Caleb
A vista da sacada do hotel era magnífica, mas eu mal conseguia prestar atenção. Estava a trabalho em Londres, lidando com investidores, mas minha cabeça não saía de São Paulo. Mais especificamente, daquela conversa com meu pai. Meu celular vibrava em cima da mesa. Peguei o aparelho, esperando que fosse uma mensagem de algum dos diretores, mas era apenas um lembrete irritante. Encontro com a Srta. Monteiro – 20h. Suspirei, esfregando o rosto. — Droga... Eu não tinha tempo para voltar a tempo desse encontro. E para ser sincero, não estava com a mínima vontade de ir. A ideia de conhecer minha futura esposa por meio de um contrato arranjado parecia absurda. Mas se eu faltasse, sabia que Bernardo usaria isso contra mim. Ele estava louco para me empurrar essa responsabilidade. Foi então que uma ideia estúpida — e talvez genial — me ocorreu. Rolei os contatos do celular até o nome do meu irmão. Liguei, e ele atendeu no terceiro toque. — Caleb? — Nicolas. Preciso de um favor. — Hum… Isso nunca é bom. — A voz dele soou hesitante. — O que foi? Me joguei na cadeira e estiquei as pernas, encarando o teto. — Lembra do acordo ridículo que o pai fez? O casamento arranjado? — Lembro. — Ele riu do outro lado. — Você ainda tá fugindo disso? — Sim. E agora preciso que você vá no meu lugar. — O quê?! Afastei o telefone do ouvido com a reação dele. — Não é grande coisa. Só apareça no encontro e diga que é você, mas está lá para me representar. — Caleb, isso é loucura. — Não precisa fazer nada além de sentar e conversar. Só quero que ela saiba que eu tenho interesse, mesmo que seja de longe. Nicolas riu de novo, mas dessa vez nervoso. — E se ela perceber que eu não sou você? — Ela nunca me viu pessoalmente. Além disso, nós têmos o mesmo sobrenome. Não tem erro. Ele hesitou, e eu sabia que estava quase o convencendo. — Cara, eu não acho que isso vai dar certo… — Nicolas… — Apertei a ponte do nariz, já irritado. — Me faz esse favor. Se você fizer, eu fico te devendo uma. E você sabe que não dou favores à toa. Houve um silêncio do outro lado. Eu o conhecia bem. Nicolas adorava ter vantagem sobre mim. — Tá bom, tá bom. Eu vou. Sorri. — Sabia que podia contar com você. — Mas se isso der errado, eu vou te jogar na fogueira, Caleb. — Isso não vai acontecer. Desliguei o telefone, me sentindo mais leve. Agora, pelo menos, eu tinha um problema a menos para lidar. *** Valentina Eu não conseguia conter o sorriso enquanto me olhava no espelho. O vestido vermelho justo realçava minhas curvas, e o decote generoso mostrava exatamente o que eu queria que fosse visto. Afinal, eu estava indo conhecer meu futuro marido. Nada mais justo do que impressioná-lo logo de cara. Peguei o frasco do meu perfume favorito — caríssimo, é claro — e borrifei atrás das orelhas e nos pulsos. Ele precisava saber que estava lidando com uma mulher de classe. Passei as mãos pelos cabelos, certificando-me de que cada fio estava no lugar. O novo corte que eu havia feito estava impecável. Peguei a bolsa em cima da cama e verifiquei o cartão de crédito de Pamela. Ah, minha querida irmã. Tão mão de vaca... Ela não precisava saber que eu tinha comprado o vestido com o cartão dela. Eu pagaria de volta. Eventualmente. Talvez. Quando me tornasse uma Belmont, aquilo seria troco de pão. Dei uma última olhada no espelho. — Perfeita. Saí de casa flutuando, certa de que aquele seria o começo de uma nova vida. --- O restaurante era sofisticado, e eu adorava isso. Lustres pendurados no teto, garçons com uniformes impecáveis e uma música ambiente chique tocando ao fundo. Me aproximei da recepcionista com um sorriso ensaiado. — Boa noite. Tenho uma reserva no nome Belmont. A recepcionista consultou a lista e assentiu com a cabeça. — Claro, senhorita. Por aqui. Segui seus passos, de cabeça erguida, pronta para encontrar o homem que mudaria minha vida. A mesa estava posicionada perto de uma janela, com uma vista incrível da cidade. Sentei-me e esperei. Enquanto olhava para o cardápio, comecei a imaginar como ele seria. Alto, bonito, elegante. Um verdadeiro príncipe moderno. Foi então que o vi. Um homem magro, mirrado, com os cabelos bagunçados e uma expressão desconfortável. Ele se aproximava da mesa devagar, parecendo que queria estar em qualquer outro lugar. Meus olhos se arregalaram. — Não. Não, não, não. Ele parou na frente da mesa, me olhando com uma expressão estranha. — Você é a senhorita Monteiro? Cruzei os braços e estreitei os olhos. — E você é o senhor Belmont? Ele hesitou. — De certa forma… Meu queixo quase caiu. — De certa forma? — Minha voz subiu uma oitava. Olhei para ele de cima a baixo, incrédula. — É isso? É com você que eu vou ter que me casar?— Eu deixei bem claro para minha mãe que queria me casar com Caleb Belmont o filho mais velho e não com o Nicolas. Nicolas, aparentemente desconfortável, começou a abrir a boca para falar, mas eu não deixei. — Não. Isso só pode ser um engano. Eu não acredito que minha mãe fez isso comigo. Levantei-me da mesa, bufando de raiva. — Olha, senhor Belmont, com todo o respeito, eu jamais me casaria com você. Ele franziu a testa, parecendo confuso. — Mas eu acho que… — Não! — interrompi, balançando a cabeça. — Eu tenho um padrão. E, com todo respeito, você não chega nem perto dele. Peguei minha bolsa, jogando o cabelo para o lado. — Diga ao seu pai que eu recuso. Isso aqui é um absurdo. Sem dar chance para explicações, saí do restaurante pisando firme, o salto ecoando no chão de mármore. Enquanto me afastava, eu só conseguia pensar em como aquela situação era patética. Eu, Valentina Monteiro, casada com um homem feio? Isso nunca aconteceria. **** Cheguei em casa batendo a porta, tirando os sapatos com um chute e jogando a bolsa no sofá. A frustração borbulhava dentro de mim, e tudo que eu queria era gritar. Minha mãe, Flávia, apareceu na sala quase saltitando de alegria. — E então? Como foi? — Ela perguntou com um sorriso que desapareceu assim que viu minha expressão. — O que aconteceu? Cruzei os braços, me jogando no sofá. — Eu não vou me casar com o filho dos Belmont. O rosto de minha mãe se contorceu de surpresa. — O quê? Como assim você não vai se casar? Bufei, balançando a cabeça. — O filho com quem querem me casar é o mais novo. Ela franziu a testa. — E daí? Abracei uma almofada, afundando no sofá como se o mundo estivesse desabando. — Como assim “e daí”, mãe? Ele é feio! Quer ter netos feios? Eu não quero. Eu não vou me casar com ele. — Valentina, você só pode estar maluca. — Flávia colocou as mãos na cintura, os olhos faiscando. — Eu já fechei o acordo com os Belmonts. Preciso casar uma Monteiro com um Belmont! Levantei-me, cruzando os braços. — Então casa a Pamela! Ela também é uma Monteiro. Minha mãe arregalou os olhos por um segundo, mas logo se recuperou. — Não fale besteira, Valentina. A Pamela não é o tipo deles. — Exatamente! E nem eu. Então o problema está resolvido. Flávia ficou me encarando, e eu sabia que aquela conversa estava longe de terminar.PamelaCheguei em casa exausta. O salto alto parecia mais cruel hoje, talvez porque eu tenha passado boa parte do dia andando de um lado para o outro no escritório, tentando ignorar o fato de que meus olhos insistiam em buscar Caleb Belmont. Era frustrante. Um homem como ele não deveria existir no ambiente de trabalho. Eu larguei minha bolsa no sofá e me joguei na cadeira da mesa de jantar, sentindo meus ombros caírem. O escritório, sem ele, parecia vazio, sem graça. Apenas pilhas de papéis, reuniões intermináveis e aquela máquina de café que parecia cuspir água suja em vez de café de verdade. Mas, quando Caleb estava lá, tudo ganhava um brilho diferente — ou talvez fosse só o jeito que ele usava aqueles ternos perfeitamente ajustados. — Preciso parar com isso — murmurei, balançando a cabeça enquanto me levantava. Fui para a cozinha e comecei a preparar algo simples. Ninguém ia fazer isso por mim. Flávia e Valentina não mexiam um dedo sequer. A diarista limpava, mas não cozinhav
PamelaSentei-me à minha mesa no escritório, a cabeça cheia de pensamentos que não me deixavam concentrar no trabalho. A pilha de documentos à minha frente parecia uma montanha intransponível. Meu olhar vagava pelas letras sem realmente processá-las. Tudo o que ecoava na minha mente eram as palavras de Flávia da noite anterior: "Nos salve da ruína."Suspirei, sentindo o peso da decisão que parecia inevitável.— Droga — murmurei para mim mesma, girando a caneta entre os dedos. — Vou ter que me casar.A realidade da situação era tão absurda que quase dava vontade de rir. "Casar para salvar a família", parecia algo saído de um romance barato, não da minha vida real.E com quem? Com Nicolas Belmont. Um garoto. Ele era mais novo que eu e, de todas as pessoas no mundo, seria meu futuro marido.Passei a mão pelo rosto, frustrada. Pensar nisso fazia tudo parecer ainda mais surreal. A pior parte? Ser cunhada de Caleb Belmont.Caleb.Deixei a caneta cair sobre a mesa e me encostei na cadeira. U
PamelaA vida tem uma maneira engraçada de me lembrar todos os dias de que eu não sou a protagonista de um conto de fadas. Meu príncipe encantado usa terno sob medida, tem olhos que parecem decifrar a alma de qualquer um e um jeito arrogante que me faz querer socá-lo… ou beijá-lo.Caleb Belmont. O homem que me tira do sério em todos os sentidos possíveis.Trabalho para ele há três anos. Três longos anos como sua secretária pessoal, lidando com as exigências mais absurdas que já vi. Ele não perde uma oportunidade de me testar, de me colocar à prova, como se estivesse esperando o dia em que eu finalmente surtaria e jogaria meu crachá na cara dele. Só que, para sua infelicidade — e a minha — eu não fiz isso. Preciso desse emprego, e essa é a verdade.Mas o problema real não é o trabalho exaustivo, as horas extras ou o fato de que ele mal me dirige um “bom dia” direito. O problema é o jeito como meu coração parece correr uma maratona cada vez que ele passa por mim. Odiá-lo deveria ser fác
PamelaEra final de tarde quando ouvi a voz de Caleb me chamando do escritório dele. Eu já estava me preparando para ir embora, mas, claro, ele tinha outros planos. — Pamela, preciso que você venha aqui. Vamos revisar os balancetes do trimestre. Suspirei, recolhendo minhas coisas da mesa antes de seguir até sua sala. — Isso vai demorar? — perguntei, com um tom casual, mas já sabendo a resposta. — Provavelmente a noite toda — ele respondeu sem desviar os olhos dos papéis. Ótimo. Lá se ia meu plano de voltar para casa, tomar um banho quente e me distrair com qualquer coisa que não envolvesse números ou Caleb Belmont. Mas a verdade? A verdade é que uma parte de mim queria exatamente aquilo. Ficar presa naquele escritório com ele, sozinhos, até tarde. Meu coração disparava só de pensar em passar mais algumas horas ao lado dele, mesmo que fosse para trabalhar. Infelizmente, o que eu queria de verdade — uma noite com meu chefe, mas não revisando balancetes — não estava nos pla
Caleb O sol entrava pelas janelas enormes da sala de jantar, iluminando a mesa impecavelmente arrumada. O aroma do café fresco se misturava com o cheiro de pão recém-saído do forno e frutas cortadas. A mesa estava farta, como sempre. Meu pai não gostava de nada menos que isso. Bernardo Belmont estava sentado na ponta da mesa, ereto, como se mesmo no café da manhã estivesse presidindo uma reunião. Ele tinha 68 anos, mas sua presença impunha respeito. Alto, de ombros largos, cabelos grisalhos penteados para trás e uma barba bem aparada. O terno claro que ele vestia parecia recém-saído da alfaiataria, e os sapatos brilhavam tanto que refletiam a luz do sol. Até no café da manhã, ele se recusava a relaxar. — Um homem que não cuida da própria aparência está fadado ao fracasso — ele costumava dizer. Minha mãe, Vitória Belmont, estava sentada à direita dele, parecendo deslocada em uma cena que já havia testemunhado inúmeras vezes. Apesar dos mais de sessenta anos, ela parecia não ter
Flavia MonteiroEntrei em casa com um sorriso que quase não cabia no rosto. Meus passos eram leves, e eu praticamente flutuava pela sala. Ah, finalmente! Finalmente as coisas estavam se ajeitando. Há anos eu esperava por isso, e agora o destino finalmente nos estendia a mão. — Valentina! — chamei animada, largando a bolsa sobre o sofá. Minha filha apareceu descendo as escadas com aquele ar preguiçoso, enrolada em um robe de seda rosa. Ela se espreguiçou como se tivesse acabado de acordar, mesmo sendo quase cinco da tarde. — Que foi, mãe? — Valentina perguntou, jogando-se no sofá. — Eu consegui! — apontei para ela com um dedo trêmulo de empolgação. — Estamos salvas, minha filha. Não vamos mais depender das migalhas que a Pamela joga pra gente! Os olhos de Valentina se arregalaram, e ela pulou do sofá em um pulo só. — O quê? Como assim? Agarrei as mãos dela, apertando-as com força. — Você vai se casar, minha querida. E não é com qualquer um. Você vai se tornar uma Belmon