ANA MARIA Estava saindo do meu trabalho e seguindo para uma padaria ali próxima. Sempre faço este mesmo trajeto. Trabalho numa loja de material de construção e artigos para obra há oito meses, foi a avó da minha filha quem me arranjou. Desde que o seu filho mais velho sumiu sem se importar com a filha, ela me ajuda como pode, e não reclamo. Assim que meus pais souberam que estava grávida e que o pai não ia me ajudar, fui enxotada da família. Suei muito, passei noites de fome, poupando o pouco que tinha para que minha filha pudesse comer e hoje, depois de seis anos, digamos que nos encontramos numa boa situação. Temos uma casa, é nossa, pequena e confortável e agora que estou trabalhando de carteira registrada, minha situação mudou um pouco. — Me vê dois pães e 200 gramas de presunto, por favor. Peço ao atendente que está atrás do balcão, e logo em seguida vou para o caixa, não posso demorar, pois daqui a pouco o transporte escolar passa para deixar minha Malú. Estava distraída,
Coloquei Maria Luiza no transporte que a leva para a escola, onde fica o dia todo. É um alívio para mim, pois eu saio do trabalho e venho correndo para pegá-la, não preciso pagar ninguém por fora. Saí de casa tranquila para mais um dia de trabalho. Avisei a Miguel que ia trancar o portão, mas que ele ficasse sossegado. Não fiquei com medo de ser roubada, até porque, a única coisa de valor da minha casa estava na escola naquele momento, o restante eram bens materiais que assim como vieram um dia, também poderiam ir embora. Cheguei na loja de material de construção e encontrei os meninos do balcão. Tales e Felipe. Pessoas maravilhosas, e que fazem do meu trabalho o melhor lugar do mundo. Eu fico no caixa, e o senhor e a senhora Berna, donos da loja, fazem de tudo um pouco quando estão por aqui. — E aí? Tales estava de rolo com uma menina, e os dois tinham muita história para nos contar. — Nada — responde Tales —, ela acha que eu sou palhaço. — Se ela acha... eu tenho ce
ANA MARIA A minha rotina matinal era sempre a mesma. Só que agora tínhamos companhia. Miguel estava acordado, antes mesmo de eu levantar, estava na cozinha passando o café. Quando eu entrei no quarto da Malú, para pegar roupas para colocar na mochila, a cama estava bem arrumada e os cobertores dobrados. Fui até a cozinha e ele me deu um “bom dia” tímido, me olhou por poucos segundos e foi sentar na mesa. Sempre muito silencioso quando era eu e ele. — Bom dia, tio. Eu dormi na parte que a girafa se apaixona pela hipopótama. Eles foram felizes para sempre? — Ela foi como um foguete para cima dele. — Calma, mocinha, acabou de acordar e já está assim? — Só quero saber, mamãe. — Eles são amigos e permaneceram assim. — Puxa! Então não teve felizes para sempre? — Teve porque eles continuaram juntos. — Ahhh. Assim que ouvi a buzina, coloquei ela no transporte. Em seguida, me troquei e fui para o meu trabalho. Talvez a minha confiança no Miguel tenha aumentado, porque dessa vez e
ANA MARIA Estava esperando Malú se preparar para dormir, colocou os ursinhos no meio e se deitou também no meio da cama de casal, deixando o canto livre. — Deita lá, mamãe, o tio vai contar a história hoje. — Ele não vai dormir conosco, filha. — Só hoje, mamãe, para contar a história. Amanhã não tem aula e eu quero ouvir tudinho. Ela foi chamar Miguel, que entrou no quarto, sem graça. Eu me deitei no canto e puxei a coberta. Sei que ele não vai nos fazer mal, mas é uma situação totalmente desconfortável. Quando Rodrigo dormia conosco para contar a história de nanar era diferente, alguém com quem eu já convivia há muito mais tempo e meu corpo não reagia da mesma forma que reajo quando Miguel está perto. Ela deitou no meio e ele apenas sentou na ponta. — Deita, tio, para contar história de nanar tem que deitar igual o tio Digo. Ele procurou o meu olhar e eu apenas assenti. Timidamente puxou a coberta e deitou o mais afastado possível e começou a contar a história. A voz g
ANA MARIA Depois daquela noite, eu me mantive afastada. Quando chegava do trabalho, não o ignorava, conversava normalmente. Apesar da vontade, de quando ficávamos a sós, era de lhe dar um beijo daqueles que só ele me dá e que me acende por inteira. Na quarta eu o pedi para que ficasse com a Malú depois da aula, porque iria chegar tarde. Ia passar numa loja para comprar uns biquínis para ela. Aproveitei e comprei algumas camisas e cuecas que estavam na promoção, pro Miguel também. Porque amanhã eu vou contar a minha princesa que ela vai à praia, se eu conto antes, vira um poço de ansiedade e toda hora sai um: “Já está na hora de ir para a praia?” E aí já viu, né? Cheguei em casa e encontrei os dois brincando de chá com os ursinhos e dessa vez fui recebida com entusiasmo por minha princesa. Amo muito. Depois de toda a recepção, fui para o quarto e guardei as sacolas no lugar mais alto do guarda roupa, depois entreguei as sacolas do Miguel. — Ana, por favor, não gaste mais comigo.
ANA MARIA Como a vida é linda. Bela, quando vivida intensamente. Estava tão feliz, que nada tirava o sorriso do meu rosto. — Olha aqui para mim. — Felipe parou do meu lado no caixa e me abraçou de lado. — Quê? — Devo me preocupar? — Com o quê? — Com o cara por quem cê tá apaixonada. — Eu não estou apaixonada, estou feliz. — Eu conheço este sorriso bobo. Tá muito feliz, consegue nem esconder o sorriso. Tô feliz por você, só quero saber se devo me preocupar. Ele é do bem? — Acho que sim, ele tem sido uma ótima pessoa, tanto para mim quanto para minha filha. — É isso que importa. Qualquer coisa já sabe, né? Mando os mano colar e nós têm um teti a teti com o vacilão. — Não vai precisar. — E mais tarde, Chopada? Malú não está aí, então não tem desculpa. — Acho que não vai dá, tenho compromisso. — Qual foi? Abandonando as amizades por causa de macho, piranha? Impossível não se dar bem com esses meninos. — Para, Fê. — Empurrei seu ombro de leve, rindo da sua reação.
ANA MARIA Estou sem palavras pelo seu gesto. Já disse que são nessas pequenas atitudes que eu enxergo seu caráter? Ele é um homem lindo, não só por fora, como por dentro também. Eu o abracei e depois voltamos a nos deitar para dormir. Senti seus dedos me acariciando por todos os lugares do meu corpo e com isso, adormeci. ***************************************************** — Mamãe, eu estou bem. Tchau, que agora o tio vai me levar na praia. — É assim, mocinha? Sem mais? — Só, mamãe, dá um beijo no tio Miguel. — Vou dar, quando ele chegar. Hoje, assim que acordamos, Miguel decidiu sair para correr. Ele não falou nada sobre o pesadelo da noite passada, mas acho que isso afetou na sua decisão de ficar só dentro de casa. Ele colocou umas roupas leves e tênis e saiu. Fico feliz por esse progresso, dia após dia ele está se soltando e sorrindo mais. Duas semanas que ele está conosco e parece que eu o conheço de uma eternidade. Agora sei que é verdade quando dizem que não é
ANA MARIA Felipe passou conosco o domingo até o finalzinho da tarde, quando minha princesa chegou dormindo. Com certeza, amanhã ela estará cheia de novidades e eu mais que pronta para ouvir tudo. Ela é um peixinho. Ama o mar, se fosse do querer dela, moraríamos perto de uma praia. Antes da princesa leoa, e da princesa unicórnio, e da princesa Tiana, e da princesa Rapunzel, era a princesa sereia. Enfim, mais uma semana chegou e muitas expectativas com ela também. Passei o dia no trabalho ansiosa pela entrevista que Miguel ia fazer. Tomara que dê tudo certo. Eu quero muito que tenha a sua independência, ele merece muito isso. À noite, quando cheguei, não demorou muito Rodrigo buzinou e ele saiu. Desejei toda sorte do mundo e para que pudesse ir confiante. Parece até um sonho toda essa felicidade. Eu sei que parecem ser valores invertidos, que eu vá trabalhar e ele fique em casa, torço para que consiga o trabalho por ele mesmo, porque mal ou bem, eu consigo ajudar com o básico, por