Elana sorriu de forma melancólica, porém aliviada de ter alguém que realmente se importe com ela.
O telefone continuava tocando incessantemente, deixando Elana irritada.
— Quem é? — Isabella pergunta, ao ver a amiga soltar o aparelho pela terceira vez.
— Sei lá. É restrito. Provavelmente aquele imbecil do Michael ligando para me perturbar.
Isabella bufou, pegou o telefone de Elana e atendeu sem hesitar.
— Olha aqui, seu cretino! A Elana não quer falar com você! Some da vida dela, seu desgraçado! Eu juro que se você continuar ligando, eu mesma vou aí te socar até você se arrepender de ter nascido!
Os olhos de Isabella se arregalam, quando ela ouve a voz do outro lado da linha. Com um sorriso sem graça, ela estica o telefone para Elana.
— Não é o Michael.
Elana franziu a testa, pegando o telefone hesitante.
— Alô?
Uma voz masculina, firme e profissional, soou do outro lado.
— Boa noite, senhora Elana. Meu nome é Antony Shell, sou advogado da família Kingsley. Preciso falar com você sobre Eilen Kingsley.
Elana sentiu o coração acelerar. Sua mãe. A mulher com quem não falava há anos.
— O que tem minha mãe?
O advogado fez uma pausa antes de responder.
— Sinto muito informá-la, mas sua mãe faleceu. Precisamos discutir assuntos legais urgentes.
O telefone quase escorregou das mãos de Elana. Ela piscou várias vezes, tentando absorver a informação. Morta? Sua mãe estava morta?
Isabella se aproximou, preocupada.
— Elana? O que foi?
Elana engoliu em seco, sua voz saindo num sussurro trêmulo.
— Minha mãe morreu.
O silêncio tomou conta do ambiente. Isabella cobriu a boca com a mão, surpresa.
O advogado continuou.
— Sei que isso deve ser um choque, mas há algo que você precisa saber. Sua mãe deixou tudo para você.
Elana fechou os olhos, sentindo o peso dessas palavras desmoronar sobre si. A casa onde cresceu, as lembranças dolorosas, tudo voltando como um soco no estômago.
— Herança?
— Sim, senhora Lewis. Bem, eu não sei se você sabia, mas todo dinheiro que sua mãe tinha guardado no banco, foi usado para quitar algumas das várias dívidas que ela adquiriu na vida.
— Então... que tudo é esse que ela me deixou? — Elana questiona, com uma risada triste. — As roupas velhas? A gata empalhada que ficava sobre a lareira? Sem falar as lembranças horríveis que carrego até hoje.
— A propriedade, senhora. Sua mãe deixou a casa para você.
Elana sentiu um nó na garganta. Ela não sabia se estava pronta para isso. Mas a verdade era que, depois de perder tudo, aquela casa era a única coisa que lhe restava.
[...]
O ar estava carregado com o cheiro de terra úmida e grama recém-cortada. O bairro, um típico subúrbio de ruas largas e arborizadas, parecia exatamente como Elana se lembrava. Casas simples, mas bem cuidadas, cercadas por jardins floridos e cercas baixas. Algumas bicicletas estavam jogadas nos quintais, um cachorro latia ao longe e o som distante de uma bola quicando no asfalto ecoava na manhã silenciosa.
Elana permaneceu imóvel na calçada, o coração batendo forte dentro do peito. Seus olhos se fixaram na casa à sua frente, a mesma em que cresceu, mas que agora parecia estranha, como se pertencesse a outra vida. A fachada azul-claro ainda tinha as mesmas janelas com cortinas brancas rendadas, mas a pintura estava gasta, descascando em alguns pontos. A porta da frente, de madeira escura, exibia marcas do tempo. A varanda, onde ela costumava sentar-se e sonhar com um futuro longe dali, continuava a mesma, mas sem vida.
Ela engoliu em seco, sentindo o peso das lembranças que se infiltravam em sua mente. O som da voz de sua mãe chamando seu nome, os gritos das brigas, as noites em que se trancava no quarto para fugir do caos que aquela casa abrigava. Cada centímetro daquele lugar carregava um pedaço de sua história, e agora, de alguma forma, aquilo pertencia a ela.
O vento soprou de leve, fazendo os galhos das árvores se agitarem e trazendo consigo um arrepio à pele de Elana. Ela não queria estar ali. Nunca pensou que um dia voltaria, muito menos assim, sozinha e cheia de incertezas. Seu olhar se desviou para o lado e encontrou a casa vizinha, onde a velha Mary costumava varrer a calçada todas as manhãs. Agora, as janelas estavam fechadas, e a varanda vazia. O tempo havia seguido seu curso ali também.
Inspirando fundo, ela deu o primeiro passo em direção ao portão, que rangeu em protesto ao ser empurrado. O barulho fez seu peito apertar, como se estivesse violando algo que deveria permanecer intocado. Mas era tarde para recuar.
Com a escritura e as chaves em mãos, Elana cruzou o pequeno jardim da frente, onde a grama crescia de forma desigual. Pequenas flores ainda tentavam sobreviver em meio às folhas secas que se acumulavam nos canteiros. Seu olhar vagou pelo espaço, reconhecendo cada detalhe e ao mesmo tempo sentindo que aquele lugar não lhe pertencia mais. Parando diante da porta, passou os dedos pela madeira áspera antes de inserir a chave na fechadura. A maçaneta girou com um leve estalo, e a porta se abriu com um rangido baixo. O cheiro do interior da casa a atingiu imediatamente: um misto de poeira, madeira envelhecida e um perfume distante que lhe era estranhamente familiar. O coração de Elana deu um salto no peito. Ela entrou hesitante, os passos ecoando no piso de madeira. A sala ainda tinha os mesmos móveis, embora cobertos por lençóis brancos que acumulavam poeira. O sofá, onde sua mãe costumava sentar-se com uma xícara de chá, estava no mesmo lugar. A estante de livros ainda exibia os mesmos
Agora, anos depois, ela segurava aquela mesma carta em suas mãos. As palavras, ainda tão vívidas, traziam de volta um passado que ela tentou esquecer. Com a respiração entrecortada, ela deslizou os dedos pelo papel amarelado, sentindo as lágrimas arderem em seus olhos. [...]Elana ainda segurava as cartas nas mãos quando algo lhe chamou a atenção. No fundo da pequena caixa metálica, havia um amarrado de cartas diferente dos outros. O papel amarelado pelo tempo estava preso por uma fita vermelha desbotada, e o nome "Gabriel" fora escrito à mão na parte superior da primeira folha. Seu coração acelerou. Gabriel. Seu melhor amigo de infância e adolescência. A única pessoa que a fizera sentir que não estava completamente sozinha naquele mundo. Seus dedos deslizaram pela fita antes de desfazê-la com cuidado. Dentro daquele maço de cartas, escondiam-se palavras que ela nunca teve coragem de dizer em voz alta. Com um suspiro trêmulo, Elana puxou uma das cartas e começou a ler. “Meu querid
No meio do caminho, avistou um pequeno mercadinho de bairro. Sem pensar muito, entrou. As prateleiras eram estreitas, os produtos amontoados de maneira quase desorganizada, mas nada disso importava. Caminhou até a sessão de bebidas e pegou duas garrafas de vinho barato. O atendente, um senhor de idade com óculos grandes e uma expressão cansada, lançou-lhe um olhar de curiosidade, mas nada disse. Elana pagou rapidamente e saiu dali. Ao chegar em casa, trancou a porta e foi direto até a cozinha. Abriu os armários antigos, vasculhou as prateleiras cobertas de poeira, mas não encontrou uma única taça. Frustrada, soltou um suspiro exasperado e bateu a porta do armário com força. Pegou uma das garrafas e, sem paciência para cerimônias, girou a rolha e bebeu direto do gargalo. O vinho desceu forte, queimando sua garganta e aquecendo seu peito. Com o tempo, os goles se tornaram mais frequentes, e a sensação de torpor começou a tomar conta de seu corpo. A primeira garrafa estava pela metade
Elana pisca algumas vezes, a cabeça virando com tanta informação. — Sim... eu... eu morava em Detroit, mas agora estou em Nova Iorque..., mas, espera. Editora Buzzy? Seu chefe? — Sim, senhora Kingsley. — a voz de Alice soava profissional, mas com um entusiasmo contido. — A Editora Buzzy tem interesse em autores com um apelo emocional forte e uma base de leitores engajados. Seu vídeo chamou a atenção do nosso diretor editorial, e ele pediu para entrarmos em contato o mais rápido possível. Elana piscou, tentando absorver aquelas palavras. Seu coração parecia querer escapar do peito. — Vocês querem... falar comigo? Sobre um livro? — Exatamente. Seu vídeo demonstra uma narrativa intensa e autêntica, algo que buscamos. Meu chefe gostaria de agendar uma reunião para discutir possibilidades. Se a senhora estiver disponível, podemos organizar um encontro ainda hoje. Elana engoliu em seco. Ainda estava processando a ideia de que, de um dia para o outro, havia ganhado dezenas de milhares
O elevador se abriu, interrompendo seus pensamentos. O andar era moderno, decorado com livros e quadros de capas de best-sellers. O logo da Buzzy estampado na parede parecia sorrir para ela de forma quase irônica. — Elana Lewis? — chamou uma voz feminina e em seguida deu um pigarro. — Kingsley. Elana virou-se e encontrou uma mulher de cabelo curto e loiro platinado, bem-vestida e com um sorriso profissional. — Sou Alice Montclair. — a mulher estendeu a mão. — Seja bem-vinda à Buzzy. — Elana apertou a mão de Alice rapidamente e em seguida a secou na própria roupa. — Meu chefe a está esperando. Venha comigo, por favor. Elana seguiu a mulher, sentindo o coração bater tão forte que parecia ecoar pelo corredor. Seus passos soavam amortecidos sob o tapete elegante, e tudo ao redor parecia irreal. Como poderia sua vida ter mudado tanto da noite para o dia? Alice parou diante de uma porta de madeira escura, bateu de leve e girou a maçaneta. — Elana Kingsley já chegou. Elana respirou f
Ela mordeu o lábio, contendo as lágrimas que insistiam em se formar. Sabia que não podia desmoronar ali. Não na frente dele. Gabriel respirou fundo, endireitando-se na cadeira. Pegou uma pasta preta sobre a mesa e a empurrou lentamente na direção de Elana. — O contrato. — disse ele, sem emoção. — Já está pré-aprovado pela Buzzy, mas tem uma cláusula adicional que eu exigi. Elana arqueou as sobrancelhas, desconfiada. — Cláusula adicional? — repetiu, sem conseguir esconder o nervosismo. Eles sequer conversaram e já há um contrato. — Sim. — Gabriel cruzou os braços. — Eu quero total supervisão editorial. Toda e qualquer linha, cena ou capítulo vai passar por mim antes de ser aprovado. Inclusive as temáticas e o tom geral dos livros. Elana piscou, sem acreditar no que ouvia. — Isso não é normal... você quer censurar minha história? — Quero garantir que o material atenda aos interesses da editora. — disse ele, frio. — E, honestamente, evitar que certas... emoções pessoais — ele lan
Seguiu até a pequena mesa no canto da sala, abriu seu notebook antigo e, com dedos ainda trêmulos, criou um novo documento. Respirou fundo, e então digitou: “CAPÍTULO UM” Por um instante, ficou olhando para aquelas duas palavras. Era simples, mas era um começo. E, dessa vez, seria por ela, não por Gabriel ou pela Buzzy. Seria pela menina que, anos atrás, sonhava em escrever as próprias histórias. Pegou o celular e, sem pensar demais, tirou uma foto da tela. Em segundos, postou no Instagram com uma legenda simples, mas que carregava tudo o que sentia: "Novidades a caminho." O celular vibrou novamente. Curtidas instantâneas. Um sorriso, pequeno e tímido, surgiu em seu rosto. Mas, antes que pudesse se deixar levar pela animação, três batidas firmes na porta interromperam o momento. O som seco na velha madeira fez Elana saltar da cadeira, o coração disparando. Ainda admirando, quase hipnotizada, os números que cresciam em sua rede social, ela caminhou hesitante até a porta. Sua men
— Eu... — sua voz falhou, e ela precisou fechar os olhos por um instante. Quando os abriu, estavam cheios de firmeza. — Não. Eu não quero o seu dinheiro, Gabriel. Nem seu contrato. — Você pode fingir o quanto quiser, Elana. Mas está recusando mais do que dinheiro. Ela se manteve firme. — Prefiro recusar agora a me arrepender depois. Pode sair. Ele demorou um segundo, analisando-a de cima a baixo, como se quisesse decorar a imagem. Então ajeitou o paletó e saiu, sem dizer mais nada. Quando a porta se fechou, Elana respirou fundo e só então percebeu o quanto estava tremendo. [...] — Você só pode ter ficado doida. — Isabella grunhe do outro lado da tela. — TREZENTOS MIL DÓLARES! ELANA! O celular de Elana estava apoiado na garrafa de vinho, com a imagem de Isabella a encarando como se fosse uma louca, enquanto ela segurava o bolo de cartas que escreveu para Gabriel anos atrás com uma mão e na outra uma taça cheia de vinho. — Eu não quero o dinheiro dele, Isa. — Elana rebateu, be