Assim que aquela pergunta sai dos lábios de Dandara, mesmo tentando não admitir, Paco não tem opção além de olhar em seus olhos e ser honesto. Se perguntou o porquê hesitou, e sobretudo porque cedeu. Ele era um homem afinal, mentir estava em seu DNA. Mesmo assim, quando ele abriu a boca, tudo que Dandara pode ouvir foram verdades.
— Não tenho direito a herança.
Quando diz isso, Dandara o encara fixamente, porque as peças em sua cabeça começam a fazer sentido, por fim. Porque Dandara já era escolhida como herdeira da família, e naquele instante, ela percebe que o padrão de toda a história de sua família estava se repetindo, e dessa vez, ela era a principal responsável para fazer tudo aquilo durar. Mesmo tendo sobre os seus ombros dezenas de responsabilidades desde que reviveu, ela ainda se sentia grata.
— A Michaela não sabia disso. — Paco diz de repente, roubando a atenção de Michaela. — Ela acreditava que eu era herdeiro, e se casando comigo, ela iria substituir o seu lugar e se tornar uma Benrouissi também.
Dandara solta um riso frouxo, porque Michaela soava como uma mulher fútil demais para ela, alguém tão sedenta por poder e fama que não se importava com todas as pessoas que ela precisaria pisar para chegar até onde almejava. Era realmente de dar pena.
— Mas você está fazendo o mesmo, não está? — Dandara diz de repente, e não se dá conta do desprazer que está presente em sua vez. — Se casando comigo apenas para se tornar um herdeiro legitimo?
Quando aquelas palavras alcançam Paco, o pega de surpresa, porque o ressentimento na voz de Dandara foi repentino, e ele não consegue compreender sua mudança de humor súbita, e até mesmo a sua acusação, ainda que seja verdadeira.
Paco não tem tempo de responder, porque no mesmo instante Dandara se afasta, e por fim, volta a mansão. Ela sente o seu peito pegar fogo, um calor misturado a raiva e a tensão de ter aqueles intensos olhos de âmbar sobre ela, analíticos, como se desvendasse sua alma.
Enquanto Dandara atravessa o jardim de sua casa, encontra um garçom no meio do caminho e esticando suas mãos, pega uma taça de champanhe, na esperança de que o líquido gelado acalme os seus nervos em chama.
Ela assiste todas aquelas pessoas no jardim, se divertindo em uma festa sobre ela onde ela mesma não enxergava a menor da diversão. Enquanto observa o local, vê quando Paco também entra naquele espaço, mas ele não a procura, mesmo que os olhos de Dandara estivessem presos nele, em cada passo que dava jardim. Ela se equilibra na amurada atrás de si e percebe que Paco andava como se todo aquele lugar pertencesse a ele.
— Você está bem? — a voz da sua mãe intervém em seus pensamentos.
— Sim! — Dandara dissimula no mesmo instante, suas bochechas queimando pela maneira que o seu sangue se acumulava ali.
Felizmente sua mãe não pergunta mais nada, e se pergunta, Dandara não está mais escutando. Porque outra vez, olha para o Paco, que agora conversa seriamente com um grupo de homens mais velhos, as mãos no bolso. E é quando ela repete para si mesma, enquanto tenta não levar para o lado pessoal, que toda aquela situação em que estava vivendo, era apenas um padrão familiar. Há muito tempo, sempre existiu aquela regra: o herdeiro de uma família deveria se casar com o não herdeiro de outra família.
Dandara, mesmo nunca desejando passar por aquela situação, a de enfrentar um casamento contratual, sem amor, ainda era a principal protagonista naquele cenário. Porque enquanto Paco não tinha o direito da sua herança, Dandara possuía a autorização de herdar a da sua família.
Dandara então suspira penosamente, ponderando o seu destino, pensa que enquanto Michaela é hostil a ela, a vê como uma inimiga, desejando tudo o que ela tinha, Dandara sente em seu âmago que tudo o que ela sempre quis foi a clareza e a graça de um amor leve e pacífico. Mas o seu destino não quisera o mesmo.
— Onde você esteve? — sua mãe volta a falar. — Você desapareceu por algumas horas.
— Estava do lado de fora da mansão, estava precisando tomar um ar. — ela responde, sem entrar em detalhes sobre toda a confusão que aquela simples escolha a enfiou minutos antes.
Sua mãe apenas assente lentamente, os olhos instigadores enquanto tenta descobrir as entrelinhas presentes na afirmação da filha, porque mesmo tendo passado tantos dias afastadas, sua mãe ainda a conhecia como ninguém. E Dandara sabia disso, por isso precisou desviar os seus olhos para taça de champanhe em suas mãos.
— Espero que você tenha contornado toda a situação. — Elizabeth diz a filha, que a encara confusa. — Digo, que aquela mulher que esteve aqui horas antes não seja mais nenhum problema.
Os olhos verdes de Elizabeth são expressivos ao terminar de proferir aquelas palavras, e antes mesmo que Dandara pudesse, ou pensasse no que responder, sua mãe se afastou, indo em direção a outro convidado.
Naquele instante, Dandara volta a se afogar em pensamentos, suas indagações a engolindo, enquanto sua mente se embola em desnorteio. Ela relembra sua vida passada, e tentar e fracassa, não cair em sua própria melancolia.
Suas lembranças a trazem de volta à quando, naquele mesmo dia em que estava, antes de reviver e poder refazer aquela escolha, em outra vida, ela havia se jogado e confiado no amor, fugindo com o Curtis minutos antes da festa de anúncio do seu casamento com outro homem que a sua família havia escolhido. E quando olha para sua mãe, é quando Dandara não consegue compreender por que, mesmo sempre tendo sido muito amada durante toda aquela vida, sua família nunca a procurou outra vez.
A mulher busca explicações lógicas, que não sejam tão dolorosas quanto as que ela estava pensando, não poderia suportar que talvez só tivesse sido renegada, que havia decepcionado tanto as pessoas que sempre significaram o mundo para ela. Mas é então quando uma imagem parece travar em sua mente.
Dandara fecha os olhos, mas mesmo assim continua enxergando o rosto daquela mulher, a imagem de Michaela. E é quando Dandara se dá conta de que aquela mulher poderia ser mais implacável do que ela imaginava. Que talvez, durante todo aquele tempo, Michaela estivesse envenenando a sua família, por trás de cada mínima coisa que envolvesse a sua vida.
Dandara não poderia negar aquela revelação, porque ela sentia que ao reviver, também nasceu com ela o dom de ler as pessoas, de desvendar as auras obscuras e perigosas, e toda vez que Dandara parava para pensar em Michaela, aquela névoa, a sensação nociva tomava conta dela.
— Está muito longe daqui? — aquela voz que fazia tudo dentro de Dandara vibrar a chamou de volta.
No mesmo momento, Dandara foi puxada para o presente, porque aquela voz ainda soava atrás dela, e mesmo assim, ela não se virou para ver de quem se tratava, porque a voz firme e ao mesmo tempo aveludada e lasciva quanto o pecado já lhe era familiar.
— O que quer dizer? — ela pergunta, ainda de costas, porque não pretende deixá-lo ver a maneira que o seu peito subia e descia, a respiração ofegante.
Isso sempre ocorria. Cada maldito momento em que ele estivesse por perto.
— Sua mente. — Ele diz simplesmente. — Está em qualquer lugar, menos aqui.
Dandara não responde. Não pretende dizer que ele estava certo e muito menos lhe dar explicações do lugar sombrio onde estavam suas memórias.
Quando Paco não obteve nenhuma resposta, ele decide por fim informar a verdadeira razão de ter voltado até ela.
— Entre em casa. — Ele anuncia e no mesmo momento em que Dandara se vira para perguntar por que faria isso, ele se afasta.
Ela o xinga mentalmente, odiando o seu modo gélido de agir. Contudo, sua curiosidade foi maior e então ela segue em direção a sua casa. Mas no momento em que seus pés pisam no assoalho de mármore da colossal sala de jantar, ela é reivindicada.
— Dandara, me siga até o escritório. — é a voz firme do seu pai, que a deixa momentaneamente em alerta. — Temos algo importante para retratar.
Ela engole em seco, temendo que toda a verdade sobre ela tivesse sido descoberta.
Quando a respiração de Dandara finalmente se estabilizou, ela levantou o queixo, estufou o peito com confiança e seguiu até o escritório do seu pai. Assim que entrou no cômodo, avistou seu pai já sentado por trás da ampla mesa, coberta de documentos e com o conjunto de suas canetas de ouro, como um bom colecionador que era. — Pai. — ela fala, por fim, chamando sua atenção. — Estou aqui. Do que precisa? O homem assentiu freneticamente, mas levantou as mãos, pedindo que ela esperasse enquanto buscava algo no meio da confusão em sua mesa. Dandara o observa, desconfiada, enquanto se aproxima até sentar-se nas altas cadeiras de couro frente ao seu pai. Dandara respira aliviada, entretanto, porque percebe que pela tranquilidade no rosto do seu pai, que o seu segredo ainda estava a salvo. A pressão que sentia em seu peito ao guardar tudo aquilo, misturado com a confusão de ainda não compreender tudo que aconteceu com ela até aquele momento, deixava os seus nervos à flor da pele. — En
Dandara está paralisada, enquanto sua única reação é analisar o documento que agora parecia imóvel em suas mãos, pelo modo como elas tremiam. Quando os olhos de Dandara param naquele documento de licitação de modo minucioso, novamente aquela sensação a toma. Dandara sente aquela pontada em sua memória outra vez, seguindo direto ao seu coração. Aquela sensação familiar a atinge fortemente, a fazendo desequilibrar ao ponto em que ela precisa se apoiar na mesa, seu coração se comprime no peito, anunciando um presságio gélido que corre em suas veias. Dandara sabe o que irá acontecer no instante seguinte, porque bem naquele momento, ela volta no tempo, em sua vida antiga e mesmo que agora tudo fosse diferente, as lembranças a engolem viva. A mulher então, assiste a memória de sua vida, como se fosse apenas uma espectadora, que sentia profundamente cada detalhe. Ela estava deitada nos braços de Curtis, e bem ali, sente-se segura e sabe que não existia perigo porque ela estava junto ao
Dandara ainda tentava disseminar as palavras cobertas de ego que saíram dos lábios de Paco. Ela se sentia desafiada pelo seu jogo narcisista ao pensar que ele teria algum poder para afeta-la daquele modo. Era óbvio que o seu coração batia acelerado, que a sua respiração estava ofegante, e o seu corpo está tão colado ao dela, ao ponto em que podia sentir as formas dos seus músculos sob a camisa, o seu hálito quente queimando em sua pele, mas nada disso fazia o seu coração bater fortemente, mas sim, a raiva que sentia. Dandara se sentia bêbada em sua própria dor, ainda cega pela raiva que parecia pinicar em toda sua pele. Principalmente, onde as mãos de Paco a tocavam. E por isso, Dandara se liberta dos seus braços, e o afasta, abruptamente. — Caso você não entenda de biologia básica, o meu coração está batendo pelo simples fato de eu estar viva. — Ela diz, com a voz extremamente fria e séria. O tom baixo, quase um sussurro aveludado sobre o ouvido de Paco. — Em nada tem a ver pela f
Dandara ainda sente o seu sangue fervilhar ao ver aquele homem parado no meio do seu quarto. A mulher realmente pensa em chamar os seguranças e relatar aquele invasor, no entanto, ela sente que se agisse daquele modo poderia demonstrar a Paco que ele a afetava, de algum modo. Mesmo que aquilo fosse uma absoluta mentira, porque ele não tinha nenhum poder sobre ela, Dandara pensou consigo mesma. Antes que Dandara possa responder aquele homem, ela encontra Paco sorrindo para ela, dentro de uma piada interna e sem graça. Ela continua mantendo contato visual, mas a sua expressão não era nem um pouco amigável, totalmente alheia aquele homem. Mas pouco a pouco, ela podia sentir os seus batimentos se regulando e a calmaria a libertando da tortura daquele pesadelo. — Você quer sair daqui? — Paco pergunta de repente. Dandara o encara, confusa, e mesmo não querendo nenhuma proximidade com aquele homem, ela não consegue recusar a ideia de sair daquela casa, porque aquele lugar e suas lemb
Dandara não teve tempo de responder o comentário ambíguo de Paco, mesmo que ela já soubesse a resposta. Paco jamais teria vindo de um lugar como aquele, pois o conhecia desde a infância, assim como sabia que o nome da sua família valia ouro, mesmo de gerações atrás. Paco havia acabado de relatar todos os privilégios que Dandara carregava ao ter nascido em uma família rica, esquecendo-se de citar de suas próprias regalias ao nascer em um berço de ouro. — Ambos sabemos que... — Dandara tentou falar, no entanto foi interrompida. Um barulho alto surgiu na janela do carro, um estrondo que a fez pular no assento, assustada e nervosa sobre o que aquilo poderia ser, principalmente em um local como aquele no meio da noite. Paco estava alheio aquela reação, porque ele sorria. — O que está fazendo? — Dandara arfou quando o viu descer o vidro da janela e começou a abrir a porta do carro. Naquele momento, Dandara pensou que iria morrer pela segunda vez, no entanto, todo o seu receio foi
— Do que está falando? – Dandara arfou no exato momento que aquelas palavras cruéis saíram dos lábios de Paco. Ela estava confusa e indignada com aquela insinuação. Paco apenas respirou fundo e levou os olhos para o alto, parecendo exasperado. — Eles estão em uma favela, Dandara, e se alguém souber que eles contam com muito dinheiro, isso atrairá pessoas perigosas. – Ele responde, por fim. Ao ouvir aquelas palavras, Dandara assentiu lentamente, sabendo que aquilo fazia sentido. Porque mesmo que Dandara não vivesse em uma favela, o fato dela ter muito dinheiro também atraiu pessoas perigosas até ela. E naquele instante, ela percebe o que estava na sua frente o tempo todo. Quanto mais riqueza acumulasse, mais gente perigosa iria atrair. Mais pessoas gananciosas iriam rondar ao seu redor, até chegar ao ponto de matá-la, assim como aconteceu em sua primeira vida. Essa revelação a faz cambalear um pouco, extremamente apavorada. — Você está bem? — Paco perguntou em seguida, pr
Assim que os primeiros raios do sol apareceram na janela, Dandara já estava de pé. A mulher realmente estava decidida em tomar as rédeas da sua vida, e sabia que aquele dia seria o escolhido para mudar a sua realidade. Mesmo não tendo conseguido dormir pelo resto da noite, ela estava bem desperta. E após um longo e quente banho, ela resolveu sair do seu quarto. Vestida em um terninho preto e elegante, desceu as escadas e apenas parou quando chegou na sala de jantar. Dandara não se deu conta que sentia tanta falta daquelas manhãs, até ver a sua família ali reunida. Os seus pais tomavam café animadamente, mesmo que um intruso também estivesse ali. — Bom dia! — Dandara saudou, sentando-se a mesa. — Bom dia, querida! — seus pais responderam com ânimo. Ela sorriu levemente quando Paco em sua frente apenas assentiu de volta, um sorriso também presente em seu rosto. — Estávamos conversando, Dandara... — Elizabeth começou, com uma intenção oculta em seu tom. — Queríamos saber
O peito de Dandara sobe e desce freneticamente, sua respiração ofegante a trai, revelando o quão afetada estava por aquela visita. Não era como se ainda se sentisse abalada pelo Curtis, ou como se aquele homem ainda obtivesse algum poder sobre ela. No entanto, existe uma explicação cientifica para o modo como Dandara se sentia naquele momento: o coração disparado, a pressão aumentando. Isso ocorre quando alguém sente raiva e naquele momento, isso é tudo que ela sente. — Onde está minha mãe? — Dandara pergunta a Zélia, ainda encarando a porta da mansão trancada. — A senhora Elizabeth saiu. Disse que iria tratar dos preparativos para o seu casamento. — A empregada responde. No mesmo instante, Dandara revira os olhos, porque o tema casamento era o menor dos seus problemas agora. No entanto, se sente aliviada, porque se sua mãe visse o Curtis ali, em seu espaço, ela poderia ter um colapso. — Tudo bem. — Dandara diz, por fim. E dizendo isso, ela começou a andar em frente, i