ANA MARIA
A minha rotina matinal era sempre a mesma. Só que agora tínhamos companhia.
Miguel estava acordado, antes mesmo de eu levantar, estava na cozinha passando o café. Quando eu entrei no quarto da Malú, para pegar roupas para colocar na mochila, a cama estava bem arrumada e os cobertores dobrados.
Fui até a cozinha e ele me deu um “bom dia” tímido, me olhou por poucos segundos e foi sentar na mesa. Sempre muito silencioso quando era eu e ele.
— Bom dia, tio. Eu dormi na parte que a girafa se apaixona pela hipopótama. Eles foram felizes para sempre? — Ela foi como um foguete para cima dele.
— Calma, mocinha, acabou de acordar e já está assim?
— Só quero saber, mamãe.
— Eles são amigos e permaneceram assim.
— Puxa! Então não teve felizes para sempre?
— Teve porque eles continuaram juntos.
— Ahhh.
Assim que ouvi a buzina, coloquei ela no transporte.
Em seguida, me troquei e fui para o meu trabalho. Talvez a minha confiança no Miguel tenha aumentado, porque dessa vez eu deixei a chave do portão com ele.
Cheguei no meu trabalho mais do que alegre. O salário pode ser pouco, mas a animação é garantida por causa da equipe maravilhosa que trabalho e dos meus chefes que quase não aparecem.
Pouco depois do meu horário de almoço, Rodrigo apareceu. Ele veio com uma sacola enorme de roupas e eu o abracei. Esse homem é o irmão mais velho que eu não tive e eu me sinto grata pelo carinho que ele tem por mim e por minha filha.
Lá para o final do meu expediente deu um problema no caixa. Eu fiquei mal, porque o salário já não é essas coisas e se descontar algo, me apertaria e muito, ainda mais agora que tem mais uma boca para comer.
Graças a Deus foi apenas uma nota que o Tales emitiu errado para o cliente e não teve falta. O problema é que eu perdi meia hora aqui, tentando achar o erro. Saí correndo da loja e fui para casa.
O transporte já devia ter passado, mas eu estava com esperança, acreditando que eles estariam lá.
Dobrei a rua e não vi ninguém no meu portão.
O desespero queria me pegar, pois já estava escurecendo. Cheguei no portão toda esbaforida, sufocada pela minha própria respiração.
— Miguel! Miguel!!! — Eu batia desesperada. — Miguel!!! Miguel!!
Ele abriu o portão com cara de assustado, meus gritos podem ter causado isso, mas ele não estava mais assustado que eu, por cometer essa falha com minha pequena. Eu entrei feito um furacão. A porta estava destrancada, porém, fechada.
— A Malú.
— Está lá dentro. Ela chegou com o transporte e ficaram um tempo aí no portão, eu pensei que você fosse chegar, como não chegou, eu abri e ela me viu, a moça falou que precisava deixar outra criança que também atrasou, então ela ficou comigo. A Malú disse que você não gosta que entre em casa da rua sem tomar banho. Eu fiquei aqui fora para ela tomar banho, porque ela disse que sabe se virar.
Eu ouvia ele me contar o que aconteceu. Meu nervosismo foi se acalmando, quando percebi que ele estava me olhando, enquanto me falava o que aconteceu.
— Obrigada. Aconteceu um problema no trabalho e eu me atrasei. E obrigada por respeitar minha filha.
Apenas deu um aceno com a cabeça e voltou a sentar no degrau que tem antes da área de serviço.
E eu fui procurar minha pequena.
— Meu amor.
— Estou aqui, mamãe.
Ela estava tentando prender o cabelo, já toda vestida e banhada.
Puxei ela e dei um abraço.
— Está tudo bem, meu amor?
— Tudo, o tio que me pegou hoje. Ele está lá fora, esperando eu tomar banho.
— Certo, mamãe vai tomar banho e já volto, ok?
— Tá, vou lá esperar, com o tio. — Ela saiu correndo e foi aí, que eu lembrei das sacolas.
— Miguel, entra... preciso te mostrar umas coisas.
Ele entrou e sentou no sofá. Na minha sala era só uma pequena estante e o sofá. Não tenho televisão e agradeço. Fui criada sem e crio a minha filha da mesma maneira, a curiosidade dela vem de livros e de genes, porque eu lembro que era dessa mesma maneira.
— Essas roupas eu consegui para você. Tem esses calçados também.
— Já disse que não precisa se incomodar, Ana.
— E eu já disse que não é incomodo. Depois que tomar banho, pode colocar uma roupa limpa. Se quiser, pode ir agora e eu adianto a janta.
— Eu já fiz. Pensei que você fosse chegar cansada e quis ajudar.
— Você fez? Você sabe cozinhar?
— Acho que sim, espero que goste.
— Você faz bolo, tio? De chocolate?
— Você sabe que doces, só no final de semana, mocinha.
— Não custa tentar, né.
— Vai pegar seus brinquedos, o tio vai banhar, depois ele brinca com você.
— Obrigado. — Miguel me agradeceu.
Ele pegou a sacola da minha mão e me deu um abraço. A sua reação foi tão inesperada para mim, que eu levei um tempo para assimilar, mas retribui com o máximo que eu podia.
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Depois de todos de banho tomado, nos sentamos para apreciar o frango à parmegiana com um arroz branquinho e soltinho, nem o meu é desse jeito.
Uau! Seja lá o que ele fosse no passado, ele arrasava na cozinha.
Não contive elogios e ele sorria em agradecimento.
Um sorriso lindo. Não deveria criar sentimentos por ele, afinal, estava perdido e poderia ser casado, já ter uma família.
Eu me peguei o encarando por minutos, enquanto Malú nos contava sobre seu dia na escola e das coisas que aprendeu.
Ele percebeu e me encarou também. Sorriu.
Eu sorri. Um sorriso que eu não dava há muito tempo.
Até ouvir alguém bater no portão.
— Tio, Digo. — Ela pulou em seus braços assim que o viu passar na porta.
Eu me espantei quando abri o portão e vi Rodrigo e Kátia aqui na minha casa. Não que eles não viessem, mas dia de semana era muito difícil deles aparecerem. A não ser que algo muito urgente acontecesse.
— Preciso falar porque estamos aqui? — Minha amiga me perguntou assim que dei passagem para os dois entrarem.
Não, não precisa. Rodrigo me pareceu muito calmo hoje quando me entregou a sacola, sem nenhum sermão ou coisa parecida.
Ele deu uma encarada para ela, que nem ligou.
Amo esses dois.
Estavam com duas caixas de pizza.
A minha princesa bolotinha vai amar.
— Só tio Digo? Eu não sou mais a queridinha da Princesa Maria Luiza Primeiro?
— Você é... tia Katy, a mais linda.
Entende por que eu amo esses dois?
A um ditado que diz: “quem trata bem meus filhos minha boca adoça”.
É sobre esses dois. Confio de olhos fechados para cuidar do meu tesouro.
Rodrigo entrou e logo de cara viu Miguel, que ainda permanecia sentado, mas agora de cabeça abaixada.
— Miguel, venha conhecer meus amigos.
— Se quiser, eu espero lá fora.
— Não! Que absurdo é esse. Venha.
Ele levantou tímido e olhou pro Rodrigo.
— Miguel! — falou apertando sua mão.
— Rodrigo!
— Eu sou Kátia, é um prazer te conhecer.
Ela, como sempre mais entusiasmada, foi abraçar ele, mesmo com Malú no colo. Essa também não perdeu tempo e o abraçou.
— Seja bem-vindo, Miguel. Pro que precisar... conte comigo. — Rodrigo fez um som com a garganta. — E com o meu namorido também. Ele só tem cara de bravo.
— Eu sou calmo, é só não mexer com quem eu amo. — Ele falou bem sério, encarando o Miguel.
Não preciso dizer que o clima ficou um tanto quanto pesado.
— Vocês trouxeram pizza, mas estávamos jantando. Miguel cozinhou hoje. Querem se sentar?
Rodrigo, ainda muito sério, puxou uma cadeira e colocou Malu em seu colo.
— Uau, você manda muito na cozinha. Já trabalhou com isso? — Ela elogiou a comida que estava realmente divina.
— Não sei.
— Como assim, não sabe?
— Eu, bem... eu sofri uma perda de memória. Não sei de onde vim, não sei quem sou e não sei o que fui. Só sei que me chamo Miguel.
— Mas você não tentou ir à polícia, um hospital, sei lá, pode ter alguém te procurando, sua família, sua esposa?
Quando ela perguntou isso, ele olhou para mim e pareceu meio desconfortável.
— Bom, eu fui a um hospital e depois de me prestarem atendimento, me mandaram para a rua de novo. Eu cruzei com uns policiais e pedi ajuda, disse que estava sem memória e eles me escorraçaram, dizendo que a minha falta de memória era por causa das drogas que eu usei.
— Canalhas, sistema de merda, este país. Está aí... algo que precisa ser reformulado. Eu te garanto que se você fosse rico, muito cheio da grana, eles lamberiam suas bolas.
— Nega! — atentou Rodrigo.
— Desculpa, princesa.
— Por que eles lamberiam suas bolas, tio?
— Kátia? — Rodrigo a olhou.
— Eu fico indignada, amor, desculpa. Princesa, esquece o que a tia falou. Não repete isso, senão a coroa da princesa perde um diamante e vai ficar sem brilho.
— Então você perdeu um diamante?
— Perdi meu amor.
— É só não repetir mais.
— Então você está sozinho por aí? — questionou Rodrigo. — Sabe fazer alguma coisa, tem algum documento?
— Eu estou sozinho. Eu agradeço e muito a ajuda da Ana, mas já está na hora de eu caçar meu rumo. Não posso abusar da boa vontade dela.
— Você nem ousa, Miguel! Senão quiser me ver brava, você para com essa história de voltar para a rua. Se quiser, te ajudo a procurar sua família, mas para a rua você não vai.
Disse séria, olhando para ele, que sentiu cada palavra que falei, pois me olhava com aqueles olhos que cada dia mais ficavam um verde vivo, límpido.
— Também acho. Cê não tem cara de pessoa que vive na rua. Precisa é encontrar sua família. Mas... ó, presta atenção viu. Né porque a Ana é boazinha, que eu também sou. Cobrança está aí, vacila quem quer.
— Eu... Eu respeito muito a Ana e a princesa Malú, tenho eterna gratidão a elas, pelo que estão fazendo por mim.
— Acho bom, preciso nem falar nada, faço das palavras da minha mulher as minhas.
Depois desse clima tenso, a conversa foi ficando mais leve.
Rodrigo percebeu o porquê que eu ajudei o Miguel. Ele era uma boa pessoa. Chegaram até a trocar algumas palavras.
Fico feliz por isso.
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Enfim, é sexta-feira e mais uma semana concluída. Salário caiu na conta e graças a Deus os débitos foram todos quitados.
No final do dia, Tales queria me arrastar para um Chopp, eu neguei, disse que ficaria para uma próxima, talvez na próxima sexta, já que minha pequena não estaria em casa.
Dessa vez consegui chegar antes do transporte e pedi mil desculpas pelo atraso do dia anterior.
— Mãe, hoje o tio pode continuar a história?
— Se ele quiser, pode sim.
Assim que entramos a casa estava em silêncio. Como sempre, desde que Miguel chegou aqui, a casa estava limpa e pelo visto, a janta estava pronta.
— Miguel?
Nenhuma resposta. Coloquei Malu para o banho, pois já sabia onde poderia encontrá-lo.
Fui até a área de serviço e lá estava ele. De bermuda moletom e sem camisa, o corpo todo suado. Fazendo suspensão numa barra que não estava ali. Ou estava e eu nunca notei.
Os músculos se moviam, mostrando que um dia já teve definição.
Eu acompanhava os movimentos com os olhos, mas com o corpo totalmente tenso.
Apesar de suas cicatrizes, seu corpo era muito agradável aos olhos e nesses poucos dias aqui, já notei que ele estava mais saudável.
— Olá, eu não ouvi vocês chegarem.
— Estávamos numa conversa muito séria sobre quem de nós dois vai contar a história hoje.
Ele sorriu para mim, o sorriso lindo que ele dá, sempre que o assunto é Malú. O sorriso que aquece o coração de uma mãe, quando sabe que seu filho é amado.
— Eu posso fazer isso.
— Não, quero abusar. Você deve estar cansado do seu...
Meus pensamentos eram gelatina, nada sólidos. Nada coerentes. Eu não conseguia não dar umas olhadinhas para onde o short pendia no quadril.
Ana Maria Garcia, pela misericórdia santa, quão pecadora você está sendo por cobiçar um homem que precisa de ajuda?
— Eu fiz alguns aparelhos com suas coisas, para passar o tempo. Não tinha nada para fazer. Eu aproveitei também e consertei as duas gavetas do armário da Malú que estavam quebradas.
— Oh, sim... obrigada. Eu vou tomar banho.
— Claro.
Durante a janta foi meio desconfortável, eu permaneci em silêncio, enquanto Malu não parava um segundo, inclusive pediu para o tio deixar ser maquiado. Os dois foram para o sofá da sala e eu observava tudo, enquanto limpava a cozinha. Minha filha gostava desse estranho e acho que eu também.
ANA MARIA Estava esperando Malú se preparar para dormir, colocou os ursinhos no meio e se deitou também no meio da cama de casal, deixando o canto livre. — Deita lá, mamãe, o tio vai contar a história hoje. — Ele não vai dormir conosco, filha. — Só hoje, mamãe, para contar a história. Amanhã não tem aula e eu quero ouvir tudinho. Ela foi chamar Miguel, que entrou no quarto, sem graça. Eu me deitei no canto e puxei a coberta. Sei que ele não vai nos fazer mal, mas é uma situação totalmente desconfortável. Quando Rodrigo dormia conosco para contar a história de nanar era diferente, alguém com quem eu já convivia há muito mais tempo e meu corpo não reagia da mesma forma que reajo quando Miguel está perto. Ela deitou no meio e ele apenas sentou na ponta. — Deita, tio, para contar história de nanar tem que deitar igual o tio Digo. Ele procurou o meu olhar e eu apenas assenti. Timidamente puxou a coberta e deitou o mais afastado possível e começou a contar a história. A voz g
ANA MARIA Depois daquela noite, eu me mantive afastada. Quando chegava do trabalho, não o ignorava, conversava normalmente. Apesar da vontade, de quando ficávamos a sós, era de lhe dar um beijo daqueles que só ele me dá e que me acende por inteira. Na quarta eu o pedi para que ficasse com a Malú depois da aula, porque iria chegar tarde. Ia passar numa loja para comprar uns biquínis para ela. Aproveitei e comprei algumas camisas e cuecas que estavam na promoção, pro Miguel também. Porque amanhã eu vou contar a minha princesa que ela vai à praia, se eu conto antes, vira um poço de ansiedade e toda hora sai um: “Já está na hora de ir para a praia?” E aí já viu, né? Cheguei em casa e encontrei os dois brincando de chá com os ursinhos e dessa vez fui recebida com entusiasmo por minha princesa. Amo muito. Depois de toda a recepção, fui para o quarto e guardei as sacolas no lugar mais alto do guarda roupa, depois entreguei as sacolas do Miguel. — Ana, por favor, não gaste mais comigo.
ANA MARIA Como a vida é linda. Bela, quando vivida intensamente. Estava tão feliz, que nada tirava o sorriso do meu rosto. — Olha aqui para mim. — Felipe parou do meu lado no caixa e me abraçou de lado. — Quê? — Devo me preocupar? — Com o quê? — Com o cara por quem cê tá apaixonada. — Eu não estou apaixonada, estou feliz. — Eu conheço este sorriso bobo. Tá muito feliz, consegue nem esconder o sorriso. Tô feliz por você, só quero saber se devo me preocupar. Ele é do bem? — Acho que sim, ele tem sido uma ótima pessoa, tanto para mim quanto para minha filha. — É isso que importa. Qualquer coisa já sabe, né? Mando os mano colar e nós têm um teti a teti com o vacilão. — Não vai precisar. — E mais tarde, Chopada? Malú não está aí, então não tem desculpa. — Acho que não vai dá, tenho compromisso. — Qual foi? Abandonando as amizades por causa de macho, piranha? Impossível não se dar bem com esses meninos. — Para, Fê. — Empurrei seu ombro de leve, rindo da sua reação.
ANA MARIA Estou sem palavras pelo seu gesto. Já disse que são nessas pequenas atitudes que eu enxergo seu caráter? Ele é um homem lindo, não só por fora, como por dentro também. Eu o abracei e depois voltamos a nos deitar para dormir. Senti seus dedos me acariciando por todos os lugares do meu corpo e com isso, adormeci. ***************************************************** — Mamãe, eu estou bem. Tchau, que agora o tio vai me levar na praia. — É assim, mocinha? Sem mais? — Só, mamãe, dá um beijo no tio Miguel. — Vou dar, quando ele chegar. Hoje, assim que acordamos, Miguel decidiu sair para correr. Ele não falou nada sobre o pesadelo da noite passada, mas acho que isso afetou na sua decisão de ficar só dentro de casa. Ele colocou umas roupas leves e tênis e saiu. Fico feliz por esse progresso, dia após dia ele está se soltando e sorrindo mais. Duas semanas que ele está conosco e parece que eu o conheço de uma eternidade. Agora sei que é verdade quando dizem que não é
ANA MARIA Felipe passou conosco o domingo até o finalzinho da tarde, quando minha princesa chegou dormindo. Com certeza, amanhã ela estará cheia de novidades e eu mais que pronta para ouvir tudo. Ela é um peixinho. Ama o mar, se fosse do querer dela, moraríamos perto de uma praia. Antes da princesa leoa, e da princesa unicórnio, e da princesa Tiana, e da princesa Rapunzel, era a princesa sereia. Enfim, mais uma semana chegou e muitas expectativas com ela também. Passei o dia no trabalho ansiosa pela entrevista que Miguel ia fazer. Tomara que dê tudo certo. Eu quero muito que tenha a sua independência, ele merece muito isso. À noite, quando cheguei, não demorou muito Rodrigo buzinou e ele saiu. Desejei toda sorte do mundo e para que pudesse ir confiante. Parece até um sonho toda essa felicidade. Eu sei que parecem ser valores invertidos, que eu vá trabalhar e ele fique em casa, torço para que consiga o trabalho por ele mesmo, porque mal ou bem, eu consigo ajudar com o básico, por
ANA MARIA Pedro nos convidou para almoçar, mesmo ressabido, Miguel concordou. Percebi que ele não ficou muito à vontade depois de saber da existência de uma noiva. Eu também estou desconfortável e, mesmo sabendo que não fizemos nada de errado, meu lado consciente me acusa. Pedro ligou para os pais de Miguel e pediram para que eles viessem com urgência, enquanto isso, Cida paparicava Malú, a elogiando por sua boa alimentação. E ela se gabava. A essa altura já havia conquistado a todos, inclusive, foi a única a arrancar um sorriso de Miguel, que sempre que Pedro iniciava um assunto, voltava a ser aquele homem sério. Permaneci calada e só respondia aquilo que me era perguntado. Neste momento, eu queria a minha casa, a minha segurança de que tudo ia ficar bem, e aqui, sabendo de todas essas coisas, eu não me sentia dessa maneira. Estava brincando com um pedaço de bife e com os pensamentos longe, quando senti a mão de Miguel buscando a minha. — Vai ficar tudo bem. Nós já vamos e
ANA MARIA Depois que Pedro foi embora, ficou um clima meio estranho entre nós dois. Não sei explicar. Malú preferiu que Miguel contasse a história naquela noite e foi melhor assim. Fui para o quarto e me deitei pensativa. Eu sei que queria muito que Miguel fosse uma pessoa simples, com uma história não muito complicada. Mas a sua família tem poder aquisitivo, ele é uma pessoa poderosa, e como a própria mãe falou, foi noticiado na TV e tudo, não ia demorar muito para a mídia descobrir sobre seu paradeiro e começar a persegui-lo, atrás de respostas. E ainda tem a noiva ou ex-noiva, não sei. — Não pensa muito, meu mel, vai ficar tudo bem— disse, fechando a porta do quarto e se achegando na cama. — Não sei se vai, Miguel. A realidade pode não ter chegado para você, mas nós dois somos de mundos completamente diferentes. Uma hora isso vai pesar. — Ana, eu sou muito grato a você por tudo que me fez e não só isso, sou completamente apaixonado por você. Em tão pouco tempo você me fe
ANA MARIA Eu prometi estar com ele. E foi por essas palavras que liguei para Felipe e pedi para ele me justificar no trabalho, coloquei Malú no transporte escolar e agora estamos aqui, chegando na rua onde Pedro mora. Chegamos na portaria e Miguel apertou a campainha. — Por gentileza, viemos ver o Pedro Monteiro. — Doutor Miguel, o senhor pode subir, o senhor nunca pediu para ser anunciado antes, já é de casa. Miguel me olhou confuso e segurou minha mão. Entramos pelo elevador no qual Pedro nos trouxe da última vez e subimos até o vigésimo terceiro andar. O frio na barriga era incontrolável, minhas mãos suavam mais que o habitual. — Que bom ter vocês aqui. Fico feliz que aceitou minha proposta, irmão. Miguel o cumprimentou com um aperto de mão e assentiu com a cabeça. — Entre, vamos tomar café, enquanto esperamos a chave. Queria te falar antes, que tio Antônio quer muito falar com você. — Não tenho nada para falar com eles. — Miguel, tio Antônio gosta muito de você