Com a escritura e as chaves em mãos, Elana cruzou o pequeno jardim da frente, onde a grama crescia de forma desigual. Pequenas flores ainda tentavam sobreviver em meio às folhas secas que se acumulavam nos canteiros. Seu olhar vagou pelo espaço, reconhecendo cada detalhe e ao mesmo tempo sentindo que aquele lugar não lhe pertencia mais.
Parando diante da porta, passou os dedos pela madeira áspera antes de inserir a chave na fechadura. A maçaneta girou com um leve estalo, e a porta se abriu com um rangido baixo. O cheiro do interior da casa a atingiu imediatamente: um misto de poeira, madeira envelhecida e um perfume distante que lhe era estranhamente familiar. O coração de Elana deu um salto no peito.
Ela entrou hesitante, os passos ecoando no piso de madeira. A sala ainda tinha os mesmos móveis, embora cobertos por lençóis brancos que acumulavam poeira. O sofá, onde sua mãe costumava sentar-se com uma xícara de chá, estava no mesmo lugar. A estante de livros ainda exibia os mesmos volumes antigos, alguns com lombadas desbotadas pelo tempo.
Elana caminhou lentamente até o centro da sala, tirando um dos lençóis que cobriam a poltrona próxima à janela. Passou os dedos pela superfície do tecido, sentindo a textura desgastada. Seu olhar percorreu o ambiente, parando na escada que levava ao andar de cima. O peso das lembranças era esmagador.
Engolindo em seco, ela continuou explorando. Na cozinha, os armários estavam fechados, mas ela sabia exatamente o que encontraria dentro deles. Copos antigos, pratos que resistiram ao tempo, e talvez até algum resquício da última refeição feita ali antes da casa ser abandonada. Passou os olhos pelo pequeno relógio na parede, parado em um horário indefinido, como se o tempo tivesse congelado junto com aquela casa.
Subindo os degraus rangentes da escada, Elana se encontrou diante da porta de seu antigo quarto. Sua mão tremeu levemente ao girar a maçaneta. O quarto era um reflexo do passado: os pôsteres desbotados nas paredes, a cama ainda feita com o mesmo cobertor floral e a escrivaninha onde ela costumava escrever seus sonhos em cadernos, agora amarelados pelo tempo.
Determinada a tornar aquele espaço habitável, ela começou a arrumar a casa. Retirou os lençóis que cobriam os móveis, abriu as janelas para deixar o ar fresco entrar e varreu o chão coberto de poeira. A cada objeto movido, uma nova lembrança emergia, algumas dolorosas, outras quase esquecidas.
Ao subir para o sótão carregando algumas caixas, Elana sentiu o cheiro de madeira antiga e papel envelhecido. A luz fraca que entrava pela pequena janela empoeirada iluminava os móveis velhos e as pilhas de objetos guardados por anos.
Foi quando seus olhos encontraram uma caixa de papelão encostada no canto, com seu nome escrito em letras trêmulas. Seu coração acelerou. Com as mãos trêmulas, ela puxou a caixa para mais perto e a abriu. Dentro, entre fotos e lembranças do passado, havia uma pequena caixa de metal trancada com um cadeado.
Elana sabia exatamente o que tinha dentro daquela caixa e onde ficava a chave para abri-la. Ela desceu as escadas apressadamente até o seu quarto e tirou um quadro da parede. Atrás dele, preso com um pedaço de fita, estava a chave.
Com o coração acelerado, ela encaixou a chave no cadeado e o abriu com um clique suave. A tampa rangeu ao ser levantada, revelando um amontoado de cartas, todas cuidadosamente amarradas com um pedaço de barbante desbotado. Suas mãos tremeram ao pegar a primeira delas, reconhecendo sua própria caligrafia.
O som de vidro se estilhaçando ecoou pela casa, seguido por gritos furiosos. Elana, ainda criança, se encolheu no canto do quarto, segurando um travesseiro contra o peito. O barulho vinha da cozinha, onde seus pais discutiam mais uma vez. O tom áspero da voz do seu pai fazia sua pele arrepiar, enquanto sua mãe rebatia com palavras carregadas de dor e exaustão.
— Você nunca está aqui! Nunca! — a voz da mãe era embargada, como se estivesse segurando o choro.
— E quando eu estou, você só reclama! Talvez eu devesse mesmo ficar longe! — o pai rebateu, e um estrondo fez Elana imaginar que algo grande havia sido derrubado.
Elana apertou os olhos, desejando que tudo desaparecesse. Ela odiava aquelas brigas, odiava como sua casa parecia um campo de batalha. Foi então que ela pegou um pedaço de papel e uma caneta e começou a escrever. Escreveu sobre seu medo, sua tristeza, seu desejo de ter uma família que não vivesse em guerra. Cada palavra era um pedaço do seu coração partido derramado no papel.
Quando a discussão finalmente cessou, Elana se levantou, dobrando cuidadosamente a carta. Ela nunca mostrou a ninguém. Apenas a escondeu, como se pudesse selar seus sentimentos longe da realidade cruel.
Agora, anos depois, ela segurava aquela mesma carta em suas mãos. As palavras, ainda tão vívidas, traziam de volta um passado que ela tentou esquecer. Com a respiração entrecortada, ela deslizou os dedos pelo papel amarelado, sentindo as lágrimas arderem em seus olhos. [...]Elana ainda segurava as cartas nas mãos quando algo lhe chamou a atenção. No fundo da pequena caixa metálica, havia um amarrado de cartas diferente dos outros. O papel amarelado pelo tempo estava preso por uma fita vermelha desbotada, e o nome "Gabriel" fora escrito à mão na parte superior da primeira folha. Seu coração acelerou. Gabriel. Seu melhor amigo de infância e adolescência. A única pessoa que a fizera sentir que não estava completamente sozinha naquele mundo. Seus dedos deslizaram pela fita antes de desfazê-la com cuidado. Dentro daquele maço de cartas, escondiam-se palavras que ela nunca teve coragem de dizer em voz alta. Com um suspiro trêmulo, Elana puxou uma das cartas e começou a ler. “Meu querid
No meio do caminho, avistou um pequeno mercadinho de bairro. Sem pensar muito, entrou. As prateleiras eram estreitas, os produtos amontoados de maneira quase desorganizada, mas nada disso importava. Caminhou até a sessão de bebidas e pegou duas garrafas de vinho barato. O atendente, um senhor de idade com óculos grandes e uma expressão cansada, lançou-lhe um olhar de curiosidade, mas nada disse. Elana pagou rapidamente e saiu dali. Ao chegar em casa, trancou a porta e foi direto até a cozinha. Abriu os armários antigos, vasculhou as prateleiras cobertas de poeira, mas não encontrou uma única taça. Frustrada, soltou um suspiro exasperado e bateu a porta do armário com força. Pegou uma das garrafas e, sem paciência para cerimônias, girou a rolha e bebeu direto do gargalo. O vinho desceu forte, queimando sua garganta e aquecendo seu peito. Com o tempo, os goles se tornaram mais frequentes, e a sensação de torpor começou a tomar conta de seu corpo. A primeira garrafa estava pela metade
Elana pisca algumas vezes, a cabeça virando com tanta informação. — Sim... eu... eu morava em Detroit, mas agora estou em Nova Iorque..., mas, espera. Editora Buzzy? Seu chefe? — Sim, senhora Kingsley. — a voz de Alice soava profissional, mas com um entusiasmo contido. — A Editora Buzzy tem interesse em autores com um apelo emocional forte e uma base de leitores engajados. Seu vídeo chamou a atenção do nosso diretor editorial, e ele pediu para entrarmos em contato o mais rápido possível. Elana piscou, tentando absorver aquelas palavras. Seu coração parecia querer escapar do peito. — Vocês querem... falar comigo? Sobre um livro? — Exatamente. Seu vídeo demonstra uma narrativa intensa e autêntica, algo que buscamos. Meu chefe gostaria de agendar uma reunião para discutir possibilidades. Se a senhora estiver disponível, podemos organizar um encontro ainda hoje. Elana engoliu em seco. Ainda estava processando a ideia de que, de um dia para o outro, havia ganhado dezenas de milhares
O elevador se abriu, interrompendo seus pensamentos. O andar era moderno, decorado com livros e quadros de capas de best-sellers. O logo da Buzzy estampado na parede parecia sorrir para ela de forma quase irônica. — Elana Lewis? — chamou uma voz feminina e em seguida deu um pigarro. — Kingsley. Elana virou-se e encontrou uma mulher de cabelo curto e loiro platinado, bem-vestida e com um sorriso profissional. — Sou Alice Montclair. — a mulher estendeu a mão. — Seja bem-vinda à Buzzy. — Elana apertou a mão de Alice rapidamente e em seguida a secou na própria roupa. — Meu chefe a está esperando. Venha comigo, por favor. Elana seguiu a mulher, sentindo o coração bater tão forte que parecia ecoar pelo corredor. Seus passos soavam amortecidos sob o tapete elegante, e tudo ao redor parecia irreal. Como poderia sua vida ter mudado tanto da noite para o dia? Alice parou diante de uma porta de madeira escura, bateu de leve e girou a maçaneta. — Elana Kingsley já chegou. Elana respirou f
Ela mordeu o lábio, contendo as lágrimas que insistiam em se formar. Sabia que não podia desmoronar ali. Não na frente dele. Gabriel respirou fundo, endireitando-se na cadeira. Pegou uma pasta preta sobre a mesa e a empurrou lentamente na direção de Elana. — O contrato. — disse ele, sem emoção. — Já está pré-aprovado pela Buzzy, mas tem uma cláusula adicional que eu exigi. Elana arqueou as sobrancelhas, desconfiada. — Cláusula adicional? — repetiu, sem conseguir esconder o nervosismo. Eles sequer conversaram e já há um contrato. — Sim. — Gabriel cruzou os braços. — Eu quero total supervisão editorial. Toda e qualquer linha, cena ou capítulo vai passar por mim antes de ser aprovado. Inclusive as temáticas e o tom geral dos livros. Elana piscou, sem acreditar no que ouvia. — Isso não é normal... você quer censurar minha história? — Quero garantir que o material atenda aos interesses da editora. — disse ele, frio. — E, honestamente, evitar que certas... emoções pessoais — ele lan
Seguiu até a pequena mesa no canto da sala, abriu seu notebook antigo e, com dedos ainda trêmulos, criou um novo documento. Respirou fundo, e então digitou: “CAPÍTULO UM” Por um instante, ficou olhando para aquelas duas palavras. Era simples, mas era um começo. E, dessa vez, seria por ela, não por Gabriel ou pela Buzzy. Seria pela menina que, anos atrás, sonhava em escrever as próprias histórias. Pegou o celular e, sem pensar demais, tirou uma foto da tela. Em segundos, postou no Instagram com uma legenda simples, mas que carregava tudo o que sentia: "Novidades a caminho." O celular vibrou novamente. Curtidas instantâneas. Um sorriso, pequeno e tímido, surgiu em seu rosto. Mas, antes que pudesse se deixar levar pela animação, três batidas firmes na porta interromperam o momento. O som seco na velha madeira fez Elana saltar da cadeira, o coração disparando. Ainda admirando, quase hipnotizada, os números que cresciam em sua rede social, ela caminhou hesitante até a porta. Sua men
— Eu... — sua voz falhou, e ela precisou fechar os olhos por um instante. Quando os abriu, estavam cheios de firmeza. — Não. Eu não quero o seu dinheiro, Gabriel. Nem seu contrato. — Você pode fingir o quanto quiser, Elana. Mas está recusando mais do que dinheiro. Ela se manteve firme. — Prefiro recusar agora a me arrepender depois. Pode sair. Ele demorou um segundo, analisando-a de cima a baixo, como se quisesse decorar a imagem. Então ajeitou o paletó e saiu, sem dizer mais nada. Quando a porta se fechou, Elana respirou fundo e só então percebeu o quanto estava tremendo. [...] — Você só pode ter ficado doida. — Isabella grunhe do outro lado da tela. — TREZENTOS MIL DÓLARES! ELANA! O celular de Elana estava apoiado na garrafa de vinho, com a imagem de Isabella a encarando como se fosse uma louca, enquanto ela segurava o bolo de cartas que escreveu para Gabriel anos atrás com uma mão e na outra uma taça cheia de vinho. — Eu não quero o dinheiro dele, Isa. — Elana rebateu, be
Decidida a sair um pouco de casa para respirar, pegou a bolsa e foi até o mercado da esquina. Não precisava de nada específico, mas andar pelos corredores gelados parecia um bom plano. Elana estava colocando uma garrafa de café no carrinho quando ouviu uma voz exageradamente surpresa atrás dela. — Meu Deus, Elana Kingsley? Ela se virou devagar, já sentindo um arrepio incômodo subir pela espinha. Sophie Miller. Os anos haviam sido generosos com ela. O cabelo loiro continuava sedoso, os olhos azuis mantinham aquele brilho avaliador de sempre, e o sorriso… ah, o sorriso continuava carregado da mesma malícia disfarçada que Elana lembrava muito bem. — Uau! — Sophie exclamou, olhando-a de cima a baixo. — Nunca pensei que fosse te encontrar aqui. Está visitando alguém? Elana respirou fundo, tentando manter a calma. — Na verdade, me mudei para cá. Definitivamente. O sorriso de Sophie vacilou por um segundo antes de se tornar ainda mais doce. — Ah… É mesmo? — Sim. — Interessante. —