Pamela
A vida tem uma maneira engraçada de me lembrar todos os dias de que eu não sou a protagonista de um conto de fadas. Meu príncipe encantado usa terno sob medida, tem olhos que parecem decifrar a alma de qualquer um e um jeito arrogante que me faz querer socá-lo… ou beijá-lo.
Caleb Belmont. O homem que me tira do sério em todos os sentidos possíveis.
Trabalho para ele há três anos. Três longos anos como sua secretária pessoal, lidando com as exigências mais absurdas que já vi. Ele não perde uma oportunidade de me testar, de me colocar à prova, como se estivesse esperando o dia em que eu finalmente surtaria e jogaria meu crachá na cara dele. Só que, para sua infelicidade — e a minha — eu não fiz isso. Preciso desse emprego, e essa é a verdade.
Mas o problema real não é o trabalho exaustivo, as horas extras ou o fato de que ele mal me dirige um “bom dia” direito. O problema é o jeito como meu coração parece correr uma maratona cada vez que ele passa por mim. Odiá-lo deveria ser fácil. Ele é o tipo de homem que não liga para ninguém além de si mesmo e para as metas absurdas da empresa. E, no entanto, toda noite, lá estou eu, deitada na cama, pensando em como seria correr os dedos pelo cabelo escuro dele ou sentir aquelas mãos grandes segurando a minha cintura.
É patético. Eu sei.
Talvez parte disso tenha a ver com a vida que tenho em casa. Desde que meu pai morreu há dez anos, tenho vivido com Flávia, minha madrasta, e Valentina, minha meia-irmã. Flávia nunca trabalhou um dia sequer desde a morte do meu pai. Ela diz que tem problemas de coluna — o que é engraçado, já que ela parece perfeitamente bem quando está dançando nas festas da alta sociedade.
Valentina, seis anos mais nova que eu, cresceu sem nunca saber o que é responsabilidade. Linda e mimada, ela vive como se o mundo girasse ao redor dela. E talvez realmente gire.
Eu trabalho duro para sustentar aquela casa. Pago as contas, cuido de tudo, enquanto Flávia finge que ainda estamos vivendo a vida luxuosa que meu pai deixou para trás. Spoiler: não estamos. E Valentina? Bem, ela acha que meu trabalho é apenas uma fase até eu “casar com um homem rico”. Essa é a solução dela para tudo.
Mal sabem elas que o único homem rico na minha vida é Caleb Belmont. E ele está muito longe de querer casar comigo.
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Toda manhã, a mesma rotina. Acordo antes do sol nascer, corro até a cozinha e preparo café enquanto tento não acordar Flávia. Ela odeia ser incomodada tão cedo. Valentina, por outro lado, dificilmente está em casa depois das festas que frequenta.
Pego o metrô apertado e cruzo a cidade até chegar à sede da Belmont Enterprises, uma das maiores redes de shoppings do país. Meu chefe chega às oito em ponto, e se eu não estiver no escritório antes dele, o inferno começa.
Hoje não foi diferente.
— Você está atrasada — diz ele, sem nem me olhar.
Eu olho para o relógio. Faltam três minutos para as oito.
— Ainda não são oito horas, senhor Belmont — respondo, forçando um sorriso.
Ele levanta os olhos, e eu sinto aquela pontada de nervosismo no estômago. Droga. Eu odeio quando ele faz isso.
— Se você precisa desses três minutos para se sentir melhor, Pamela, tudo bem. Mas da próxima vez, quero você aqui quinze minutos antes.
Assinto, reprimindo a vontade de revirar os olhos.
Caleb volta a se concentrar nos papéis à sua frente, mas eu continuo parada. Só por um momento, deixo meus olhos correrem pelo contorno do rosto dele. A linha do maxilar, a gravata perfeitamente alinhada. Até o jeito como ele segura a caneta parece sofisticado.
E irritante. Muito irritante.
— Precisa de mais alguma coisa? — ele pergunta, sem erguer a cabeça.
Droga. Fui pega no flagra.
— Não. Vou organizar os relatórios para a reunião da tarde.
Volto para a minha mesa tentando não parecer nervosa. Como ele consegue me desarmar desse jeito?
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O dia passa arrastado. Tentei manter minha mente longe de Caleb, mas falhei miseravelmente. Depois do expediente, chego em casa exausta e encontro Flávia esparramada no sofá. Valentina está deitada no tapete, pintando as unhas.
— Finalmente — diz Flávia, sem desviar os olhos da TV. — Valentina precisa de dinheiro para um vestido novo.
— Boa noite pra você também — respondo, largando minha bolsa no balcão.
Valentina levanta a cabeça, fazendo um biquinho.
— Amanhã tem um evento importante. Eu não posso usar o mesmo vestido de antes.
— Você tem um armário cheio de vestidos, Valentina.
— Mas todos já apareceram nas minhas redes sociais.
Flávia suspira, como se aquilo fosse a pior coisa do mundo.
— Pamela, você precisa entender. Aparência é tudo.
Eu queria rir, mas estou muito cansada para isso.
— Eu entendo que tenho contas para pagar. E nenhuma delas inclui um vestido novo.
Subo para o meu quarto antes que Valentina possa continuar. Me jogo na cama e fecho os olhos.
Caleb Belmont invade minha mente sem permissão. De novo.
Por que ele tem que ser tão insuportavelmente atraente? Eu sei que não faz sentido. Ele é frio, distante, e provavelmente nunca me enxergou como algo além da sua secretária. Mas às vezes, só às vezes, quando nossos olhares se cruzam, sinto que existe algo mais.
Ou talvez eu esteja apenas inventando isso para não enlouquecer.
PamelaEra final de tarde quando ouvi a voz de Caleb me chamando do escritório dele. Eu já estava me preparando para ir embora, mas, claro, ele tinha outros planos. — Pamela, preciso que você venha aqui. Vamos revisar os balancetes do trimestre. Suspirei, recolhendo minhas coisas da mesa antes de seguir até sua sala. — Isso vai demorar? — perguntei, com um tom casual, mas já sabendo a resposta. — Provavelmente a noite toda — ele respondeu sem desviar os olhos dos papéis. Ótimo. Lá se ia meu plano de voltar para casa, tomar um banho quente e me distrair com qualquer coisa que não envolvesse números ou Caleb Belmont. Mas a verdade? A verdade é que uma parte de mim queria exatamente aquilo. Ficar presa naquele escritório com ele, sozinhos, até tarde. Meu coração disparava só de pensar em passar mais algumas horas ao lado dele, mesmo que fosse para trabalhar. Infelizmente, o que eu queria de verdade — uma noite com meu chefe, mas não revisando balancetes — não estava nos pla
Caleb O sol entrava pelas janelas enormes da sala de jantar, iluminando a mesa impecavelmente arrumada. O aroma do café fresco se misturava com o cheiro de pão recém-saído do forno e frutas cortadas. A mesa estava farta, como sempre. Meu pai não gostava de nada menos que isso. Bernardo Belmont estava sentado na ponta da mesa, ereto, como se mesmo no café da manhã estivesse presidindo uma reunião. Ele tinha 68 anos, mas sua presença impunha respeito. Alto, de ombros largos, cabelos grisalhos penteados para trás e uma barba bem aparada. O terno claro que ele vestia parecia recém-saído da alfaiataria, e os sapatos brilhavam tanto que refletiam a luz do sol. Até no café da manhã, ele se recusava a relaxar. — Um homem que não cuida da própria aparência está fadado ao fracasso — ele costumava dizer. Minha mãe, Vitória Belmont, estava sentada à direita dele, parecendo deslocada em uma cena que já havia testemunhado inúmeras vezes. Apesar dos mais de sessenta anos, ela parecia não ter
Flavia MonteiroEntrei em casa com um sorriso que quase não cabia no rosto. Meus passos eram leves, e eu praticamente flutuava pela sala. Ah, finalmente! Finalmente as coisas estavam se ajeitando. Há anos eu esperava por isso, e agora o destino finalmente nos estendia a mão. — Valentina! — chamei animada, largando a bolsa sobre o sofá. Minha filha apareceu descendo as escadas com aquele ar preguiçoso, enrolada em um robe de seda rosa. Ela se espreguiçou como se tivesse acabado de acordar, mesmo sendo quase cinco da tarde. — Que foi, mãe? — Valentina perguntou, jogando-se no sofá. — Eu consegui! — apontei para ela com um dedo trêmulo de empolgação. — Estamos salvas, minha filha. Não vamos mais depender das migalhas que a Pamela joga pra gente! Os olhos de Valentina se arregalaram, e ela pulou do sofá em um pulo só. — O quê? Como assim? Agarrei as mãos dela, apertando-as com força. — Você vai se casar, minha querida. E não é com qualquer um. Você vai se tornar uma Belmon
Caleb A vista da sacada do hotel era magnífica, mas eu mal conseguia prestar atenção. Estava a trabalho em Londres, lidando com investidores, mas minha cabeça não saía de São Paulo. Mais especificamente, daquela conversa com meu pai.Meu celular vibrava em cima da mesa. Peguei o aparelho, esperando que fosse uma mensagem de algum dos diretores, mas era apenas um lembrete irritante. Encontro com a Srta. Monteiro – 20h.Suspirei, esfregando o rosto.— Droga...Eu não tinha tempo para voltar a tempo desse encontro. E para ser sincero, não estava com a mínima vontade de ir.A ideia de conhecer minha futura esposa por meio de um contrato arranjado parecia absurda. Mas se eu faltasse, sabia que Bernardo usaria isso contra mim. Ele estava louco para me empurrar essa responsabilidade.Foi então que uma ideia estúpida — e talvez genial — me ocorreu.Rolei os contatos do celular até o nome do meu irmão. Liguei, e ele atendeu no terceiro toque.— Caleb?— Nicolas. Preciso de um favor.— Hum… I
PamelaCheguei em casa exausta. O salto alto parecia mais cruel hoje, talvez porque eu tenha passado boa parte do dia andando de um lado para o outro no escritório, tentando ignorar o fato de que meus olhos insistiam em buscar Caleb Belmont. Era frustrante. Um homem como ele não deveria existir no ambiente de trabalho. Eu larguei minha bolsa no sofá e me joguei na cadeira da mesa de jantar, sentindo meus ombros caírem. O escritório, sem ele, parecia vazio, sem graça. Apenas pilhas de papéis, reuniões intermináveis e aquela máquina de café que parecia cuspir água suja em vez de café de verdade. Mas, quando Caleb estava lá, tudo ganhava um brilho diferente — ou talvez fosse só o jeito que ele usava aqueles ternos perfeitamente ajustados. — Preciso parar com isso — murmurei, balançando a cabeça enquanto me levantava. Fui para a cozinha e comecei a preparar algo simples. Ninguém ia fazer isso por mim. Flávia e Valentina não mexiam um dedo sequer. A diarista limpava, mas não cozinhav
PamelaSentei-me à minha mesa no escritório, a cabeça cheia de pensamentos que não me deixavam concentrar no trabalho. A pilha de documentos à minha frente parecia uma montanha intransponível. Meu olhar vagava pelas letras sem realmente processá-las. Tudo o que ecoava na minha mente eram as palavras de Flávia da noite anterior: "Nos salve da ruína."Suspirei, sentindo o peso da decisão que parecia inevitável.— Droga — murmurei para mim mesma, girando a caneta entre os dedos. — Vou ter que me casar.A realidade da situação era tão absurda que quase dava vontade de rir. "Casar para salvar a família", parecia algo saído de um romance barato, não da minha vida real.E com quem? Com Nicolas Belmont. Um garoto. Ele era mais novo que eu e, de todas as pessoas no mundo, seria meu futuro marido.Passei a mão pelo rosto, frustrada. Pensar nisso fazia tudo parecer ainda mais surreal. A pior parte? Ser cunhada de Caleb Belmont.Caleb.Deixei a caneta cair sobre a mesa e me encostei na cadeira. U