7

ANA MARIA

Estou sem palavras pelo seu gesto.

Já disse que são nessas pequenas atitudes que eu enxergo seu caráter?

Ele é um homem lindo, não só por fora, como por dentro também. Eu o abracei e depois voltamos a nos deitar para dormir. Senti seus dedos me acariciando por todos os lugares do meu corpo e com isso, adormeci.

*****************************************************

— Mamãe, eu estou bem. Tchau, que agora o tio vai me levar na praia. 

— É assim, mocinha? Sem mais?

— Só, mamãe, dá um beijo no tio Miguel. 

— Vou dar, quando ele chegar. 

Hoje, assim que acordamos, Miguel decidiu sair para correr. 

Ele não falou nada sobre o pesadelo da noite passada, mas acho que isso afetou na sua decisão de ficar só dentro de casa. Ele colocou umas roupas leves e tênis e saiu. 

Fico feliz por esse progresso, dia após dia ele está se soltando e sorrindo mais. 

Duas semanas que ele está conosco e parece que eu o conheço de uma eternidade. Agora sei que é verdade quando dizem que não é o tempo e sim a pessoa.

Eu me sinto bem quando estou com ele, especial, ele me faz sentir especial. A forma como demonstra interesse por cada coisa que falo, fazendo perguntas pertinentes. Com certeza ele era uma pessoa culta. Seu jeito sempre educado, suas falas, opiniões para tudo, mesmo que não perceba, que o está fazendo. 

Sempre tão delicado comigo. 

E o seu gesto ontem, não passa despercebido por mim. 

Qualquer outro não pensaria duas vezes, antes de recusar a proposta que lhe fiz, mas ele não, pensou em mim.

Ai meu Deus do céu. Eu estou aqui toda boba sorrindo para o nada e pensando nele.

Ele me falou que está apaixonado por mim, será isso possível? Assim tão rápido? Ainda mais para uma pessoa sem memória? 

Eu tenho certeza que eu estou. 

Não sei se é preocupante, só estou me permitindo viver.

Pela casa já estar limpa, porque Miguel é um homem muito caprichoso no que faz, não tive muita coisa a fazer no sábado. Apenas lavei umas roupas e troquei os lençóis da cama. Estava terminando de colocá-los na máquina quando ele chegou, todo suado.

Lindo. Maravilhoso.

Depois do almoço, ficamos sentados na área, conversando enquanto eu cortava seu cabelo, seguidas por muitas carícias e mãos bobas, da parte dele, que não me deixava concluir meu trabalho. 

Final da tarde, estava lhe contando sobre a minha infância no interior e sobre a minha mãe, a mulher incrível que ela é. 

Ele ouvia atentamente a tudo e sempre de forma inteligente, sabia insistir num assunto quando era confortável para mim, não foi o caso quando falei do meu pai, quando descobriu a minha gravidez. Não foi um momento muito bom na minha vida, ter a sua rejeição, mas eu sei que um dia ele vai me perdoar e voltaremos a ser como antes. 

Contava-lhe também sobre a ajuda que Fátima e Rodrigo me deram no início, quando ouvimos batidas no portão. Eu me levantei surpresa, porque não estava esperando ninguém e o dia estava indo embora.

Preocupado, Miguel saiu junto comigo. 

Eu me espantei quando vi um Felipe nada bem, de olhos vermelhos.

Acho que já sei o motivo. 

Abracei o meu amigo, que sempre cheio de prosas e alegrias, neste momento estava abatido.

— Tá tudo bem! Vem. 

Puxei a sua mão, acenando para o Miguel fechar o portão, e segui com Felipe para dentro de casa. Como já havia feito esse caminho outras vezes, me puxou direto para o quarto e se deitou na minha cama, me puxando. 

Num emaranhado de corpos, o ouvi chorar, calada. Sei que ele só precisa disso. Depois de muito chorar e senti-lo mais calmo, enfim pudemos conversar.

*********************************************************************

— Fala.

— Falar o quê? Odeio essa porra toda. Ela sabe que eu não escolhi ser assim, me trata como uma aberração, está toda fodida, ninguém querendo saber de cuidar dela e eu que me disponho, ela vem fazer isso. foda, pequena, não sei se aguento mais. — Ele voltou a chorar. 

— Ei, não fica assim, Fê. Se te machuca tanto e ela não reconhece o que você faz, por que continuar lá?

— Ela está doente, e é minha mãe. É minha obrigação cuidar dela.

— E nesse processo todo, você sair mais ferido e doente do que ela, pode? Abuso psicológico também é grave. É isso que ela faz com você. Acha que não amo meu pai, mesmo depois de tudo? O amo e se um dia ele precisar de um rim, eu doarei sem pensar duas vezes, porque é meu pai, mas eu não sou obrigada a ouvir as grosserias que me falava, independente do que eu tenha feito. Com você é a mesma coisa, Fê. Você é maravilhoso, o ser mais iluminado que eu já vi e independente de sua orientação sexual, ela não tem o direito de te tratar como trata. Quantas vezes mais ela vai te destruir até acontecer uma besteira? Vai ter válido a pena? Se ela não enxerga o ser maravilhoso que você é, sinto muito, quem perde é ela. 

— É difícil me afastar.

— Não é difícil, se ela mesma não reconhece que precisa de você, para que vai ficar lá aguentando humilhação? Você merece mais. Não estou falando para você abandoná-la, dê um tempo a vocês dois. Se afaste para o seu próprio bem. Você não merece isso. Eu já te disse muitas vezes e volto a repetir, ela é a única que está perdendo nessa história toda.

— Foda que ela tem que tomar os remédios na hora certa e nem consegue ir tomar banho sozinha. 

— E mesmo sendo você a fazer isso, ela vive te humilhando. Tem certas pessoas que merecem perder para aprender a dar valor. Nós não podemos segurar na mão de pessoas mesquinhas para sempre. Ajudamos porque é o certo a fazer, mas se elas não sabem valorizar, não somos nós que devemos nos abater. Porque são eles que perdem.

— Obrigado, pequena. Você é foda, sabia?

— Uns caras me falam isso.

— Caras, e o boy aí? Não vai desgrudar mais? Ele está caidinho por você. 

— Eu também estou caidinha por ele. 

— Boa sorte! Mas vou continuar de olho. 

— Eu sei. 

Fiquei com Felipe mais um tempo no quarto, até que ele cochilou.

Meu amigo é tão forte, mais forte do que ele imagina. Passa por uma tremenda dificuldade e a mãe não ajuda, e mesmo assim, não perde o humor, a alegria. Odeio as vezes em que ele vem aqui em casa chorando pelo mesmo motivo. Parte o meu coração, saber que alguém tão próximo faz o seu coração sofrer dessa maneira. Na minha concepção, mães deveriam amar e proteger seus filhos independente do caminho que ele escolheu seguir, por causa de sua sabedoria e seu amor comparado ao de Deus.

Saí do quarto e fechei a porta, deixando-o descansar em paz. Ele precisa desse momento, já que na casa da bruxa não tem isso.

Fui até a sala procurar Miguel e nada.

Da janela, o vi sentado na mureta que tem na área da frente. 

Fui até lá, de cabeça baixa, ele não percebeu quando me aproximei.

— Ei.

Ele me olhou sem falar nada, seus olhos tristes pareciam.... Decepcionados?

— O que houve? 

— Estou com ciúmes. 

— Miguel?

— Um homem chegou aqui e você o levou para nossa cama, onde há pouco estávamos deitados juntos.

— Miguel, não é nada disso que você está pensando. Felipe é meu amigo.

— Não importa, é nossa cama.

— Ele precisava da minha ajuda. Sempre que um amigo precisar de mim, eu o ajudarei. Nunca virei as costas para nenhum e não vai ser agora. 

Ele parecia não ter respostas e eu também fiquei chateada por ele duvidar de mim. Ainda mais com o Felipe, que sabe bem que é meu amigo. Eu me afastei e ele também não fez questão de impedir. Do mesmo jeito que eu o encontrei, ele permaneceu, agora novamente de cabeça baixa.

— Isso acontece sempre que ele tem problemas, problemas esses que não diz respeito a mim, contar. Mas, se lhe interessar, ele é gay. Nossa amizade é apenas amizade. 

Por fim, me cedeu um pouco de seu olhar surpreso e logo depois desviou. 

Ficamos em silêncio, porque eu não tinha mais o que falar e ele pelo visto, também não. 

Como pode querer ver maldade quando não há? 

Talvez por estar de fora, viu a situação totalmente diferente de como ela aconteceu. Eu sei que Felipe não aparenta ser gay, quem vê de longe não diz que é, porque ele é cheio de atitudes e ações totalmente normais para um homem heterossexual. 

Olhei pro Miguel novamente, esperando uma resposta, uma atitude e nada.

Sério, Miguel?

Sério que vai desconfiar de mim assim?

Cansada de seu silêncio, dei as costas e ia entrando para a casa, porém fui impedida por sua mão, que me puxou e me fez ir de encontro com seu corpo.

— Desculpa, não estou duvidando de você, só que eu não gosto da ideia de outro cara no lugar onde eu tenho você só para mim. 

— Ele é só meu amigo. 

— Poderia ser seu avô. Nossa cama é nossa, me desculpa meu mel, acho que sou egoísta nesse sentido.

 Depois de me explicar seu ponto de vista, eu consegui compreendê-lo, mas pedi que entendesse o meu também, pois minhas amizades não estão acostumadas a me ver com um companheiro. São pequenas coisas que vão mudando conforme o tempo. Enfim, depois do mal-entendido, nos resolvemos, ficamos de namorico no sofá da sala. 

************************************************************

— Não vai embora não, cara?

Tomei um susto, pois eu estava me deliciando com os beijos de Miguel e nem percebi meu amigo entrar na cozinha, que é dividida com a sala. 

— Felipe! — chamei a sua atenção, depois, me levantei do colo do Miguel. 

— Qual foi? Desde ontem o cara está contigo. Não desgruda? Ficar muito tempo juntos é sufocante, desgasta o relacionamento logo de início, fora que não é nada maneiro a mina descobrir os podres do cara assim logo de início.

— Você de boca calada engana até um sábio, sabia? Ele vai dormir aqui.

— Certo, então não façam muito barulho, tá? Meus ouvidos puros não tão no clima pra sexo. Aliás, acho que eu estou precisando, já que o de ontem furou. Enfim, vou ser a vela de vocês hoje. Posso dormir aqui? Não estou afim de voltar pra casa. 

Olhei para o Miguel e ele estava inexpressível. 

— Vou arrumar o quarto da Malú. 

— De boa, cara, pra você eu ficar por aqui? — Ele perguntou, percebendo o clima desconfortável que se formou.

— Se a Ana disse que sim, é sim.

— Valeu. Me livrou de ter que voltar praquele purgatório. Ana te contou? Claro que não, pequena é a melhor pessoa no mundo, ela não vacila com os dela — disse abrindo a geladeira e pegando o suco e dois copos e indo para o sofá onde estávamos agora pouco.

Por segundos, até pensei no que Miguel iria falar, mas por incrível que pareça, eles entraram num papo, Felipe contando da doença da mãe e sobre as dificuldades que ele passa por ela não aceitar sua orientação sexual.

Do quarto eu ouvia eles conversarem e parece que o clima tenso deu lugar a um diálogo de pessoas amigas. Acho que o egoísmo era só com a cama. 

Anotarei mentalmente, já que Rodrigo também deita na minha cama, quando Malú quer ouvir uma história. 

Depois de arrumar o quarto para Felipe dormir, eu me juntei com eles na sala e entrei no assunto. Os dois chegaram até a rir juntos. Miguel contou que estava sem memória e Felipe, como a pessoa que eu sei como é, compreendeu e não foi inconveniente. 

Que bom que eles estão se dando bem. 

Pedimos pizza para finalizar a noite, já que o assunto rendeu e agora eles pareciam velhos amigos. Só não entramos no assunto do Miguel ter morado na rua e agora estar morando aqui em casa. Não creio que isso seja pertinente, contar a todo mundo. Isso só diz respeito a ele. 

Capítulos gratis disponibles en la App >

Capítulos relacionados

Último capítulo