A primeira coisa que sinto é a forte pressão em meu peito. O mundo que havia se escurecido ao meu redor foi se iluminando até que vi o rosto familiar de Zélia. E é quando percebo que estou de volta a vida.
— Graças a Deus! — é a voz de Zélia, e quando abro os olhos, a vejo tirando as mãos do meu coração. — Você estava morta... — murmura ela. Sua voz está estrangulada, seus olhos me encaram arregalados, enquanto eu me sento com as mãos no meu coração.
As palavras que saem da boca de Zélia me deixam desnorteada, porque nada daquilo fazia sentido. Me vejo tentando resolver os enigmas por trás daquela informação, mas tudo que consigo é ficar ainda mais confusa.
O que ela diz segue rodando em minha cabeça, e antes que eu possa reagir, percebo que toda a minha dificuldade para respirar havia ido embora, como se nunca tivesse existido. Levantei-me daquela cama, mas sem a fraqueza que me dominava antes.
Ciente do olhar de Zélia sobre mim enquanto eu caminho até a janela, vejo a tempestade que rugia no céu. Assim acontecia em meu coração: algo rugia fortemente dentro de mim. Olho para minhas mãos, não estão mais trêmulas ou frágeis.
Aquilo não poderia ser possível, não é? Não existia a menor possibilidade de eu ter morrido e depois ter acordado assim, como se tivesse tido apenas um sono profundo. Me vejo amedrontada, questionando o que aquilo poderia significar. Se eu morri, mesmo que fosse por alguns instantes, significava que todos os meus sonhos também morreram? Que eu era uma nova pessoa? Me vejo completamente perdida em meio aos meus receios.
Sou interrompida das minhas indagações quando um bip no meu notebook ao lado, chama minha atenção. Deslizei os meus olhos até a tela e li aquelas palavras:
´´Você é a minha filha, e apenas por isso estarei te dando uma segunda oportunidade: Sua prima se casará amanhã e essa festa irá te ajudar a escolher um noivo ideal. Pense bem, é a sua última chance de voltar a família. ´´
Minha cabeça começa a fervilhar, as peças se juntando perfeitamente em minha mente.
O que tudo aquilo significava? Eu me sentia completamente renovada, como se tivesse... Renascido!
Me dou de conta então, de que não importava como aquilo aconteceu ou se era realmente possível, porque a verdade era apenas essa... Eu morri, e agora estava de volta ao início, com a possibilidade de refazer todas as minhas escolhas e jamais cometer os mesmos erros.
Sinto o meu coração implodir de alegria, a euforia me invade ao perceber a sorte que bateu em minha porta, depois de tanto tempo.
Refaço todos os últimos acontecimentos em minha mente, releio a mensagem da minha mãe, sinto a vida correndo em minhas veias... Eu realmente estava de volta. E dessa vez agarraria todas as minhas chances.
— Zélia — chamei por minha empregada e com um largo sorriso no rosto, informei: — Pegue suas coisas. Iremos voltar para mansão.
***
No dia seguinte, o sol brilhava fortemente no mesmo instante em que coloquei os meus pés para fora do carro. A primeira imagem que veem de mim são os saltos altos, o longo vestido vermelho de cetim o segue. Assim que chego no meio daquele jardim, todos os olhares pousam sobre mim. Perplexos, como se estivessem vendo um fantasma, mas eu jamais estive tão viva. Eu estava de volta a minha elite, a tudo que era meu por direito, o lugar de onde jamais deveria ter saído.
Me sinto reluzente, a sensação de que ainda conseguia fazer qualquer espaço em que entro cintilar. Me pergunto como e o porquê passei tanto tempo sendo uma garota boa demais, e esqueci de como o mundo era imenso em demasia para que eu escondesse todo o meu brilho.
— Você decidiu. — Ouço uma voz feminina parando ao meu lado.
Me viro e vejo minha mãe me entregando um singelo sorriso, ela vestia um brilhante vestido rosa e os cabelos loiros estavam presos para trás.
— Era a minha última chance, não era? — comentei, sorrindo.
Gostaria de dizer que havia sentido sua falta, que passei os últimos meses perdida, mas agora finalmente havia me encontrado.
— Por que mudou de ideia? — ela perguntou, curiosa. — Você parecia bastante decidida em abandonar toda a sua vida por um amor imaturo e ingênuo.
Dou um risinho baixo, porque pela primeira vez minha mãe havia sido sensata. Apesar que se alguém tivesse me dito, meses antes, as palavras que saíram da sua boca provavelmente eu me levantaria e brigaria com essa pessoa, mas a verdade era que minha mãe tinha razão. E eu deveria ter ouvido os seus conselhos bem antes e ter fugido de um amor dissimulado enquanto tinha tempo.
— A senhora já ouviu a expressão: ´´Há claridade na morte? ´´ — comecei e ela me encarou, confusa. — Foi assim que mudei de ideia.
Minha mãe me encarava como se eu dissesse apenas palavras sem nexo, mas eu sabia perfeitamente bem o que aquilo significava.
— Isso é uma piada, Dandara? — sua voz levanta algumas oitavas, mudando de expressão e humor rapidamente.
A encarei confusa, mas os seus olhos estavam presos para a entrada do jardim, para o homem vestindo um terno cinza, que rodava com os olhos todo aquele espaço. Sinto o sangue correndo quente em minhas veias, o sabor amargo em minha garganta. Não sentia dor, ou qualquer amor renegado, sentia o ódio letal sobre mim. O gosto de vingança que deixava os meus lábios secos.
— Eu resolvo isso, mãe. — Digo, antes de atravessar aquela multidão.
Quando paro em frente aqueles intensos olhos cor de avelã, sinto vontade de vomitar porque aquele sorriso me enojava agora.
— Meu amor, está tudo certo. — Curtis anuncia e tenta pegar em minha mão que mantenho bem distante do seu toque. — Partiremos no final da tarde.
Eu abro um largo sorriso, algo que Curtis interpreta como felicidade pela nossa fuga secreta. Mas estou sorrindo ao perceber que eu estava realmente tendo uma segunda chance, estava revivendo aquele dia, e eu teria todo o poder de decidir: se seguiria com um homem que me arruinaria em um futuro não muito distante, ou se escreveria o meu próximo destino.
Não era uma escolha tão difícil.
— Você partirá sozinho. E agora. — Digo, cruel e friamente.
Curtis me olha confuso, com aquela expressão de anjo que um dia acreditei cegamente, mas que no final a sua face maquiavélica foi revelada.
— Não entendo. — Ele murmura, os olhos piscando freneticamente com a confusão. — Você...
— Não é difícil de entender. — O interrompi. — Eu só estou me recusando a ficar com você. É tão doloroso para o seu ego receber um não de uma mulher como eu?
Curtis abre a boca e fecha repetidas vezes, como se tentasse processar tudo que aconteceu nos últimos minutos. E eu só sabia que não precisava mais daquilo. E com um olhar discreto para o lado, os dois seguranças que estavam na entrada do jardim, se aproximaram no mesmo instante, atendendo o meu pedido.
— Levem esse homem daqui, não permitam que se aproxime outra vez.
Dei as costas para Curtis e eu sentia um peso sendo retirado do meu peito, a sensação de alívio em saber que não teria o destino que me foi revelado na última noite.
Antes mesmo que eu pudesse continuar o meu caminho ouvi o meu nome sendo chamado. Eu conhecia aquela voz, pertencia a mulher que em minha velha vida foi a responsável por enfiar garras afiadas e sujas em meu coração. A mulher de longos e escuros cabelos atravessou aquele jardim, me alcançando por fim.
— O que você fez? — ela esbravejou, completamente exaltada. — Por que o negou?
Era só cômico assistir aquela mulher desesperada em minha frente, não parecia a mesma pessoa que na última noite havia me olhado como se uma fosse uma antiga e velha tendência, tão superior a mim... E agora parecia implorar para que eu lhe entregasse a mínima chance de no futuro ela me destruir de verdade.
— Do que você precisa? — perguntei, gentilmente.
— O Curtis ama você! — ela insistiu, os olhos negros e cobertos de ódio. — Não pode simplesmente mudar de ideia agora.
Eu sorri e me aproximei daquela mulher lentamente, até chegar à altura dos seus ouvidos e finalmente sussurrei:
— Foi exatamente isso que eu fiz. Eu falei que voltaria e faria vocês se arrependerem de tudo... E a minha palavra vale diamantes.
Sorri ao me afastar e aquela mulher só parecia confusa o suficiente enquanto me assistia reluzir através dela.
— Vocês sabem o que fazer. — disse aos seguranças outra vez e finalmente segui o meu caminho.
Volto até onde minha mãe permanecia em pé, me avaliando dos pés à cabeça até o momento que parei em seu lado. — Quem era aquela mulher? — é a primeira coisa que me pergunta. Respiro fundo, liberando o meu corpo de qualquer tensão e pego uma taça de champanhe que o garçom equilibra em uma bandeja ao passar por mim. Apenas olho para minha mãe e sorrio. — Não era ninguém. Minha mãe não parece convencida e me observa, desconfiada. Eu sabia que deveria ser mais paciente e provavelmente mais expressiva porque ela não conhecia a nova Dandara que estava em sua frente, na verdade, eu ainda estava me descobrindo também. — E ele? — ela resmunga baixinho e sei que se refere a Curtis. — Tão irrelevante quanto. — disse simplesmente. — Não há razão para se preocupar, mãe. Os nossos seguranças já receberam minhas ordens. Ela assente lentamente, e acaba cedendo de sua insistência. — Você está realmente diferente, Dandara. — Ela murmura. Sorrio de volta e levo minha taça aos lábi
Dandara encara Paco, demonstrando sua desconfiança pela revelação que acabara de sair dos seus lábios. Os dois seguem naquela pista de dança e enquanto Paco guia os passos da mulher de acordo com a melodia, ele a observa. Paco a puxa para mais perto, o suficiente para sentir seu perfume inebriante. — Não me segure assim. — murmurou ela, e Paco percebeu que a segurava com mais força do que o necessário, e então diminuiu o aperto em sua cintura e sorriu ao vê-la corar. — Quem irá se casar? — questiona, mesmo que em seu íntimo, ela já saiba a resposta da sua indagação. Paco ainda se sente instigado a observá-la, os seus lábios estavam pintados do tom mais escarlate de vermelho e estão entreabertos, os seus cabelos negros caem como ondas sobre os seus ombros, roçando na palma da mão do homem que a guia de acordo com a música. Naquele instante, Paco a gira ao som dos violinos, e ver os seus cabelos negros voando ao seu redor, uma cortina negra que a cobria, deixando seu aroma
Paco ainda ponderava a proposta de Dandara em sua mente. Estavam seguindo para uma terceira dança, quando foram interrompidos. O segurança que horas antes atendeu as ordens da mulher, estava em sua frente e de modo imediato, Dandara se afastou de Paco, atendendo ao homem que claramente gostaria de falar com ela. Dandara sempre fora muito atenciosa com seus ajudantes, não o viam como empregados, mas sim como pessoas que estavam ali apenas para a ajudar. A justiça e bondade sempre fizera parte de seus valores de vida. — Com licença, senhor Benrouissi – ela disse, antes de se afastar e não esperou a resposta da sua pergunta anterior. Quando se aproximou do segurança, a mulher perguntou: — Aconteceu algo? O homem atrás do paletó negro e bem engomado apenas negou, antes de informar: — Fiz o que pediu, senhorita LeBlanc. Aquela mulher já está fora da festa, no entanto, ainda segue ao redor da mansão. Aquela notícia fez Dandara franzir o cenho, se perguntando por que e como a
No mesmo instante, Dandara sente mãos sobre sua boca, abafando o grito de susto que provavelmente sairia dos seus lábios. Braços fortes a seguram com firmeza, e a puxa para longe dos olhares. Quando Michaela e Curtis se viram, se dão conta de que já não existia mais ninguém ali. Dandara, no entanto, não se sente aliviada enquanto é arrastada daquele modo, e ela só consegue finalmente respirar quando ver quem está a frente e que a segurava tão firme agora. Com a respiração ofegante, ela encara Paco, que mantem os seus olhos presos nela, tentando desvendar tantas perguntas que giravam em sua mente ao olhá-la. — O que você fez? — Dandara perguntou, sentindo-se grata pela intervenção do Paco. — Você precisava de mim. — é tudo que ele diz, e não entra em mais nenhum detalhe. Quando Dandara volta a observá-lo percebe que ele a encara fixamente, e o olha desconfiado porque ele indica um caminho para Dandara seguir em frente. Dandara quase o entrega uma resposta petulante, no entant
Assim que aquele toldo caiu no chão, o barulho ensurdecedor que o causou, chamou atenção de todos a volta. Em questões de segundo, um grupo de curiosos se espreitaram até naquela cena, buscando descobrir o que aconteceu. — Oi – uma mulher parou bem na frente de Dandara e Paco, com a respiração ofegante. — Vocês estão bem? Alguém que estava por perto se machucou? Dandara olhou ao seu redor, buscando alguém que talvez pudesse estar por perto no momento em que aquilo caiu, segundos antes dela salvar Paco de alguma tragédia, mas não havia ninguém ali que pudesse ter presenciado aquela cena, e ela quase respira fundo de alívio. — Estamos bem. — Ela responde, por fim. — Ninguém se machucou. Em seguida, aquela mulher se afastou de Paco e de Dandara e se juntou ao grupo que se amontoava. No mesmo instante, os dois começaram a seguir em frente, indo em direção oposta àquela confusão. Enquanto andavam, Dandara não poderia evitar se sentir inquieta ao perceber o silêncio inquietante q
Assim que aquela pergunta sai dos lábios de Dandara, mesmo tentando não admitir, Paco não tem opção além de olhar em seus olhos e ser honesto. Se perguntou o porquê hesitou, e sobretudo porque cedeu. Ele era um homem afinal, mentir estava em seu DNA. Mesmo assim, quando ele abriu a boca, tudo que Dandara pode ouvir foram verdades. — Não tenho direito a herança. Quando diz isso, Dandara o encara fixamente, porque as peças em sua cabeça começam a fazer sentido, por fim. Porque Dandara já era escolhida como herdeira da família, e naquele instante, ela percebe que o padrão de toda a história de sua família estava se repetindo, e dessa vez, ela era a principal responsável para fazer tudo aquilo durar. Mesmo tendo sobre os seus ombros dezenas de responsabilidades desde que reviveu, ela ainda se sentia grata. — A Michaela não sabia disso. — Paco diz de repente, roubando a atenção de Michaela. — Ela acreditava que eu era herdeiro, e se casando comigo, ela iria substituir o seu lugar e
Quando a respiração de Dandara finalmente se estabilizou, ela levantou o queixo, estufou o peito com confiança e seguiu até o escritório do seu pai. Assim que entrou no cômodo, avistou seu pai já sentado por trás da ampla mesa, coberta de documentos e com o conjunto de suas canetas de ouro, como um bom colecionador que era. — Pai. — ela fala, por fim, chamando sua atenção. — Estou aqui. Do que precisa? O homem assentiu freneticamente, mas levantou as mãos, pedindo que ela esperasse enquanto buscava algo no meio da confusão em sua mesa. Dandara o observa, desconfiada, enquanto se aproxima até sentar-se nas altas cadeiras de couro frente ao seu pai. Dandara respira aliviada, entretanto, porque percebe que pela tranquilidade no rosto do seu pai, que o seu segredo ainda estava a salvo. A pressão que sentia em seu peito ao guardar tudo aquilo, misturado com a confusão de ainda não compreender tudo que aconteceu com ela até aquele momento, deixava os seus nervos à flor da pele. — En
Dandara está paralisada, enquanto sua única reação é analisar o documento que agora parecia imóvel em suas mãos, pelo modo como elas tremiam. Quando os olhos de Dandara param naquele documento de licitação de modo minucioso, novamente aquela sensação a toma. Dandara sente aquela pontada em sua memória outra vez, seguindo direto ao seu coração. Aquela sensação familiar a atinge fortemente, a fazendo desequilibrar ao ponto em que ela precisa se apoiar na mesa, seu coração se comprime no peito, anunciando um presságio gélido que corre em suas veias. Dandara sabe o que irá acontecer no instante seguinte, porque bem naquele momento, ela volta no tempo, em sua vida antiga e mesmo que agora tudo fosse diferente, as lembranças a engolem viva. A mulher então, assiste a memória de sua vida, como se fosse apenas uma espectadora, que sentia profundamente cada detalhe. Ela estava deitada nos braços de Curtis, e bem ali, sente-se segura e sabe que não existia perigo porque ela estava junto ao