Caleb
O sol entrava pelas janelas enormes da sala de jantar, iluminando a mesa impecavelmente arrumada. O aroma do café fresco se misturava com o cheiro de pão recém-saído do forno e frutas cortadas. A mesa estava farta, como sempre. Meu pai não gostava de nada menos que isso.
Bernardo Belmont estava sentado na ponta da mesa, ereto, como se mesmo no café da manhã estivesse presidindo uma reunião. Ele tinha 68 anos, mas sua presença impunha respeito. Alto, de ombros largos, cabelos grisalhos penteados para trás e uma barba bem aparada. O terno claro que ele vestia parecia recém-saído da alfaiataria, e os sapatos brilhavam tanto que refletiam a luz do sol. Até no café da manhã, ele se recusava a relaxar.
— Um homem que não cuida da própria aparência está fadado ao fracasso — ele costumava dizer.
Minha mãe, Vitória Belmont, estava sentada à direita dele, parecendo deslocada em uma cena que já havia testemunhado inúmeras vezes. Apesar dos mais de sessenta anos, ela parecia não ter passado dos quarenta. Os cabelos loiros estavam sempre bem hidratados e soltos, a maquiagem era discreta, mas realçava sua beleza natural. Ela usava um vestido azul-claro, elegante, sem esforço. Minha mãe era o tipo de mulher que fazia todos pararem para olhar. Vaidosa, mas com classe.
Na outra ponta, estava meu irmão mais novo, Nicolas. Magro demais, quase mirrado, como se o vento pudesse derrubá-lo a qualquer momento. Ele tinha 26 anos, mas parecia mais novo. Nicolas nunca teve a mesma presença que meu pai ou eu. Suas roupas, embora de grife, sempre pareciam um pouco desalinhadas. Ele era bonito, mas não o suficiente para se destacar.
Eu estava ali, no centro, tentando me concentrar no café enquanto Bernardo falava sobre a empresa. Mas eu sabia que aquele discurso matinal estava se encaminhando para o verdadeiro ponto de interesse dele.
— Caleb — ele começou, dobrando cuidadosamente o guardanapo sobre o colo. — Precisamos falar sobre o futuro.
— Já estamos falando disso. A empresa está bem, fechamos o trimestre com lucro acima da expectativa.
— Não é sobre a empresa que estou falando. — Ele ergueu o olhar e me encarou.
Senti o aperto familiar na mandíbula. Sabia o que estava por vir.
— Pai...
— Você precisa de um herdeiro — Bernardo continuou, sem nem tentar disfarçar a frustração. — Está na hora de se casar, Caleb. A dinastia Belmont precisa continuar.
— A dinastia Belmont não precisa de casamento para continuar. A empresa está segura.
— A empresa, sim — ele retrucou, recostando-se na cadeira. — Mas o nome da família? Se eu partir amanhã, o que acontece? Não quero ver todo o império que construí nas mãos de advogados.
— Você não vai a lugar nenhum.
Vitória olhou de lado para o meu pai, tocando suavemente o braço dele.
— Bernardo, deixe Caleb respirar. Ele já tem trabalho demais.
— Eu não estou pedindo para ele parar de trabalhar, Vicky — disse, usando o apelido carinhoso dela. — Estou pedindo para ele criar raízes. A empresa é importante, mas família é o que mantém tudo de pé.
Nicolas mexia no celular, alheio à discussão. Não me surpreendia. Ele sempre preferiu manter distância dessas conversas.
— Já conversamos sobre isso — eu disse, tomando um gole do café para disfarçar o incômodo. — Não estou interessado em me casar agora.
— Não estou perguntando se você está interessado. Estou dizendo que vai acontecer.
Larguei a xícara na mesa, fazendo mais barulho do que pretendia.
— Você não pode me forçar a isso.
Bernardo apenas me olhou, impassível.
— Não estou te forçando. Estou te dando uma escolha. Ou você se casa e me dá um neto em um ano, ou Nicolas assume o controle da empresa quando eu me aposentar.
Engoli em seco. Nicolas?
Finalmente, ele ergueu a cabeça do celular e nos olhou, um pouco confuso.
— O quê?
— Nada, Nicolas. — Levantei-me, empurrando a cadeira para trás. — Acabamos por aqui.
— Caleb... — minha mãe chamou suavemente.
Ignorei o tom apaziguador na voz dela. A pressão do meu pai estava começando a me sufocar.
— Eu vou para o escritório.
— Pense nisso, Caleb. Isso não é um capricho — a voz de Bernardo ecoou enquanto eu deixava a sala.
Pensei sim. E odiei cada segundo disso.
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Bernado Belmont
A sala de estar da mansão Belmont era ampla, decorada com móveis clássicos e luz suave, criando um ambiente acolhedor, mas ainda assim imponente. Sentei-me na poltrona de couro próxima à lareira, com uma taça de conhaque na mão. À minha frente, Flávia Monteiro mantinha um sorriso agradecido, mas nervoso. Vitória, minha esposa, estava sentada ao meu lado, com aquele ar elegante e sereno que sempre carregava.
Flávia era uma mulher delicada, com um olhar cansado que parecia carregar o peso dos últimos anos. Seu vestido discreto e a maneira como mantinha as mãos juntas no colo mostravam que ela estava nervosa, embora tentasse disfarçar.
— Bernardo — Flávia começou, sua voz baixa. — Não sei como te agradecer por isso. Sei que você não precisava fazer nada...
Levantei a mão, interrompendo-a com um gesto gentil.
— Flávia, por favor. Se há alguém que deve agradecer, sou eu.
Vitória olhou para mim de lado, mas não disse nada. Ela sabia o quanto esse momento era importante para mim.
— Augusto foi como um irmão para mim — continuei, com a voz firme. — Ele não apenas salvou minha vida naquela noite, mas abriu as portas da casa dele. Eu nunca teria chegado onde estou sem ele.
Flávia esboçou um sorriso nostálgico, seus olhos marejados.
— Ele tinha um coração enorme... Sinto falta dele todos os dias.
— Eu também — admiti, girando lentamente a taça de conhaque entre os dedos. — Por isso, ajudar vocês não é um favor. É uma obrigação.
Houve um breve silêncio, quebrado apenas pelo estalar leve da madeira na lareira.
— Mas… — Flávia hesitou. — Você tem certeza de que seu filho está de acordo com isso? Não quero que sua generosidade prejudique sua relação com seu filho.
Eu ri baixo, balançando a cabeça.
— Caleb precisa de uma direção. Ele acha que pode fugir do destino, mas a verdade é que precisa de algo mais do que apenas trabalho.
— Valentina é uma boa garota — Flávia disse, apertando as mãos. —E será uma boa esposa.
— Então é uma boa combinação. — Virei-me para Vitória, que observava tudo em silêncio. — O que acha, querida?
Vitória sorriu de leve, apoiando a mão sobre a minha.
— Acho que a sua filha será uma boa esposa. Confio nas decisões do meu marido.
Todos rimos suavemente, Flávia estava radiante, paecia que havia ganhado na loteria. Não confio muito nessa mulher, mas meu filho precisa se aquietar, e precisa me dar um neto o mais rapido possível.
O acordo estava selado. E agora o Caleb não pode mais fugir, ou ele se casa ou eu deserdarei ele.
Flavia MonteiroEntrei em casa com um sorriso que quase não cabia no rosto. Meus passos eram leves, e eu praticamente flutuava pela sala. Ah, finalmente! Finalmente as coisas estavam se ajeitando. Há anos eu esperava por isso, e agora o destino finalmente nos estendia a mão. — Valentina! — chamei animada, largando a bolsa sobre o sofá. Minha filha apareceu descendo as escadas com aquele ar preguiçoso, enrolada em um robe de seda rosa. Ela se espreguiçou como se tivesse acabado de acordar, mesmo sendo quase cinco da tarde. — Que foi, mãe? — Valentina perguntou, jogando-se no sofá. — Eu consegui! — apontei para ela com um dedo trêmulo de empolgação. — Estamos salvas, minha filha. Não vamos mais depender das migalhas que a Pamela joga pra gente! Os olhos de Valentina se arregalaram, e ela pulou do sofá em um pulo só. — O quê? Como assim? Agarrei as mãos dela, apertando-as com força. — Você vai se casar, minha querida. E não é com qualquer um. Você vai se tornar uma Belmon
Caleb A vista da sacada do hotel era magnífica, mas eu mal conseguia prestar atenção. Estava a trabalho em Londres, lidando com investidores, mas minha cabeça não saía de São Paulo. Mais especificamente, daquela conversa com meu pai.Meu celular vibrava em cima da mesa. Peguei o aparelho, esperando que fosse uma mensagem de algum dos diretores, mas era apenas um lembrete irritante. Encontro com a Srta. Monteiro – 20h.Suspirei, esfregando o rosto.— Droga...Eu não tinha tempo para voltar a tempo desse encontro. E para ser sincero, não estava com a mínima vontade de ir.A ideia de conhecer minha futura esposa por meio de um contrato arranjado parecia absurda. Mas se eu faltasse, sabia que Bernardo usaria isso contra mim. Ele estava louco para me empurrar essa responsabilidade.Foi então que uma ideia estúpida — e talvez genial — me ocorreu.Rolei os contatos do celular até o nome do meu irmão. Liguei, e ele atendeu no terceiro toque.— Caleb?— Nicolas. Preciso de um favor.— Hum… I
PamelaCheguei em casa exausta. O salto alto parecia mais cruel hoje, talvez porque eu tenha passado boa parte do dia andando de um lado para o outro no escritório, tentando ignorar o fato de que meus olhos insistiam em buscar Caleb Belmont. Era frustrante. Um homem como ele não deveria existir no ambiente de trabalho. Eu larguei minha bolsa no sofá e me joguei na cadeira da mesa de jantar, sentindo meus ombros caírem. O escritório, sem ele, parecia vazio, sem graça. Apenas pilhas de papéis, reuniões intermináveis e aquela máquina de café que parecia cuspir água suja em vez de café de verdade. Mas, quando Caleb estava lá, tudo ganhava um brilho diferente — ou talvez fosse só o jeito que ele usava aqueles ternos perfeitamente ajustados. — Preciso parar com isso — murmurei, balançando a cabeça enquanto me levantava. Fui para a cozinha e comecei a preparar algo simples. Ninguém ia fazer isso por mim. Flávia e Valentina não mexiam um dedo sequer. A diarista limpava, mas não cozinhav
PamelaSentei-me à minha mesa no escritório, a cabeça cheia de pensamentos que não me deixavam concentrar no trabalho. A pilha de documentos à minha frente parecia uma montanha intransponível. Meu olhar vagava pelas letras sem realmente processá-las. Tudo o que ecoava na minha mente eram as palavras de Flávia da noite anterior: "Nos salve da ruína."Suspirei, sentindo o peso da decisão que parecia inevitável.— Droga — murmurei para mim mesma, girando a caneta entre os dedos. — Vou ter que me casar.A realidade da situação era tão absurda que quase dava vontade de rir. "Casar para salvar a família", parecia algo saído de um romance barato, não da minha vida real.E com quem? Com Nicolas Belmont. Um garoto. Ele era mais novo que eu e, de todas as pessoas no mundo, seria meu futuro marido.Passei a mão pelo rosto, frustrada. Pensar nisso fazia tudo parecer ainda mais surreal. A pior parte? Ser cunhada de Caleb Belmont.Caleb.Deixei a caneta cair sobre a mesa e me encostei na cadeira. U
Caleb Levantei-me mais cedo do que o habitual hoje. Não que eu tenha dormido muito, afinal, passei boa parte da noite encarando o teto, perdido em pensamentos. A ideia de me casar contra a minha vontade me atormenta. Casamento nunca esteve nos meus planos. Apesar de meus pais terem um relacionamento sólido e feliz, eu nunca me vi nesse papel. Não sou o tipo de homem que sonha em construir uma família ou ser o marido perfeito. Agora, no entanto, não tenho escolha. Meu pai deixou bem claro: ou me caso ou perco tudo. E o pior de tudo é que terei que me casar com uma mulher que sequer conheço, escolhida por ele. É absurdo, mas minha única esperança é que essa mulher aceite manter um casamento de fachada por alguns anos. Só preciso de tempo. Tempo para meu pai desistir dessa obsessão por um neto e para que eu consiga assumir o controle da empresa como acionista majoritário. Quando isso acontecer, ele não terá mais poder para me forçar a nada, e eu poderei finalmente me livrar desse peso
PamelaPamelaDesliguei o celular, ainda em choque. A ligação de Flávia tinha arruinado meu humor por completo. Nem se o próprio Caleb aparecesse nu na minha frente agora, com aquele corpo esculpido por deuses, conseguiria me fazer sorrir. Não que isso fosse acontecer, mas o pensamento me arrancou um suspiro irritado.Como Flávia pode ser tão irresponsável? Hipotecar a casa e esconder isso de mim? E agora, empurrar um casamento arranjado como solução? Ainda me custa acreditar que vou ser usada como moeda de troca. Tudo isso para salvar uma casa que, no fundo, era a única lembrança verdadeira dos meus pais.Sacudi a cabeça, tentando afastar o turbilhão de pensamentos. Meu olhar caiu sobre o relógio na parede. Ainda faltavam algumas horas para o fim do expediente, mas, pelo menos, Caleb havia me liberado às 16h. Uma rara folga concedida por aquele homem metódico. Soltei um suspiro de alívio. "Pelo menos essa folga vai servir para alguma coisa", murmurei para mim mesma.Levantei-me da ca
PamelaSegui o anfitrião pelo salão, sentindo o chão sob meus pés parecer mais instável a cada passo. Meu coração já estava disparado, mas quando nos aproximamos da mesa, algo me fez parar por um instante. De costas, o homem sentado ali parecia muito com Caleb.“Caramba, como o Nicolas parece o Caleb de costas…” pensei, tentando ignorar o nó que se formava no meu estômago. Eles tinham os mesmos trejeitos: ele passou a mão pelo cabelo do mesmo jeito casual e despreocupado que eu tinha visto Caleb fazer tantas vezes no escritório. Logo em seguida, começou a tamborilar os dedos na mesa de forma rítmica.Quanto mais perto eu chegava, mais aquela impressão se tornava impossível de ignorar. Meu coração, que já estava acelerado, parecia prestes a sair pela boca. Minhas mãos estavam tão suadas que eu tive que esfregá-las disfarçadamente na lateral do vestido.Quando o anfitrião parou ao lado da mesa, a voz dele soou alta e clara:— Senhor Belmont, a senhorita Monteiro está aqui.Foi aí que ele
CalebCheguei ao restaurante me sentindo um pouco nervoso, mesmo não sendo uma pessoa ansiosa, eu preciso admitir que conhecer a mulher com quem vou me casar por livre e espontânea pressão me deixou um pouco aflito.— Boa noite! — Cumprimentei o anfitrião que já vi uma centena de vezes, mas não recordo o nome.— Boa noite, senhor Belmont, em que posso lhe ser útil?— O homem respondeu de uma forma tão condescendente que pensei que fosse fazer uma reverência. — Fiz uma reserva para as 17h30.— Ah sim, mesa para duas pessoas, em um lugar um pouco mais reservado. Confere?— Ele conferiu as informações em um tablet de ultima geração.— Isso,exatamente.— Respondi.— Tudo bem, senhor Belmont, sua mesa já está pronta. Por favor, siga-me para que eu possa te levar até ela.— Ele falou de uma forma quase robótica e eu o segui.Andamos pelo restaurante em silêncio até uma parte mais reservada do salão, uma area que eu tinha costume de estar. Me sentei de costas para a entrada do restaurante, pois