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ANA MARIA

Estava esperando Malú se preparar para dormir, colocou os ursinhos no meio e se deitou também no meio da cama de casal, deixando o canto livre. 

— Deita lá, mamãe, o tio vai contar a história hoje.

— Ele não vai dormir conosco, filha.

— Só hoje, mamãe, para contar a história. Amanhã não tem aula e eu quero ouvir tudinho. 

Ela foi chamar Miguel, que entrou no quarto, sem graça. 

Eu me deitei no canto e puxei a coberta. 

Sei que ele não vai nos fazer mal, mas é uma situação totalmente desconfortável. Quando Rodrigo dormia conosco para contar a história de nanar era diferente, alguém com quem eu já convivia há muito mais tempo e meu corpo não reagia da mesma forma que reajo quando Miguel está perto.

Ela deitou no meio e ele apenas sentou na ponta.

— Deita, tio, para contar história de nanar tem que deitar igual o tio Digo.

Ele procurou o meu olhar e eu apenas assenti.

Timidamente puxou a coberta e deitou o mais afastado possível e começou a contar a história.

A voz grossa e calma dele somada ao ambiente iluminado apenas por um pequeno abajur, já que minha princesa não dorme no escuro, fez com que eu pegasse no sono, sem ouvir o final da história. 

*************************************************************************

Acordei com o corpo confortável. 

Numa sensação maravilhosa, como se estivesse em um lugar mais que perfeito. Eu me remexi um pouco e senti um braço segurar minha cintura.

Mesmo sonolenta, acreditando que fosse um sonho, abri meus olhos e me vi bem distante do lugar onde deitei noite passada.

Oh meu Deus! 

Levantei a cabeça procurando por Malú e seus companheiros e nada. Não estavam na cama. 

Porém, eu estava e tinha uma pessoa atrás de mim, me abraçando, para ser mais exata.

— Bom dia. 

— Oh.... Eu...

Reunindo minha pouca dignidade, me afastei. Eu fui para o lado dele na cama? 

Acho que na tentativa de tirar minha filha do meio e colocá-la para o canto, eu me empolguei.

— Desculpa, eu não queria...

— Tudo bem, não queria te acordar, ainda mais que hoje é sua folga.

— A minha filha?

— Ela acordou já tem um tempo, está no quarto dela brincando, também não queria te acordar. 

— Certo eu vou levantar, desculpa.

Corri para o banheiro, sem graça. 

Eu estou me encantando por Miguel e não posso. Não posso fazer isso. Por mais que ele seja tão educado, carinhoso e nos trate bem, eu não posso fazer isso.

Foi inevitável não sorrir feito uma boba, enquanto escovava os dentes e lembrava dos seus braços me segurando, enquanto tinha um sono maravilhoso. 

Oh! Será que ele sentiu meu bafo?

Minha nossa, Ana Maria. Olha com o que você está se preocupando? 

Depois de banho tomado e cabelo lavado e finalizado, eu saí do banheiro. Cabelo cacheado é lindo, porém, dá um enorme trabalho para cuidar. Os meus, ainda são mais leves, ao contrário dos da minha filha, que puxou os do pai. Eu mantenho as tranças porque é mais fácil e ela ama, tive que aprender na marra a fazer nagô, fora que se não tem tererê, ela não acha bonito. 

Cheguei na cozinha e os dois estavam sorrindo, tomando café. 

— Bom dia, meu amor.

— Bom dia, mamãe. 

— Miguel, hoje é dia de mercado quer ir conosco? 

— Não quero atrapalhar. 

— Pare de falar isso ou vou ficar chateada. Enquanto estiver aqui, será da família. Não precisa pedir desculpas e nem sentir que está incomodando, se estivesse, nem aqui estaria mais. 

— Tudo bem.

— E-ba!!! — gritou Malú.

— Vamos que eu ainda preciso faxinar a casa e lavar as roupas. 

Foi um final de semana agradável. Fiz o máximo possível para que Miguel se sentisse confortável. Talvez assim, possa estimular sua memória e ele lembrar de algo sobre seu passado que nos dê pistas de onde achar sua família. 

Porém, nada. Ele me ajudou em todos os afazeres de casa e com perfeição, com certeza alguém de seu passado deve ter ensinado tudo isso. E ele fazia com amor. 

No final do domingo fomos até a casa da dona Fátima, no Jardim Guarani. Sempre que dá, faço um esforço para levar minha filha até ela. As duas são muito apegadas e eu faço gosto dessa amizade, claro que Miguel foi conosco. 

Ela em momento nenhum o julgou. Muito pelo contrário, viu o carinho da neta por ele e não poupou hospitalidade.

Chegamos em casa cansados, inclusive com uma criança dormindo.

Não sou louca de acordá-la para um banho, faço isso amanhã cedo. Só tirei a roupa dela e coloquei um pijama. 

Assim que foi posta na cama virou para o lado e pum! Mais nada.

— Obrigada.

— Está entregue. Eu vou para minha cama já que hoje não tem história. — Ele se colocou de pé na minha frente. 

— Bom... eu...

Sei lá, ouvir que ele não ia dormir conosco, novamente, me deixou com uma sensação estranha. 

Ele me encarou por um momento e as palavras sumiram da minha mente, é sempre assim quando ele me presenteia com um pouco do seu olhar, que cada dia mais é alegre, vivo. 

Ele está feliz. 

Seus dedos tiraram uma mexa do meu cabelo, que estava na minha testa.

— Ana. 

— Bom... é que...

Ele olhou Malú, que permanecia dormindo abraçada no Fofura e me puxou pelo braço, até que saímos do quarto e fechamos a porta.

— Eu não queria que... — Fui interrompida.

— Shhh.

Senti sua mão, que já havia reparado ser muito grande, correr pelo meu pescoço e logo em seguida, seus lábios sondarem os meus.

Os seus olhos nunca saindo dos meus.

— Eu quero te beijar. 

Não consegui formar nenhuma frase para respondê-lo. 

Segurei em seus ombros, não sei se em resistência ou para me apoiar, porque meu corpo inteiro tremia. 

Vendo que eu não ofereci resistência, ele tornou a dar alguns beijos em meus lábios. Seguindo pela minha bochecha, até chegar na minha orelha.

— Eu quero muito te beijar, Ana, me diz não. 

Sussurrou em meu ouvido e se tinha alguma possibilidade da resposta ser negativa, a voz rouca dele quebrou naquele momento. 

Ele voltou a me olhar e vendo que não fui contra, me beijou. 

Suas mãos espalhadas pelo meu corpo, enquanto eu segurava em seu ombro, davam uma total explicação de que nenhum de nós dois estávamos firmes o suficiente. 

A boca dele era maravilhosa e combinando com a minha, causava uma explosão de feromônios.

Sua língua habilidosa me conduzia numa dança sensual, fazendo com que minha intimidade umedecesse.

Oh! Eu estava carente, afinal, só tive um homem em minha vida e isso já fazia tanto tempo, mas nunca chegou perto do que Miguel estava me oferecendo, apenas com um beijo. 

Senti minhas pernas falharem e ele me tirou do chão, me colocando contra a parede. Uma de suas mãos segurou minha bunda fazendo com que nossas intimidades tivessem contato, enquanto ele me suspendia.

Eu deveria estar louca. Era a única explicação possível.

Como esse cara poderia fazer isso comigo apenas com um beijo? 

— Hummmm.

Soltei um gemido, que foi abafado por nossos lábios e ele, sentindo isso, subiu uma de suas mãos até meus seios e o esmagou, fazendo com que a sensação de prazer em meu corpo aumentasse mais.

— Mamãe.

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Mais uma semana para a conta.

Miguel não dormiu conosco. Bom... a verdade é que eu quase não dormi, depois do que aconteceu. Passei a noite em claro, lembrando da sensação que seus lábios me trouxeram.

Na manhã seguinte, quando levantei, depois de quase não pregar o olho, Miguel não estava lá, como esteve na semana anterior.

Fiquei com um pouco de expectativa para que desse as caras, mas o que ia acontecer?

É loucura, e eu preciso ter ciência disso. Não posso continuar.

Eu estou aqui, praticamente, fazendo um monólogo sobre um simples beijo. Pessoas beijam esporadicamente nos dias de hoje, é normal. Não tem porque eu me preocupar com isso. Não é verdade?

É isso, não vou me preocupar, foi só um beijo e nada mais.

"E se ele quiser me beijar de novo, não vou me importar."

Que isso, Ana Maria Garcia?

Que pensamentos são esses?

Se aprume!

Trabalhei, sendo questionada pelo meu sorriso.

— Você está feliz, sim! Conta aí o que houve?

— Nada! Para de ser bobo.

— É homem? — diz Felipe. — Se for, já adianto que nenhum presta! Sabe que eu sou sincero com você, gatinha.

— Eu presto.

— Porra nenhuma! Fala pra ela ondeestava no fim de semana?

Era inevitável controlar o sorriso com eles.

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Cheguei em casa no final da tarde, transbordando em ansiedade.

Só queria chegar. Tanto que assim que cheguei no portão o transporte estava lá. Não precisou esperar nem eu correr.

Assim que Malú desceu da van, Miguel abriu o portão, estava suado, provavelmente dos exercícios que ele pegou o costume de fazer.

— Tio, você não vai acreditar, sabia que as zebras enganam os leões quando estão em rebanho? E que as leoas são mais mandonas que os leões. Eu quero ser uma leoa, não quero ser mais princesa.

Ela o atropelou com essa enxurrada de perguntas e afirmações, nem ligando se eu estava aqui parada no aguardo dela ou não.

— Uma leoa? Você tem que ter muita força e determinação para ser uma, e não deve abaixar a cabeça para ninguém. Mas, pode continuar sendo uma princesa, enquanto isso.

Fica dando ideias para a dona Malú, fica.

Fui ignorada pelos dois, que seguiram conversando, me despedi dos tios do transporte e entrei, fechando o portão enquanto eles estavam na conversa sobre o reino animal.

— Bom, meu dia foi maravilhoso hoje. Aprendi sobre tintas e argamassa.

Falei para ninguém em especial, já que estava sozinha na área em frente de casa, fechando o portão.

Depois do banho, eu decidi fazer a janta, enquanto Miguel e Malú brincavam de um maquiar o outro, na sala.

Não consigo explicar essa experiência, essa sensação que está em mim, no momento. Sensação de paz, de realmente estar em casa.

Olhando o entrosamento dos dois, Miguel estimulando ela em suas curiosidades, a respeitando e ensinando sobre sua personalidade.

Ele é uma pessoa maravilhosa.

E eu não preciso saber do seu passado para ter certeza disso, nos mínimos detalhes eu percebo. Quando ele nos sorri com gentileza. Quando espera que primeiro nos sentemos à mesa para depois se sentar. Quando responde com educação cada pergunta da Malú. Quando não é cheio de frescura, quando ela quer maquiar ele, como faz neste momento.

Malú está desenvolvendo um carinho enorme por ele e eu sinto que é recíproco, e mesmo quando ele for embora, porque eu sei que isso vai acontecer, sei que eles vão continuar nesta sintonia.

Depois de mais uma história que não foi contada por mim, fiquei em silêncio, mesmo que não estivesse dormindo. Vi quando Miguel se levantou para sair do quarto.

Não sei por que, porém, não demorou muito e ele voltou, vi a porta se abrir e logo em seguida, alisar minhas pernas por debaixo das cobertas. Levantei a cabeça.

— Pode vir aqui um pouquinho.— Ele sussurrou.

Eu aconcheguei meu bebê e fui.

Foi apenas o tempo de fechar a porta.

Meu braço ser puxado.

Eu encostada na parede do corredor.

E sua boca na minha.

Não sabia que precisava tanto deste beijo, até estar sendo beijada.

Suas mãos seguraram ambos os lados do meu rosto, não me permitindo ação nenhuma, apenas ser devorada por ele. Por seus lábios.

Nossas línguas numa dança sincronizada, enquanto seu corpo buscava uma aproximação maior do meu. Até minha perna ser levantada e eu ser suspendida em seu colo. Ele separou nossas bocas, ainda ofegantes e eu não conseguia tirar meus olhos dos seus.

Por estar em seu colo, fiquei uns bons centímetros mais alta, já que quando estou no chão eu chego no seu ombro, e olha que eu não sou baixa.

1,72 de altura muito bem servida.

— Ana, eu... nós precisamos conversar.

Eu me senti incomodada por sua reação e como estava em seu colo, senti que deveria colocar uma distância, para que não fosse desconfortável para ninguém.

Ele se arrependeu? Mas, foi ele quem foi me chamar no quarto!

— Olha para mim. Eu quero que você saiba que eu gosto de te beijar, mas...

— Não precisa falar nada, Miguel.

— Eu quero que você entenda. Não quero me passar como aproveitador. Você está me abrigando, me dando comida e ...

— Para. Já disse que faço isso de coração.

— E eu quero te beijar, porque eu gosto de te beijar.

— Acho melhor não. Não sabemos quem você é, se tem uma família ou até mesmo uma esposa. Mesmo que não se lembre, isso seria traição.

— Ana?

— É melhor, Miguel. Bom... boa noite.

Voltei para o meu quarto e mesmo que não fosse essa a minha vontade, era o mais coerente a se fazer. A situação que estamos é totalmente desconfortável para nós dois criarmos expectativas de algum relacionamento.

Como eu disse a ele: melhor assim.

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