AMOR BANDIDO
AMOR BANDIDO
Por: Déia
Capítulo 1

São Paulo, Paraisópolis

Gabriel está cursando o último ano de medicina, mora com a mãe em uma mansão no Morumbi, e ajuda o pai no tráfico de drogas em Paraisópolis. Seus pais pertencem a mundos diferentes, eles tiveram um lance de uma noite, e ele nasceu. Sua mãe é uma renomada empresária, dona de uma grande rede de hotéis de luxo em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Gabriel não tinha planos de ir para a faculdade depois de concluir o ensino médio, mas sua mãe o obrigou, dizendo que não teria filho vagabundo. Como se um diploma, fosse garantia de alguma coisa. Por orientação do seu pai, Gabriel optou por medicina e ele até gostava do curso.

Ele decidiu por fazer residência após a graduação, para descobrir em qual área da medicina iria se especializar. Provavelmente, seria cardiologia, e com o final do ano chegando, assim como a formatura, Gabriel já tinha planos para fazer a residência no posto de saúde de Paraisópolis. Sua mãe iria ter um surto. Ela não sabia ainda que ele tinha envolvimento com o tráfico de drogas, e sua carreira médica, não passaria de uma fachada.

A paixão de Gabriel é seu rottweiler Max, presente do pai, armas, carros e motos. Ele também gosta de cometer os assassinatos no tribunal do tráfico, e é oficialmente o juiz dos desenrolos.

Seu pai é um dos líderes do PCC, e suas decisões tem maior peso dentro da facção criminosa. Por isso, Gabriel tem passe livre na favela como gerente das bocas de fumo. O que nem o seu pai e nem a sua mãe sabem, é que ele faz uso de fentanil para silenciar as vozes dentro da sua cabeça.

Gabriel não se reconhecia como alguém esquizofrênico, apesar das vozes de comando sempre mandarem ele matar alguém. Ele sabia que eram apenas alucinações e as vozes não eram reais, eram apenas frutos da sua imaginação. Por muito tempo, ele as ignorou sem problemas, sabendo distinguir a realidade do imaginário.

Então, cerca de um ano atrás, durante um baile funk na favela, ele viu um vulto em meio a multidão. As pessoas dançavam, e até mesmo atravessavam a figura sinistra que era de um homem de terno preto, muito bem cortado, lhe caindo com perfeição no corpo alto e esguio. No lugar da sua cabeça, havia uma bolo de fogo incandescente, que nunca se apagava. Era a porra de uma alucinação. Mesmo que não tivesse olhos, aquela coisa olhava diretamente para ele.

Ainda assim, Gabriel não entrou em pânico, não contou nada para os pais e não procurou ajuda para se livrar das vozes e daquele vulto. Ele ainda estava no controle, sabendo separar o que era real do que não era.

E então, novamente, meses atrás, o vulto começou a aparecer com mais frequência. Ele estava na sala de aula, no banheiro da faculdade, na academia, nas vielas de Paraisópolis, e por fim, no seu quarto.

Deitado na cama, olhando para o teto de gesso branco, Gabriel fechou os olhos castanhos escuros.

- O que você quer?

- Olá, Gabriel. - A voz penetrante e um pouco horripilante, como se saísse de um rádio com ruídos, repercutiu dentro da cabeça de Gabriel. - Eu fico feliz por você finalmente ter dirigido a palavra a mim.

- O que você quer de mim?

- Dia trinta e um de dezembro, à meia noite, ele deve morrer.

Gabriel permaneceu de olhos fechados.

- Quem deve morrer?

- Você sabe quem.

- Esse cheiro forte de enxofre me dá náuseas.

- Você sabe de onde eu venho.

O vento forte agitou as cortinas e ele desapareceu. Gabriel abriu os olhos e um sorriso desenhou em seus lábios.

Na casa usada para a preparação das drogas e a contagem do dinheiro da semana, Pedro lançou um olhar frio para Gabriel.

- A conta não fecha. Faltam dois mil. Eu diria que é muito dinheiro.

Sentado de frente para o encosto de uma cadeira de madeira, Gabriel apoiou o braço esquerdo na mesma.

- Eu tive que pagar o arrego da polícia mais cedo essa semana. Você deveria trocar de olheiro e fogueteiro. Os tiras estão começando a ficar confortáveis com as rondas.

Lentamente, Pedro assentiu.

- Eu vou fazer uma reunião.

Gabriel sorriu enquanto o pai pegava duas bolsas de viagem para colocar os bolos de notas de dois, cinco, dez, vinte, cinquenta e cem. Notas de duzentos não eram aceitas nos pontos de drogas. Se o usuário não tinha nota menor, podia pagar no débito, crédito ou pix.

- Alguns amigos e eu, vamos fechar um restaurante em Alphaville para a virada do ano, e para comemorarmos a formatura.

- Sua mãe vai?

- Ela vai para a praia com as amigas fúteis dela.

- Então, eu vou estar lá. Eu também vou na sua formatura semana que vem.

Pedro sorriu e foi até o filho. Orgulho estampava seu rosto atraente de um homem de quarenta e cinco anos, que cuidava da alimentação e praticava Jiu-Jitsu.

- Você conseguiu, porra! Meu filho é doutor, caralho!

Gabriel ganhou um tapa forte no rosto. Ele nem se mexeu.

- Eu só serei motivo de orgulho para o senhor.

- Você já é. Vamos beber e comer umas putas.

Não era uma pergunta. Gabriel seguiu o pai para fora da casa, e três soldados fortemente armados, os escoltaram até o Puteiro do Gordo. O gerente de Paraisópolis começou a beber. O vulto apareceu na sua frente, por trás do seu pai que estava sentado de frente para ele.

"Dia trinta e um de dezembro."

Gordo se aproximou da mesa com um espeto de picanha. Pedro disse com um sorriso inocente:

- Você está atrasado com o pagamento da taxa de gás.

- Minha filha ficou doente, patrão. Eu vou pagar depois do Natal, porque vai entrar um extra.

- Assim eu espero. Eu não gostaria de ter que entrar na sua filha de quinze anos, porque você deixou de cumprir com as suas obrigações.

Gordo tremia ao cortar a carne.

Gabriel não aprovava aquele tipo de conduta do pai. Na favela tinha muito vagabundo que merecia morrer, mas também tinha muita gente honesta e trabalhadora.

Apesar de ser dono de uma casa de prostituição, Gordo não forçava ninguém a ficar. Ele acolhia mulheres maiores de idade, que optavam por aquela vida, até conseguirem coisa melhor. Ele ganhava um extra e as mantinha debaixo de um teto.

Se não fosse um dos líderes do PCC, seu pai já estaria morto por praticar pedofilia, algo que os outros membros não permitiam. Ele não representava mais a facção. Um homem que não era capaz de cumprir um juramento, não era confiável, mesmo que fosse o seu próprio pai.

Gabriel se limitou a comer e beber.

"Dia trinta e um de dezembro."

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