— Talvez eu morra essa noite, Zélia. – Sussurro. – É uma linda noite para morrer, você não acha?
A mulher apenas nega com a cabeça, provavelmente cansada de todos os meus comentários mórbidos, mas daquela vez era diferente.Sinto o ar queimando enquanto entra em meus pulmões. Ainda que sinta frio em meu corpo todo, o suor atravessa os lençóis da cama a qual estou deitada. É noite e a brisa noturna balança as cortinas da janela e eu tento me concentrar naquele movimento na esperança de parar de sentir a dor que ameaça parar o meu coração. E apesar de me sentir assim, existe algo no mais profundo do meu coração que me dá esperança. Sei que preciso lutar, porque a vida ainda me reservava coisas incríveis, mesmo no meio de tanta dor.O som da televisão chama a minha atenção e eu sigo o seu olhar para a tela, apenas para sentir meu sangue gelar.— As indústrias LeBlanc realiza hoje a festa anual de fundação de 50 anos da empresa. — Um jornalista informa em frente a enorme mansão que aparece iluminadas com luzes fluorescentes demais. — Atualmente a família LeBlanc é responsável pelo alto crescimento econômico da história do país...Fecho os olhos enquanto ainda escuto aquelas palavras rodando em minha cabeça, me forçando a não me deixar ser invadida pelas memórias, mas eu já não tinha tanta força assim para resistir a qualquer coisa. Dias definhando em uma cama não me fortaleceram. Ouvir relatos da minha família daquele modo era impessoal demais, como se eu já não tivesse vivido as mais lindas memórias ao lado deles.— A senhora sente falta? — a voz da minha empregada chega aos meus ouvidos.— Nem um pouco. — Murmuro, a voz fraca. — Uma família de verdade não te banirá e te tratará como se você não existisse só porque você não fez algo que eles não queriam que fizesse.— Mas a senhora perdeu tudo. Não se arrepende? — ela insiste.— Às vezes vale a pena perder tudo por amor. — Eu sussurro e tento sorrir, mas isso não dura.No mesmo instante sou acometida por uma forte crise de tosse, mais uma. Zélia me estica um lenço branco e levo aos lábios, abafando aquela tosse. Quando finalmente afasto aquele tecido, estou arfando ao observá-lo completamente rubro.Levanto meu olhar para Zélia, e vejo o medo cintilar em seus olhos. O arrepio em minha espinha retorna, e era como se pudesse sentir a morte a minha espreita.— Por favor, chame o meu marido. — Peço em um sussurro coberto de amargura.— Sim, senhorita LeBlanc. — No mesmo instante ela sai correndo.O modo que ela diz o meu nome me faz jogar a cabeça no travesseiro e repensar como foi a minha vida. Como cresci em um lar feliz e rico de modo colossal, porque eu era a única herdeira das indústrias LeBlanc, mas aquele título me foi tirado quando me apaixonei de maneira irreversível por Curtis. Um homem pobre.Ainda estou com os olhos fechados, porque mesmo que o quarto esteja a meia luz, a claridade ainda arde em minhas retinas. Ouço um barulho na porta e passos pesados no assoalho do quarto.— Curtis, é você? — pergunto e tento sentar em minha cama.Pela penumbra só consigo visualizar uma silhueta e rapidamente me dou conta de que não é o meu marido.— Quem está aí? — pergunto, ficando em alerta.A figura em minha frente finalmente se revela e vejo que se trata de uma mulher. Era alta, os cabelos escuros como uma noite sem luar, a pele pálida, os lábios pintados de vermelho que sorriam largamente para mim, me encarando de cima enquanto estou deitada naquela cama.— A grande Dandara LeBlanc! — ela finalmente fala e se senta na cadeira onde minha empregada estava minutos antes, cruza as pernas e vejo o seu salto alto.— Quem é você? O que faz aqui? — pergunto, e odeio a fraqueza em minha voz.Estou desnorteada. Sinto o peito pegar fogo, o gosto amargo me invadindo pela cólera de ter uma estranha em meu quarto.Ela apenas sorri e j**a os longos cabelos longos para trás, e nesse mesmo instante os meus olhos pararam nos brincos em suas orelhas. Os diamantes que cintilavam, os diamantes que me pertenciam.— Onde está o meu marido? — indago e olho para os lados, buscando qualquer coisa com a qual pudesse me defender.Ela apenas sorri outra vez.— Soube que você perdeu a criança. — Ela comenta, cruel e friamente.As lágrimas tentam descer dos meus olhos, uma dor que estilhaça a minha alma. Sentia o vazio doloroso em meu ventre, uma escuridão eterna em meu ser, um buraco no meu coração no lugar que deveria ter sido ocupado pelo meu bebê. Isso era um adeus que eu me recusava a dar.— Como sabe que... — minha voz sai como um sussurro.Apenas eu e Curtis sabíamos da minha gravidez a não ser que...E então, como peças de um dominó tudo começa a encaixar em minha cabeça, e eu simplesmente não queria aceitar aquela verdade. Os brincos que estavam em suas orelhas eu havia oferecido a Curtis para que ele pudesse os manter em um lugar seguro porque aquilo iria nos garantir ao menos dois anos sem precisar se preocupar com dinheiro.— Vejo que mesmo moribunda você ainda consegue ser inteligente. — A voz da mulher encheu o quarto.Eu não podia acreditar no que tudo aquilo significava. Curtis me traía, me enganara enquanto eu definhava em uma cama por meses a fio.— Quero que saia daqui. — Tento gritar e me levantar.Ela fica em pé no mesmo instante, me impedindo e está sorrindo quando tira um pequeno frasco do bolso do seu vestido. Ela abre lentamente e o cheiro me invade as narinas. Sinto meu estômago se revolver. O mesmo cheiro do chá que Curtis fez para mim duas semanas antes, duas semanas antes de sofrer um aborto espontâneo.— Vocês armaram tudo. — Sussurro quando a clareza me abraça com mais força. — Você... O Curtis... — pisco e minhas lágrimas descem, a raiva e decepção me embriagam.— Finalmente você entendeu tudo. — Ela pisca os olhos escuros para mim. — Agora você precisa continuar tomando o seu chá...Ela imediatamente tenta forçar aquele frasco sobre os meus lábios, a revelação anterior e a minha doença me deixam ainda mais fraca que não tenho força para lutar contra o líquido que cai em meus lábios. Grito quando ela se afasta, de dor, raiva e medo.— Eu estou fazendo um favor a você. — Ela diz gentilmente. — Ninguém jamais amará você, apenas o seu dinheiro. Estou te libertando desse fardo.Ouço a sua gargalhada cortando a noite e bem assim, ela sai desfilando do meu quarto. Tentei levantar, sair da cama e segui-la, mas tudo que consegui foi cair no chão gelado daquele quarto, enquanto sentia o meu pulmão queimando, a fraqueza querendo me vencer e a dor da decepção e traição rasgar o meu peito.Outra crise de tosse me atinge, e dessa vez, eu sabia que era o fim. Me sinto sufocada com o meu próprio sangue enquanto sinto e posso ver a minha vida se esvair sobre mim. Sangue jorra dos meus lábios e como um mal presságio o vento forte consegue abrir as minhas janelas, e uma tempestade começa a cair, encharcando a minha camisola branca enquanto agonizo naquele chão. Os trovões explodem em meu ouvido, o frio me enforca, grito alto, mas ninguém escuta.Quando olho em frente vejo a tv ligada, assisto a imagem da minha antiga casa, dos meus pais e de toda a vida que renunciei por um amor que jamais existiu. Sinto a culpa me engolindo bem ali, a sensação letal de ódio me tomando por completa porque acabei de perceber que a minha família iria perder tudo por minha causa. Sinto a raiva envenenando cada átomo do meu corpo, me enforcando.E bem ali, antes que o meu último suspiro fosse arrancado de mim, eu prometi, com a força dos relâmpagos e da chuva que caía lá fora e me atingia:— Eu voltarei e me vingarei. Vocês irão passar o resto da vida se arrependendo de terem cruzado o meu caminho. Isso não é uma promessa; é uma maldição.A primeira coisa que sinto é a forte pressão em meu peito. O mundo que havia se escurecido ao meu redor foi se iluminando até que vi o rosto familiar de Zélia. E é quando percebo que estou de volta a vida. — Graças a Deus! — é a voz de Zélia, e quando abro os olhos, a vejo tirando as mãos do meu coração. — Você estava morta... — murmura ela. Sua voz está estrangulada, seus olhos me encaram arregalados, enquanto eu me sento com as mãos no meu coração. As palavras que saem da boca de Zélia me deixam desnorteada, porque nada daquilo fazia sentido. Me vejo tentando resolver os enigmas por trás daquela informação, mas tudo que consigo é ficar ainda mais confusa. O que ela diz segue rodando em minha cabeça, e antes que eu possa reagir, percebo que toda a minha dificuldade para respirar havia ido embora, como se nunca tivesse existido. Levantei-me daquela cama, mas sem a fraqueza que me dominava antes. Ciente do olhar de Zélia sobre mim enquanto eu caminho até a janela, vejo a tempe
Volto até onde minha mãe permanecia em pé, me avaliando dos pés à cabeça até o momento que parei em seu lado. — Quem era aquela mulher? — é a primeira coisa que me pergunta. Respiro fundo, liberando o meu corpo de qualquer tensão e pego uma taça de champanhe que o garçom equilibra em uma bandeja ao passar por mim. Apenas olho para minha mãe e sorrio. — Não era ninguém. Minha mãe não parece convencida e me observa, desconfiada. Eu sabia que deveria ser mais paciente e provavelmente mais expressiva porque ela não conhecia a nova Dandara que estava em sua frente, na verdade, eu ainda estava me descobrindo também. — E ele? — ela resmunga baixinho e sei que se refere a Curtis. — Tão irrelevante quanto. — disse simplesmente. — Não há razão para se preocupar, mãe. Os nossos seguranças já receberam minhas ordens. Ela assente lentamente, e acaba cedendo de sua insistência. — Você está realmente diferente, Dandara. — Ela murmura. Sorrio de volta e levo minha taça aos lábi
Dandara encara Paco, demonstrando sua desconfiança pela revelação que acabara de sair dos seus lábios. Os dois seguem naquela pista de dança e enquanto Paco guia os passos da mulher de acordo com a melodia, ele a observa. Paco a puxa para mais perto, o suficiente para sentir seu perfume inebriante. — Não me segure assim. — murmurou ela, e Paco percebeu que a segurava com mais força do que o necessário, e então diminuiu o aperto em sua cintura e sorriu ao vê-la corar. — Quem irá se casar? — questiona, mesmo que em seu íntimo, ela já saiba a resposta da sua indagação. Paco ainda se sente instigado a observá-la, os seus lábios estavam pintados do tom mais escarlate de vermelho e estão entreabertos, os seus cabelos negros caem como ondas sobre os seus ombros, roçando na palma da mão do homem que a guia de acordo com a música. Naquele instante, Paco a gira ao som dos violinos, e ver os seus cabelos negros voando ao seu redor, uma cortina negra que a cobria, deixando seu aroma
Paco ainda ponderava a proposta de Dandara em sua mente. Estavam seguindo para uma terceira dança, quando foram interrompidos. O segurança que horas antes atendeu as ordens da mulher, estava em sua frente e de modo imediato, Dandara se afastou de Paco, atendendo ao homem que claramente gostaria de falar com ela. Dandara sempre fora muito atenciosa com seus ajudantes, não o viam como empregados, mas sim como pessoas que estavam ali apenas para a ajudar. A justiça e bondade sempre fizera parte de seus valores de vida. — Com licença, senhor Benrouissi – ela disse, antes de se afastar e não esperou a resposta da sua pergunta anterior. Quando se aproximou do segurança, a mulher perguntou: — Aconteceu algo? O homem atrás do paletó negro e bem engomado apenas negou, antes de informar: — Fiz o que pediu, senhorita LeBlanc. Aquela mulher já está fora da festa, no entanto, ainda segue ao redor da mansão. Aquela notícia fez Dandara franzir o cenho, se perguntando por que e como a
No mesmo instante, Dandara sente mãos sobre sua boca, abafando o grito de susto que provavelmente sairia dos seus lábios. Braços fortes a seguram com firmeza, e a puxa para longe dos olhares. Quando Michaela e Curtis se viram, se dão conta de que já não existia mais ninguém ali. Dandara, no entanto, não se sente aliviada enquanto é arrastada daquele modo, e ela só consegue finalmente respirar quando ver quem está a frente e que a segurava tão firme agora. Com a respiração ofegante, ela encara Paco, que mantem os seus olhos presos nela, tentando desvendar tantas perguntas que giravam em sua mente ao olhá-la. — O que você fez? — Dandara perguntou, sentindo-se grata pela intervenção do Paco. — Você precisava de mim. — é tudo que ele diz, e não entra em mais nenhum detalhe. Quando Dandara volta a observá-lo percebe que ele a encara fixamente, e o olha desconfiado porque ele indica um caminho para Dandara seguir em frente. Dandara quase o entrega uma resposta petulante, no entant
Assim que aquele toldo caiu no chão, o barulho ensurdecedor que o causou, chamou atenção de todos a volta. Em questões de segundo, um grupo de curiosos se espreitaram até naquela cena, buscando descobrir o que aconteceu. — Oi – uma mulher parou bem na frente de Dandara e Paco, com a respiração ofegante. — Vocês estão bem? Alguém que estava por perto se machucou? Dandara olhou ao seu redor, buscando alguém que talvez pudesse estar por perto no momento em que aquilo caiu, segundos antes dela salvar Paco de alguma tragédia, mas não havia ninguém ali que pudesse ter presenciado aquela cena, e ela quase respira fundo de alívio. — Estamos bem. — Ela responde, por fim. — Ninguém se machucou. Em seguida, aquela mulher se afastou de Paco e de Dandara e se juntou ao grupo que se amontoava. No mesmo instante, os dois começaram a seguir em frente, indo em direção oposta àquela confusão. Enquanto andavam, Dandara não poderia evitar se sentir inquieta ao perceber o silêncio inquietante q
Assim que aquela pergunta sai dos lábios de Dandara, mesmo tentando não admitir, Paco não tem opção além de olhar em seus olhos e ser honesto. Se perguntou o porquê hesitou, e sobretudo porque cedeu. Ele era um homem afinal, mentir estava em seu DNA. Mesmo assim, quando ele abriu a boca, tudo que Dandara pode ouvir foram verdades. — Não tenho direito a herança. Quando diz isso, Dandara o encara fixamente, porque as peças em sua cabeça começam a fazer sentido, por fim. Porque Dandara já era escolhida como herdeira da família, e naquele instante, ela percebe que o padrão de toda a história de sua família estava se repetindo, e dessa vez, ela era a principal responsável para fazer tudo aquilo durar. Mesmo tendo sobre os seus ombros dezenas de responsabilidades desde que reviveu, ela ainda se sentia grata. — A Michaela não sabia disso. — Paco diz de repente, roubando a atenção de Michaela. — Ela acreditava que eu era herdeiro, e se casando comigo, ela iria substituir o seu lugar e
Quando a respiração de Dandara finalmente se estabilizou, ela levantou o queixo, estufou o peito com confiança e seguiu até o escritório do seu pai. Assim que entrou no cômodo, avistou seu pai já sentado por trás da ampla mesa, coberta de documentos e com o conjunto de suas canetas de ouro, como um bom colecionador que era. — Pai. — ela fala, por fim, chamando sua atenção. — Estou aqui. Do que precisa? O homem assentiu freneticamente, mas levantou as mãos, pedindo que ela esperasse enquanto buscava algo no meio da confusão em sua mesa. Dandara o observa, desconfiada, enquanto se aproxima até sentar-se nas altas cadeiras de couro frente ao seu pai. Dandara respira aliviada, entretanto, porque percebe que pela tranquilidade no rosto do seu pai, que o seu segredo ainda estava a salvo. A pressão que sentia em seu peito ao guardar tudo aquilo, misturado com a confusão de ainda não compreender tudo que aconteceu com ela até aquele momento, deixava os seus nervos à flor da pele. — En