Flavia Monteiro
Entrei em casa com um sorriso que quase não cabia no rosto. Meus passos eram leves, e eu praticamente flutuava pela sala. Ah, finalmente! Finalmente as coisas estavam se ajeitando. Há anos eu esperava por isso, e agora o destino finalmente nos estendia a mão.
— Valentina! — chamei animada, largando a bolsa sobre o sofá.
Minha filha apareceu descendo as escadas com aquele ar preguiçoso, enrolada em um robe de seda rosa. Ela se espreguiçou como se tivesse acabado de acordar, mesmo sendo quase cinco da tarde.
— Que foi, mãe? — Valentina perguntou, jogando-se no sofá.
— Eu consegui! — apontei para ela com um dedo trêmulo de empolgação. — Estamos salvas, minha filha. Não vamos mais depender das migalhas que a Pamela j**a pra gente!
Os olhos de Valentina se arregalaram, e ela pulou do sofá em um pulo só.
— O quê? Como assim?
Agarrei as mãos dela, apertando-as com força.
— Você vai se casar, minha querida. E não é com qualquer um. Você vai se tornar uma Belmont!
— O QUÊ?! — Valentina quase gritou, levando as mãos à boca. Seus olhos brilharam de excitação. — Espera… com qual deles?
Eu ri, ajeitando meu cabelo e me sentando com toda a elegância que pude reunir.
— Claro que com o mais velho.
— O Caleb?! — Ela quase deu um salto de felicidade. — Ai, mãe, eu não acredito! Ele é maravilhoso! Rico, lindo, um verdadeiro sonho.
— Sim, sim, ele mesmo! — concordei, embora internamente eu estivesse torcendo para que essa parte do acordo realmente se concretizasse.
Valentina girava pela sala, abraçando o próprio corpo como se já estivesse vestida de noiva.
— Eu sabia que nasci pra isso! Mãe, nós conseguimos!
Eu assenti, rindo, mas então dei uma leve tossida e me levantei, mexendo nas almofadas do sofá para não encará-la.
— Quer dizer… eu acho.
Ela parou de dançar na mesma hora, estreitando os olhos para mim.
— Como assim acha?
— Bem… — mordi o lábio, escolhendo bem as palavras. — Ainda não está tudo certo. Eu marquei um encontro seu com um dos filhos dos Belmonts em quatro dias. Você vai ter que ir e verificar.
— Verificar?
— Sim. — Encolhi os ombros, me fazendo de desentendida. — Só pra garantir que é o Caleb.
Ela piscou, cruzando os braços.
— E se não for?
— Ora, não seja boba. Claro que vai ser! — Forcei um sorriso. — Mas, de qualquer forma, é melhor você ir.
Valentina ponderou por um instante e depois deu de ombros.
— Tudo bem. Quatro dias, então.
Ela se jogou no sofá novamente, sorrindo para o teto, e eu não pude deixar de pensar que, se tudo corresse bem, estaríamos muito, muito longe daquela vida de privações em breve.
****
Caleb
Eu estava no escritório da mansão Belmont, revisando os relatórios da última reunião quando ouvi batidas firmes na porta. Sem levantar os olhos, já sabia quem era.
— Entra, pai.
Bernardo Belmont entrou com a imponência de sempre, vestindo um terno impecável mesmo dentro de casa. Meu pai nunca deixava de lado a formalidade. Caminhou até a poltrona em frente à minha mesa e se sentou, cruzando as pernas com calma.
— Precisamos conversar, Caleb.
Suspirei, largando os papéis na mesa. Já sabia o tom daquela conversa.
— Estou ocupado, pai. Podemos deixar pra depois?
— Não. — Ele bateu o punho contra o braço da poltrona. — Isso não pode esperar.
Me inclinei na cadeira, massageando as têmporas.
— Certo. Fale logo.
— Você vai se casar.
Fiquei em silêncio por um momento, encarando meu pai. Depois soltei uma risada seca.
— Não, eu não vou.
Bernardo se inclinou um pouco para frente, os olhos estreitados.
— Já selei um acordo de casamento com os Monteiros.
Eu o encarei, sem acreditar no que estava ouvindo.
— O quê?
— Você ouviu bem. — Ele manteve a calma, como se estivesse discutindo a previsão do tempo. — Você vai se casar com uma das filhas dos Monteiros.
Bati a mão na mesa, me levantando.
— Pai, você não pode simplesmente arranjar um casamento pra mim!
— Não só posso, como já fiz.
Eu caminhei pelo escritório, tentando processar aquilo.
— Isso é ridículo. Estamos no século 21. Casamento arranjado?
Bernardo apenas observava, impassível.
— Não quero saber de suas reclamações, Caleb. Eu quero um neto. E você vai me dar um.
— E se eu disser que não vou?
Ele sorriu de lado, com aquele ar autoritário que sempre me irritava.
— Se você não fizer isso, pode dar adeus à herança. A tudo.
Parei de andar, me virando lentamente para ele.
— Você está me chantageando?
— Não chamo de chantagem. Chamo de motivação.
Cruzei os braços, encarando meu pai diretamente.
— Prefiro ficar sem nada a me casar com uma desconhecida.
Por um momento, achei que Bernardo fosse explodir, mas ele apenas respirou fundo. Quando abriu a boca para responder, algo estranho aconteceu.
Ele levou a mão ao peito, o rosto perdendo um pouco da cor.
— Pai?
Bernardo balançou a cabeça, tentando se recompor, mas logo ficou visivelmente tonto.
— Estou bem.
Ele tentou se levantar, mas as pernas falharam, e ele afundou de volta na poltrona.
— Pai!
Corri até ele, ajoelhando ao seu lado.
— O que você está sentindo?
— É… só um mal-estar…
Não acreditei em uma palavra. Corri até a porta do escritório, abrindo-a com força.
— Alguém ajuda aqui!
Um dos mordomos apareceu quase instantaneamente.
— Chame o médico. Agora!
O mordomo assentiu e saiu apressado. Voltei para o lado do meu pai, segurando seu ombro.
— Vai ficar tudo bem, pai.
Ele apenas fechou os olhos, respirando fundo. A ideia de vê-lo tão vulnerável mexeu comigo de um jeito que eu não esperava.
Caleb A vista da sacada do hotel era magnífica, mas eu mal conseguia prestar atenção. Estava a trabalho em Londres, lidando com investidores, mas minha cabeça não saía de São Paulo. Mais especificamente, daquela conversa com meu pai.Meu celular vibrava em cima da mesa. Peguei o aparelho, esperando que fosse uma mensagem de algum dos diretores, mas era apenas um lembrete irritante. Encontro com a Srta. Monteiro – 20h.Suspirei, esfregando o rosto.— Droga...Eu não tinha tempo para voltar a tempo desse encontro. E para ser sincero, não estava com a mínima vontade de ir.A ideia de conhecer minha futura esposa por meio de um contrato arranjado parecia absurda. Mas se eu faltasse, sabia que Bernardo usaria isso contra mim. Ele estava louco para me empurrar essa responsabilidade.Foi então que uma ideia estúpida — e talvez genial — me ocorreu.Rolei os contatos do celular até o nome do meu irmão. Liguei, e ele atendeu no terceiro toque.— Caleb?— Nicolas. Preciso de um favor.— Hum… I
PamelaCheguei em casa exausta. O salto alto parecia mais cruel hoje, talvez porque eu tenha passado boa parte do dia andando de um lado para o outro no escritório, tentando ignorar o fato de que meus olhos insistiam em buscar Caleb Belmont. Era frustrante. Um homem como ele não deveria existir no ambiente de trabalho. Eu larguei minha bolsa no sofá e me joguei na cadeira da mesa de jantar, sentindo meus ombros caírem. O escritório, sem ele, parecia vazio, sem graça. Apenas pilhas de papéis, reuniões intermináveis e aquela máquina de café que parecia cuspir água suja em vez de café de verdade. Mas, quando Caleb estava lá, tudo ganhava um brilho diferente — ou talvez fosse só o jeito que ele usava aqueles ternos perfeitamente ajustados. — Preciso parar com isso — murmurei, balançando a cabeça enquanto me levantava. Fui para a cozinha e comecei a preparar algo simples. Ninguém ia fazer isso por mim. Flávia e Valentina não mexiam um dedo sequer. A diarista limpava, mas não cozinhav
PamelaSentei-me à minha mesa no escritório, a cabeça cheia de pensamentos que não me deixavam concentrar no trabalho. A pilha de documentos à minha frente parecia uma montanha intransponível. Meu olhar vagava pelas letras sem realmente processá-las. Tudo o que ecoava na minha mente eram as palavras de Flávia da noite anterior: "Nos salve da ruína."Suspirei, sentindo o peso da decisão que parecia inevitável.— Droga — murmurei para mim mesma, girando a caneta entre os dedos. — Vou ter que me casar.A realidade da situação era tão absurda que quase dava vontade de rir. "Casar para salvar a família", parecia algo saído de um romance barato, não da minha vida real.E com quem? Com Nicolas Belmont. Um garoto. Ele era mais novo que eu e, de todas as pessoas no mundo, seria meu futuro marido.Passei a mão pelo rosto, frustrada. Pensar nisso fazia tudo parecer ainda mais surreal. A pior parte? Ser cunhada de Caleb Belmont.Caleb.Deixei a caneta cair sobre a mesa e me encostei na cadeira. U
PamelaA vida tem uma maneira engraçada de me lembrar todos os dias de que eu não sou a protagonista de um conto de fadas. Meu príncipe encantado usa terno sob medida, tem olhos que parecem decifrar a alma de qualquer um e um jeito arrogante que me faz querer socá-lo… ou beijá-lo.Caleb Belmont. O homem que me tira do sério em todos os sentidos possíveis.Trabalho para ele há três anos. Três longos anos como sua secretária pessoal, lidando com as exigências mais absurdas que já vi. Ele não perde uma oportunidade de me testar, de me colocar à prova, como se estivesse esperando o dia em que eu finalmente surtaria e jogaria meu crachá na cara dele. Só que, para sua infelicidade — e a minha — eu não fiz isso. Preciso desse emprego, e essa é a verdade.Mas o problema real não é o trabalho exaustivo, as horas extras ou o fato de que ele mal me dirige um “bom dia” direito. O problema é o jeito como meu coração parece correr uma maratona cada vez que ele passa por mim. Odiá-lo deveria ser fác
PamelaEra final de tarde quando ouvi a voz de Caleb me chamando do escritório dele. Eu já estava me preparando para ir embora, mas, claro, ele tinha outros planos. — Pamela, preciso que você venha aqui. Vamos revisar os balancetes do trimestre. Suspirei, recolhendo minhas coisas da mesa antes de seguir até sua sala. — Isso vai demorar? — perguntei, com um tom casual, mas já sabendo a resposta. — Provavelmente a noite toda — ele respondeu sem desviar os olhos dos papéis. Ótimo. Lá se ia meu plano de voltar para casa, tomar um banho quente e me distrair com qualquer coisa que não envolvesse números ou Caleb Belmont. Mas a verdade? A verdade é que uma parte de mim queria exatamente aquilo. Ficar presa naquele escritório com ele, sozinhos, até tarde. Meu coração disparava só de pensar em passar mais algumas horas ao lado dele, mesmo que fosse para trabalhar. Infelizmente, o que eu queria de verdade — uma noite com meu chefe, mas não revisando balancetes — não estava nos pla
Caleb O sol entrava pelas janelas enormes da sala de jantar, iluminando a mesa impecavelmente arrumada. O aroma do café fresco se misturava com o cheiro de pão recém-saído do forno e frutas cortadas. A mesa estava farta, como sempre. Meu pai não gostava de nada menos que isso. Bernardo Belmont estava sentado na ponta da mesa, ereto, como se mesmo no café da manhã estivesse presidindo uma reunião. Ele tinha 68 anos, mas sua presença impunha respeito. Alto, de ombros largos, cabelos grisalhos penteados para trás e uma barba bem aparada. O terno claro que ele vestia parecia recém-saído da alfaiataria, e os sapatos brilhavam tanto que refletiam a luz do sol. Até no café da manhã, ele se recusava a relaxar. — Um homem que não cuida da própria aparência está fadado ao fracasso — ele costumava dizer. Minha mãe, Vitória Belmont, estava sentada à direita dele, parecendo deslocada em uma cena que já havia testemunhado inúmeras vezes. Apesar dos mais de sessenta anos, ela parecia não ter