Se eu contar deixa de ser surpresa — a mulher sorria espirituosamente. Relutante, Jeremy se deixou guiar pelo castelo vazio, envolto pelo negrume da noite e pelo frio sussurrante. Um guarda ou outro se movimentava em silêncio pelos corredores. Patrulhavam como fantasmas que assombram um velho casarão, exceto pelas correntes que não tinham para arrastar. — Onde estamos indo? — perguntou o príncipe de mal humor. — Já estamos chegando, tenho certeza de que você vai adorar. Jeremy se viu nas antigas
CAPÍTULO XXVIIIA ESCOLHACaleb sentia-se aprisionado entre o existir e o não existir. No princípio, havia o apenas o nada, permeado de cristalina inconsciência. Então, a escuridão, densa e sufocante, trazendo consigo a voz gutural que vinha de todos os lugares e de lugar nenhum, um alento que o salvou da insanidade e da não compreensão. “Para renascer é preciso morrer”. Disse a voz, retumbante. A escuridão persistia em sua supremacia hegemônica. “Aquele que morreu é um, o que renasce é outro.” Um som trovejante foi ouvido, rápido, poderoso e ritmado. “Aquele que renasce, renasce em mim e para mim.” A partir da fria escuridão, surgiu o calor. Este era tenro, aconchegante e familiar. “Venha para mim”. Havia algo por todos os lados, algo líquido. O som borbulhante misturava-se ao tambor que seguia acelerado, ansioso. “Chegou a hora”. Uma fenda de luz se abriu rompendo
PRÓLOGOEle já havia brincado antes, gotejando no negrume do universo bilhões de pontos prateados, derramando em sua infinita tela de pintura a explosão de cores das galáxias e nebulosas. Tudo era perfeito, mas o problema com a perfeição era que, invariavelmente, ela se atrelava ao tédio, companheiro fiel daqueles que não tem arestas a aparar e cujas criações são elementos estáticos, de começo e fim determinados. Então ele decidiu criar algo jamais experimentado.Durante as primeiras eras, chamadas por ele de Alvorada do Tempo, o deus Criador findou sua grandiosa obra-prima, um vasto planeta azul, a joia mais bela do cosmo.Satisfeito com a esplêndida criação, decidiu dar vida a seres igualmente maravilhosos para habitá-lo, semeando na terra fértil parte de sua aura majestosa. Assim viu germinar criaturas fantásticas, divindades que não conheciam a morte, deuses menores que governaram o planeta por séculos, cultuando o Criador.Com o passar do tempo, cegos por seus imensos poderes e c
CAPÍTULO IIO CONTRATOContinente dos Três DucadosO homem cruzava as ruas de Dama de Pedra como se levado pelo vento. Ele podia sentir no ar o cheiro úmido que antecedia as últimas chuvas de verão. A noite cobria a velha cidade com um manto espesso. A lua quase não brilhava no céu, encoberta pelas pesadas nuvens de tempestade, resumindo-se a uma auréola opaca por trás do véu de sombras.Dama de Pedra era a maior cidade do ducado de Costaverde, governado pelo duque Olho de Águia Willow. A cidade era enorme, cheia de bairros onde era fácil se perder devido às casas altas e vielas estreitas, que se aglomeravam formando labirintos onde o céu se resumia a uma estreita faixa escura, limitada pelos telhados de madeira ou telhas arredondadas de argila negra.O homem que desafiava a noite e seus perigos era nada mais que um vulto, misturando-se às sombras frias das casas. Seus passos não produziam som. Sua silhueta era engolida pela escuridão. Seu cheiro era nulo. Ele praticamente não existia
CAPÍTULO IIIO FOGO DE DEMOONV’UURDesde a infância, Caleb tinha as noites de sono povoadas por terríveis pesadelos. Era comum acordar sentindo no rosto as mãos da avó, que tentava acalmá-lo abafando seus gritos em um abraço acolhedor.Com o tempo, à medida que crescia e deixava a infância para trás, os pesadelos, dos quais nunca era capaz de lembrar, foram deixando de figurar em sua vida, restando apenas as lembranças da avó, sempre alerta, dedicada e a postos para cuidar de seus temores, mas nada pelo que já havia passado poderia prepará-lo para o que estava prestes a vivenciar.Caleb abriu os olhos descobrindo-se em uma caverna escura e úmida. Sombras vivas dançavam na parede ao fundo do corredor, embaladas por chamas bruxuleantes escondidas na curva à direita, o único caminho a seguir.Ele caminhou com passos lentos e temerosos, absurdamente ciente de estar sonhando, o que era espantoso, tendo em vista a palpável realidade. O chão frio sob os pés descalços, o cheiro das pedras e d
CAPÍTULO IVO DILEMA DO PRÍNCIPEJeremy acordou em meio aos luxuosos lençóis de seda que envolviam seu corpo e o de sua esposa, com a maciez que apenas os tecidos mais caros, produzidos pelas mãos mais hábeis, eram capazes de proporcionar. A claridade que entrava pelas janelas amplas delatava o alvorecer de um novo e belo dia.A mão de Beatriz pesava-lhe sobre o peito. Ele se desvencilhou do abraço da esposa de maneira sutil, fazendo o possível para não acordá-la. Caminhou até a janela e se pôs a observar as ruas da capital, Tessália. Conhecida como a “joia maior do reino”, era o legado conquistado por seu avô e agora governado por seu pai, o rei Alexander Stonehand.Jeremy era o único herdeiro, e a cada vez que olhava por aquela janela, enxergava o peso da responsabilidade de que algum dia seria ele a governar.Quando ocupasse o trono, as vidas de cada uma daquelas pessoas lá embaixo, estariam sob a tutela de seus julgamentos e decisões. Vidas que lhe pertenceriam e pelas quais preci
CAPÍTULO VFRENTE A FRENTEVovô, por favor — Caleb tinha nove anos, estava sentado entre os avós no banco suspenso por correntes que ficava na varanda de casa. Observava maravilhado o espetáculo do pôr do sol que se espremia entre as montanhas, cujos picos cobertos de gelo, aos olhos infantis, pareciam pães polvilhados de açúcar.Ele encarava o avô com pequeninos olhos suplicantes.— Por favor, fale mais sobre ele.Enquanto crescia, tornava-se mais curioso em relação aos pais que não chegara a conhecer. A mãe tinha morrido no parto, em alguma cidade distante. O pai, que o levara para ser criado pelos avós, morreu em circunstâncias das quais Jacob e Rosie jamais falavam.— Você me lembra muito o seu pai – disse Rosie, com seu olhar sempre bondoso.— Rosie! — exclamou Jacob em tom de repreensão.— O garoto merece, não seja tão rabugento.Voltou para o neto os gentis e inesquecíveis olhos azuis.— Seu pai foi uma criança muito esperta e inteligente, assim como você. Quando tinha sua idad