No meio do caminho, avistou um pequeno mercadinho de bairro. Sem pensar muito, entrou. As prateleiras eram estreitas, os produtos amontoados de maneira quase desorganizada, mas nada disso importava. Caminhou até a sessão de bebidas e pegou duas garrafas de vinho barato. O atendente, um senhor de idade com óculos grandes e uma expressão cansada, lançou-lhe um olhar de curiosidade, mas nada disse. Elana pagou rapidamente e saiu dali.
Ao chegar em casa, trancou a porta e foi direto até a cozinha. Abriu os armários antigos, vasculhou as prateleiras cobertas de poeira, mas não encontrou uma única taça. Frustrada, soltou um suspiro exasperado e bateu a porta do armário com força. Pegou uma das garrafas e, sem paciência para cerimônias, girou a rolha e bebeu direto do gargalo. O vinho desceu forte, queimando sua garganta e aquecendo seu peito.
Com o tempo, os goles se tornaram mais frequentes, e a sensação de torpor começou a tomar conta de seu corpo. A primeira garrafa estava pela metade quando Elana se jogou no sofá, sentindo-se tonta e chorosa. As cartas que encontrara no sótão estavam espalhadas sobre a mesa, lembranças de um amor que nunca teve coragem de confessar.
Impulsivamente, pegou o celular e começou a gravar um vídeo curto. Passou a câmera lentamente sobre as cartas abertas, os papéis amarelados pelo tempo, cada um deles carregando palavras que nunca foram lidas por quem deveriam. Seu coração batia descompassado enquanto gravava o início de cada carta, os primeiros traços de sentimentos escritos por uma Elana mais jovem e ingênua.
Depois de alguns minutos, sem pensar muito, abriu seu I*******m profissional. Contava com míseros setecentos seguidores, a maioria deles estranhos que ocasionalmente interagiam com seus textos e desabafos. Ainda assim, publicou o vídeo com uma legenda curta e carregada de emoção:
"Onde tudo começou. Obrigada, meu sol, por me apresentar à escrita. Eu escrevo desde que me entendo por gente, despejando sentimentos em palavras como se fosse a única maneira de existir. Mas, por algum motivo, o mundo nunca pareceu interessado no que eu tinha a dizer. Sonhei tantas vezes com o sucesso, em ver meus livros ganhando espaço, sendo lidos, mudando vidas. Mas talvez algumas histórias sejam apenas para nós mesmos. Talvez algumas cartas nunca devam ser enviadas."
Ela hesitou por um momento, depois apertou o botão de publicar. O vídeo foi ao ar, e ela jogou o celular ao lado, afundando-se no sofá. Com um suspiro pesado, tomou mais um longo gole do vinho, sentindo o calor do álcool e das memórias a envolverem por completo.
[...]
A dor de cabeça latejava como se alguém estivesse batendo um martelo dentro de seu crânio. Elana gemeu, puxando o cobertor sobre o rosto para bloquear a luz incômoda que invadia a sala. Seu estômago revirava, e sua boca estava seca como areia.
O toque insistente do celular a fez soltar um grunhido irritado. O som ecoava em sua mente como um alarme de incêndio.
Ainda confusa e com os olhos semicerrados, ela tateou o sofá até encontrar o aparelho. Quando a tela acendeu, a primeira coisa que viu foram as incontáveis notificações. Seu coração pulou uma batida.
50.2K seguidores.
O número pareceu piscando em sua frente. Elana piscou algumas vezes, tentando ter certeza de que não estava delirando por causa da ressaca. Mas não. Era real. Seu I*******m, que até ontem tinha meros setecentos seguidores, agora acumulava milhares.
Ela deslizou os olhos pelas notificações. Centenas de curtidas, comentários, compartilhamentos. O vídeo das cartas havia explodido. Pessoas comentavam sobre a emoção nas palavras, sobre como se identificavam com aquela dor silenciosa. Alguns diziam que estavam ansiosos para ler mais sobre sua história, outros pediam o nome de seus livros.
Elana engoliu em seco, sentindo uma onda de pânico misturada com euforia.
Entre as notificações, havia dezenas de chamadas perdidas de Isabella, sua melhor amiga. E um número desconhecido.
O telefone voltou a vibrar em suas mãos, fazendo-a estremecer. Era o mesmo número estranho. Seu coração acelerou.
Respirando fundo, ela hesitou por um instante antes de deslizar o dedo na tela e atender.
— Alô? — Sua voz saiu rouca, embargada pela ressaca e pela confusão.
— Elana Lewis?
— É Kingsley agora.
— Desculpe, senhora. Eu sou Alice Montclair. — a mulher se apresenta. — Sou da editora Buzzy. Meu chefe viu a sua postagem no I*******m e achou promissora. A senhora reside em Nova Iorque? Ou próximo?
Elana pisca algumas vezes, a cabeça virando com tanta informação. — Sim... eu... eu morava em Detroit, mas agora estou em Nova Iorque..., mas, espera. Editora Buzzy? Seu chefe? — Sim, senhora Kingsley. — a voz de Alice soava profissional, mas com um entusiasmo contido. — A Editora Buzzy tem interesse em autores com um apelo emocional forte e uma base de leitores engajados. Seu vídeo chamou a atenção do nosso diretor editorial, e ele pediu para entrarmos em contato o mais rápido possível. Elana piscou, tentando absorver aquelas palavras. Seu coração parecia querer escapar do peito. — Vocês querem... falar comigo? Sobre um livro? — Exatamente. Seu vídeo demonstra uma narrativa intensa e autêntica, algo que buscamos. Meu chefe gostaria de agendar uma reunião para discutir possibilidades. Se a senhora estiver disponível, podemos organizar um encontro ainda hoje. Elana engoliu em seco. Ainda estava processando a ideia de que, de um dia para o outro, havia ganhado dezenas de milhares
O elevador se abriu, interrompendo seus pensamentos. O andar era moderno, decorado com livros e quadros de capas de best-sellers. O logo da Buzzy estampado na parede parecia sorrir para ela de forma quase irônica. — Elana Lewis? — chamou uma voz feminina e em seguida deu um pigarro. — Kingsley. Elana virou-se e encontrou uma mulher de cabelo curto e loiro platinado, bem-vestida e com um sorriso profissional. — Sou Alice Montclair. — a mulher estendeu a mão. — Seja bem-vinda à Buzzy. — Elana apertou a mão de Alice rapidamente e em seguida a secou na própria roupa. — Meu chefe a está esperando. Venha comigo, por favor. Elana seguiu a mulher, sentindo o coração bater tão forte que parecia ecoar pelo corredor. Seus passos soavam amortecidos sob o tapete elegante, e tudo ao redor parecia irreal. Como poderia sua vida ter mudado tanto da noite para o dia? Alice parou diante de uma porta de madeira escura, bateu de leve e girou a maçaneta. — Elana Kingsley já chegou. Elana respirou f
Ela mordeu o lábio, contendo as lágrimas que insistiam em se formar. Sabia que não podia desmoronar ali. Não na frente dele. Gabriel respirou fundo, endireitando-se na cadeira. Pegou uma pasta preta sobre a mesa e a empurrou lentamente na direção de Elana. — O contrato. — disse ele, sem emoção. — Já está pré-aprovado pela Buzzy, mas tem uma cláusula adicional que eu exigi. Elana arqueou as sobrancelhas, desconfiada. — Cláusula adicional? — repetiu, sem conseguir esconder o nervosismo. Eles sequer conversaram e já há um contrato. — Sim. — Gabriel cruzou os braços. — Eu quero total supervisão editorial. Toda e qualquer linha, cena ou capítulo vai passar por mim antes de ser aprovado. Inclusive as temáticas e o tom geral dos livros. Elana piscou, sem acreditar no que ouvia. — Isso não é normal... você quer censurar minha história? — Quero garantir que o material atenda aos interesses da editora. — disse ele, frio. — E, honestamente, evitar que certas... emoções pessoais — ele lan
Seguiu até a pequena mesa no canto da sala, abriu seu notebook antigo e, com dedos ainda trêmulos, criou um novo documento. Respirou fundo, e então digitou: “CAPÍTULO UM” Por um instante, ficou olhando para aquelas duas palavras. Era simples, mas era um começo. E, dessa vez, seria por ela, não por Gabriel ou pela Buzzy. Seria pela menina que, anos atrás, sonhava em escrever as próprias histórias. Pegou o celular e, sem pensar demais, tirou uma foto da tela. Em segundos, postou no Instagram com uma legenda simples, mas que carregava tudo o que sentia: "Novidades a caminho." O celular vibrou novamente. Curtidas instantâneas. Um sorriso, pequeno e tímido, surgiu em seu rosto. Mas, antes que pudesse se deixar levar pela animação, três batidas firmes na porta interromperam o momento. O som seco na velha madeira fez Elana saltar da cadeira, o coração disparando. Ainda admirando, quase hipnotizada, os números que cresciam em sua rede social, ela caminhou hesitante até a porta. Sua men
— Eu... — sua voz falhou, e ela precisou fechar os olhos por um instante. Quando os abriu, estavam cheios de firmeza. — Não. Eu não quero o seu dinheiro, Gabriel. Nem seu contrato. — Você pode fingir o quanto quiser, Elana. Mas está recusando mais do que dinheiro. Ela se manteve firme. — Prefiro recusar agora a me arrepender depois. Pode sair. Ele demorou um segundo, analisando-a de cima a baixo, como se quisesse decorar a imagem. Então ajeitou o paletó e saiu, sem dizer mais nada. Quando a porta se fechou, Elana respirou fundo e só então percebeu o quanto estava tremendo. [...] — Você só pode ter ficado doida. — Isabella grunhe do outro lado da tela. — TREZENTOS MIL DÓLARES! ELANA! O celular de Elana estava apoiado na garrafa de vinho, com a imagem de Isabella a encarando como se fosse uma louca, enquanto ela segurava o bolo de cartas que escreveu para Gabriel anos atrás com uma mão e na outra uma taça cheia de vinho. — Eu não quero o dinheiro dele, Isa. — Elana rebateu, be
Decidida a sair um pouco de casa para respirar, pegou a bolsa e foi até o mercado da esquina. Não precisava de nada específico, mas andar pelos corredores gelados parecia um bom plano. Elana estava colocando uma garrafa de café no carrinho quando ouviu uma voz exageradamente surpresa atrás dela. — Meu Deus, Elana Kingsley? Ela se virou devagar, já sentindo um arrepio incômodo subir pela espinha. Sophie Miller. Os anos haviam sido generosos com ela. O cabelo loiro continuava sedoso, os olhos azuis mantinham aquele brilho avaliador de sempre, e o sorriso… ah, o sorriso continuava carregado da mesma malícia disfarçada que Elana lembrava muito bem. — Uau! — Sophie exclamou, olhando-a de cima a baixo. — Nunca pensei que fosse te encontrar aqui. Está visitando alguém? Elana respirou fundo, tentando manter a calma. — Na verdade, me mudei para cá. Definitivamente. O sorriso de Sophie vacilou por um segundo antes de se tornar ainda mais doce. — Ah… É mesmo? — Sim. — Interessante. —
Mas agora era diferente. A mulher refletida no vidro escuro da entrada não era a mesma menina que se encolhia nos corredores, evitando olhares e sussurros. Desta vez, ela estava impecável. O vestido preto, justo na medida certa, abraçava suas curvas com elegância. O tecido suave deslizava até seus joelhos, e a fenda lateral revelava um vislumbre ousado de pele. O blazer estruturado em um tom caramelo equilibrava a sensualidade do vestido com um toque de sofisticação. Nos pés, saltos finos a faziam caminhar com firmeza, cada passo um lembrete de que não era mais a garota assustada de antes. Seu cabelo caía em ondas perfeitas sobre os ombros, um brilho sedoso refletindo sob as luzes artificiais do colégio. A maquiagem estava impecável: olhos marcados com um esfumado sutil, lábios pintados de vermelho profundo. Um contraste provocante contra sua pele iluminada. Nada ali era acidental. Ela queria ser vista. Queria ser lembrada. Inspirou fundo e endireitou os ombros antes de dar o prime
Sophie abriu a boca para retrucar, mas foi interrompida por uma voz animada chamando seu nome do outro lado da quadra. Ela respirou fundo, ajeitou o cabelo e lançou um último olhar para Elana. — Bem, eu vou... Um burburinho começou a se fazer presente por toda a quadra. O barulho inclusive ultrapassava o volume da música que tocava. Elana e Sophie viraram para a mesma direção em que toda a quadra olhavam. — Quem é ele? — Sophie murmura. Gabriel. Ele caminhava pelo espaço com uma postura relaxada, mas havia algo nele que fazia com que todos olhassem. Talvez fosse o terno bem cortado, o cabelo perfeitamente alinhado ou a confiança que parecia emanar dele sem esforço. Os cochichos se espalharam como fogo. — Ele parece famoso… — alguém comentou. — Eu conheço esse rosto de algum lugar… — Meu Deus, ele é aquele empresário? O homem dos negócios milionários? Elana sentiu um arrepio subir pela espinha quando Sophie apertou o braço do namorado, arregalando os olhos. — Espera… — a lo