Gabriel começou a atender às 07:30h em ponto. A recepção estava lotada, mas ele não teve pressa para ouvir as queixas dos pacientes, examina-los, solicitar exames e prescrever remédios para os casos mais simples que não precisavam de uma investigação mais profunda.
Uma cheirada de pó na madrugada o deixou em estado de alerta, ao mesmo tempo que ouvia gritos tenebrosos e via vultos rastejando no consultório. Para ele, o inferno existia e o mundo espiritual era uma realidade paralela ao seu mundo real. Gabriel pegou a receita de Betaistina de 24mg que saiu na impressora, carimbou, assinou e entregou para o último paciente da parte da manhã. - Aqui, seu João. Se não parar de beber, essa labirintite não vai melhorar. O senhor negro pegou a receita com as mãos trêmulas pela abstinência. - Eu bebo pra esquecer os problemas. - Sua saúde está muito deteriorada. Se não parar de beber, em poucos meses, essa cirrose vai virar câncer, e a sua preocupação não será com o próximo gole, e sim, em conseguir um leito para fazer quimioterapia. Seu João arregalou os olhos negros e negou com a cabeça. Ele fez o sinal da cruz e bateu três vezes na mesa de tampo de madeira. - Eu nunca mais vou colocar uma gota de álcool na boca. Eu juro, doutor. Gabriel duvidou e se preparou para ir almoçar. Era melhor para Ana que ela estivesse lá. Na presença dela, o inferno não tinha poder sobre ele. Ela era a luz que iluminaria suas trevas. Kelly tomava café da manhã e ouvia a prima contar da visita inesperada de Gabriel, assim como da sua proposta irrecusável. - Você está temerosa à toa, Ana. Ele é o médico de Paraisópolis, ganha muito bem pra te pagar isso, e todo mundo só diz coisas boas sobre ele. Depois de ontem, muitas mulheres vão inventar doenças só para vê-lo. Ana olhou para a chave sobre a mesa. - Ele nem me perguntou se eu sabia cozinhar. - Com todo respeito, mas mulheres gordinhas são cozinheiras de mão cheia. Só coloca um pouco de sal na comida dele. Ana ainda estava relutante. Foi tudo muito rápido e estranho. Kelly notou a indecisão da prima e colocou a mão no ombro dela. - Você tem que parar de racionalizar tudo. Vai lá, faz a comida dele, lava a louça e pronto. Você não quer comprar coisas para você? Roupas? Sapatos? Ana sorriu e assentiu. - Eu quero. - Então! Você não estaria mais segura do que trabalhando para um doutor! Por fim, Ana tomou banho, deixou o cabelo secar sozinho, colocou camiseta rosa e uma bermuda jeans preta. Ela calçou havaianas branca e foi para casa de Gabriel. Não era longe, mas ela nunca tinha visto ele ou o pai por ali. Se bem que ela saía cedo e chegava de noite. Ao abrir a porta, Ana levou uma mão no peito e a outra na boca para sufocar um grito histérico. Curioso, Max pulou do sofá e foi cheirar a intrusa. Ana ficou imóvel durante a avaliação minuciosa, até ter coragem de tirar a chave da fechadura e dizer sorrindo: - Eu tenho a chave. Eu vim fazer o almoço do seu pai. O cachorro enorme de pelo preto e marrom, sentou comportado. Ana fechou a porta com o coração batendo na garganta. Todas as portas estavam fechadas e ela achou a cozinha com o rottweiler a seguindo de perto. Ela não sabia o que o falecido pai de Gabriel fazia para viver, mas ele tinha grana. A geladeira e a dispensa estavam bem abastecidas, e Ana optou por fazer arroz, feijão, bife, batata frita e salada. Max colocou as patas na bancada da pia. Com água e ração no canto da sala, Ana não sabia se ele podia comer carne crua. Como o cachorro latiu para ela, ele ganhou um pedaço de contra filé e ficou satisfeito. - Você não é imprevisível, é? O cachorro deu uma revirada de olhos. Ana riu. Ela tinha um caramelo quando morava em Minas Gerais, mas ele saiu de casa e nunca mais voltou. Aquilo a deixou arrasada. Ela procurou por ele, mas não o encontrou. Gabriel sentiu o cheiro delicioso de bife acebolado ao usar a chave cópia para entrar em casa. As vozes silenciaram e os espíritos malignos desapareceram. Ele sorriu em paz ao entrar na cozinha. Deitado aos pés de Ana que fazia suco de laranja, Max cochilava. Cachorro traidor. - Você veio. Isso me deixou muito feliz. Ana abriu um sorriso tímido. Gabriel tinha o poder de deixá-la ainda mais retraída com aquele olhar penetrante de quem sabia um grande segredo. Ele lembrava alguém que parecia ter vivido mil vidas e conhecido muitos lugares. - Eu não sabia o que o senhor... - Senhor? - Gabriel se aproximou com um olhar meigo. - Por favor, não me ofenda me chamando de senhor. Eu sou apenas o Gabriel. Ana sentiu o suor escorrendo na nuca com a proximidade do médico atraente. - Eu não quis ofende-lo. Por causa da sua profissão, eu acho melhor chamá-lo de senhor. - Apenas Gabriel, por favor. O cheiro está muito bom e eu estou cheio de fome. Aquele cheio de fome soou de uma forma fodidamente sexy, e Ana abriu e fechou a boca várias vezes antes de dizer sem jeito: - Eu não sabia o que você iria querer comer e fiz arroz, feijão, bife, batata frita e salada. Seus olhos se encontraram. - O que você me der, eu como. Ana ficou perdida naqueles lindos olhos escuros. - Vai lavar as mãos, Gabriel. Eu vou servir o almoço. - Sim, senhora. Gabriel foi para o quarto cantando em voz alta: Te chamei pra vim pra minha base O bagulho vai ser de verdade Nós vai foder no modo hard Bota tudo, bota tudo, bota com vontade Na brisa, sem fazer alarde Tropa do Bruxo só tem menino selvagem Que te fode forte e sem massagem Foda que elas gosta que nós não tem piedade (Baile do Bruxo, Tropa do Bruxo) Na cozinha, Ana sentiu a calcinha ficar molhada. No quarto, Gabriel recebeu uma ligação indesejada. Ele tinha que cometer seu primeiro assassinato como dono do morro para ser batizado. E na vez dele, um policial federal era o próximo na lista negra do PCC.Ana serviu o almoço saindo fumaça e colocou a jarra de vidro com o suco de laranja gelado no centro da mesa oval. Ela quase foi de arrasta pra cima ao ver Gabriel entrar na cozinha só com a calça jeans branca, e a borda preta da cueca Calvin Klein aparecendo. Seu corpo lindo e perfeito, era coberto por várias tatuagens. Gabriel pegou um frasco de vitamina no armário, e Ana arregalou os olhos com a caveira que cobria suas costas largas. Era sinistra.Abaixo do seu olho esquerdo estava escrito a palavra Chaos. Traduzida para o português Caos. Que significa o Deus Primordial Do Universo. Ele foi até ela depois de colocar o frasco na mesa e estendeu um bolo de notas de cinquenta reais.- Aqui tem mil reais. Você tem duas semanas de atestado, e vai cozinhar pra mim. Eu fiz mercado ontem, e você pode fazer o que sabe.Ana olhou para o dinheiro, para o corpo de Gabriel, e mordeu o lábio inferior antes de erguer a cabeça e olhar nos olhos dele.- Por que você sorriu quando o seu pai passou
Ana levou um tempo para assimilar tudo o que tinha acontecido. Seu primeiro beijo não foi com seu médico bonito e gostoso, e sim, com o dono da favela de Paraisópolis. Era realmente inacreditável como Gabriel conseguia ser um profissional atencioso e prestativo, e um traficante frio e calculista. Eram dois extremos que somente uma mente brilhante, ou doentia, poderia colocar em prática.De qualquer forma, Ana decidiu que não iria mais cozinhar para Gabriel. Ela queria distância dele. Por isso, ela terminou de limpar a cozinha, fez um carinho em Max que dormia no sofá, deixou o dinheiro em cima da mesa da sala e voltou para casa. Como trabalhava à noite, cuidando de idosos acamados, Kelly dormia quando Ana chegou. Suada, ela pegou a toalha e foi tomar um banho gelado por causa do calor infernal, e das fortes emoções que a atormentavam. Ana fechou os olhos debaixo da ducha e se permitiu relaxar. Ela tinha dinheiro para fazer os exames, mas os levaria para outro médico. Nunca mais ela
Gabriel colocou Max na coleira e saiu de casa. De capuz branco, sem camisa, calça jeans preta e Adidas branco, o dono do morro foi para a casa usada para o setor financeiro, onde era feito os recebimentos e pagamentos. Com uma população de cem mil habitantes, Paraisópolis e região, dava uma renda semanal de três milhões de reais entre a venda de maconha, cocaína, crack, cigarro e álcool. Os dois últimos, de cargas roubadas. Havia pontos de venda de drogas no Morumbi, Cidade Dutra, Cidade Jardim, Vila Andrade e Itaim Bibi.Gabriel não era só o dono do morro de Paraisópolis, ele também tinha o controle armado dos pontos de venda de drogas, as chamadas bocas de fumo, como também dos territórios que cercavam a favela. Dono absoluto da comunidade, ele manda e desmanda na vida social dos moradores, se impõe como juiz dos desenrolos, interfere nas associações e escolhe candidatos para os quadros administrativos.O traficante iria seguir os passos do pai. Importar drogas e armas do exterior e
Ana colocou o despertador do iPhone para tocar às 06:00h. Após o banho, ela colocou camiseta branca, calça jeans claro, meias e um Nike branco. Como Gabriel tinha acertado o tamanho de tudo, inclusive das lingeries sensuais, era um mistério. Pelo menos, ele teve o bom senso de comprar também calcinhas e sutiãs para o dia a dia, que era o que ela estava usando para ir tirar sangue. Ana o encontrou na sala brincando com Max. Ele estava de camisa social branca, gravata preta, calça social preta e sapato social da mesma cor. Ana fingiu não sentir o baque ao vê-lo todo no estilo de filhinho de papai.- A Kelly ainda está dormindo. Isso é normal?- A Codeína tem um efeito sedativo. Enquanto estiver dormindo, ela não vai sentir dor.Ana dobrou o pedido dos exames e colocou no bolso da calça junto com os documentos. Os mil reais estavam entre as compras e ela estava levando para pagar os exames.- Eu tenho que voltar logo para ficar com a minha prima.Gabriel se aproximou com um sorriso. El
Gabriel parou a Hilux na entrada da favela e o Soldado Farias, vestido com o uniforme da PM, entrou no carro. O dono do morro pegou o envelope pardo, e abriu, tirando documentos e fotos. Ele franziu a testa com ceticismo.- Quem é esse tanque de guerra?- Renan Tavares. Ele é Policial Civil e lutador profissional de Muay Thai. Ele vai chegar em Paraisópolis como um ex-presidiário. Com a morte do seu pai, a missão dele será descobrir quem assumiu o comando do tráfico de drogas. O disfarce de médico é perfeito.- Eu acho que ele vai chegar fungando no meu cangote.- Se ele tentar uma aproximação, você já está na mira da Polícia Civil. Ele vai fazer uma varredura na favela para descobrir quais são os pontos fracos. Depois, se ele confirmar que você é o chefe do tráfico, ele vai montar uma operação de busca e apreensão, e na sequência, a sua prisão.Gabriel deu uma olhada no dossiê sobre Bruno Alcântara e nas fotos do Policial Federal. Farias coçou a nuca e disse com receio:- Se ele for
Ana ouviu a porta do quarto fechar atrás dela. O sol do meio-dia entrava pela porta corrediça de vidro que dava acesso para uma varanda com um jogo de sofá de couro branco. Na suíte havia banheiro com banheira de hidromassagem, e no quarto, apenas uma enorme cama de casal forrada com lençol branco e dois travesseiros com fronhas da mesma cor. Reflexos do sol iluminavam todo o ambiente. Ana olhou para trás. Com um sorriso safado, Gabriel levou as mãos no nó da gravata.- Não diga que tem vergonha do seu corpo porque está acima do peso. Eu não ligo pra isso.- Mas eu ligo e não estou pronta para fazer isso. Eu não me sinto confortável.Mesmo não querendo que a primeira vez dela fosse com um estranho, e de uma forma precipitada, uma necessidade inexplicável, fez Ana arfar ao ser agarrada pela cintura, e ser puxada de encontro ao peitoral definido de Gabriel. Ela o tocou por cima da camisa social branca e franziu a testa negra.- Seu coração está disparado e você está gelado. Gabriel
De regata preta e shorts verde militar, o Policial Civil estava deitado na cama com um rasgo na coxa direita. Ele era maior e mais forte do que aparentava nas fotos. Com a prancheta em mãos, Gabriel olhou os dados da triagem.- Acidente de moto?Renan observou o médico jovem e de boa aparência. Ainda não havia nada que o ligasse ao comando do tráfico de drogas em Paraisópolis. Entretanto, Gabriel era filho de Pedro Paiva, um dos chefões do PCC que a Polícia Civil nunca conseguiu chegar perto. E com a morte do pai, ele começou a atender no posto de saúde de Paraisópolis. Coincidência ou não, Renan decidiu começar a investigação pelo herdeiro de Pedro. Ele teria trinta dias para achar indícios de que Gabriel estava ocupando o lugar do pai no comando de Paraisópolis. Se não conseguisse provas o suficiente para concluir a investigação e prende-lo, o inquérito policial seria encaminhado para o Ministério Público para ser arquivado.Mas isso não iria acontecer. Renan era um homem inteligen
Gabriel viu o medo estampado no rosto lindo da sua Bebezinha. Sua intenção desde que viu Ana pela primeira vez no restaurante, e ficou obcecado por ela, era tratá-la bem para que ela não tivesse medo dele quando começasse a descobrir os seus segredos. Ser pego em um momento humilhante de surto, o deixou sem ação. Ele saiu do elevador, mas não chegou perto de Ana. Ela mordia o lábio inferior sem saber o que fazer. Estava linda com uma camisola rosa bebê tipo camiseta, que ia até os seus joelhos. Os cabelos negros estavam úmidos e soltos, indicando que ela tinha tomado outro banho.Gabriel esperou Ana fazer ou dizer alguma coisa. Foi a espera mais longa da sua vida. Descalça, ela andou até ele com passos lentos e hesitantes. Ele engoliu em seco com a aproximação, e manteve os braços abaixados ao longo do corpo trêmulo e suado da academia.Ana fixou os olhos negros na altura do peito de Gabriel, e o tocou por cima da camiseta Slim fit preta. Ele prendeu a respiração e ela entreabriu os