Confuso com a saída intempestiva da jovem, Maximiliano deu-se conta que havia beijado a mulher errada. Ficou evidente, pelo tremor do corpo e dos lábios contra os seus, que a jovem em seus braços não tinha a experiência sedutora de sua atual amante.
E havia o sabor daquele beijo... Doce, delicado e envergonhado. Nunca a provara antes. Algo incomum para ele que todos apontavam como Don Juan da cidade.
Analisou a casa dos Orleans sem vontade de retornar ao salão. As luzes nas janelas, a música chegando fraca no jardim, a recordação das pessoas rindo, bebendo e dançando o entediava e despertava lembranças desagradáveis de seu passado.
Nem mesmo sua vontade de encontrar sua atual amante, Dalila Savoia, foi o suficiente para voltar aquela casa. Moveu-se sorrateiro até o muro que rodeava a propriedade, o pulou e partiu da mesma forma sorrateira que chegou.
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Envergonhada pela cena decadente ao fugir do noivo, tendo abandonado a festa sem falar com ninguém, Joana decidiu ir para sua casa. Ao chegar, tocou desesperada a campainha até a empregada abrir a porta e deixa-la entrar.
— Chegou sozinha? — A empregada perguntou curiosa, olhando para fora em busca das demais pessoas da família.
No entanto, em vez de responder, Joana seguiu em frente, subindo as escadas rumo ao seu quarto.
Ainda mareada, assim que entrou do dormitório se jogou na cama, o rosto se afundado no travesseiro para ocultar um grito de frustração.
Girou na cama, os olhos se fixando no teto, os dedos se movendo de leve nos lábios ainda cativados pelo beijo que recebeu. Talvez pelo tempo em que não beijava o noivo, a saudade tornou aquele mais cálido, mais envolvente que os que tinham trocado antes.
Queria ser mais confiante, mais desinibida e não ter bebido tanto, de forma a não ter fugido e aproveitado melhor o reencontro.
— Dá próxima vez não aceitarei tantas taças — definiu ao sentar na cama, as bochechas quentes de vergonha. — Ele deve achar que sou uma boba por ter fugido depois de tanto tempo separados — deduziu levando uma mão ao camafeu em volta do pescoço. O abriu e observou a foto do noivo em seu interior, ao lado da inscrição apaixonada que pediu para fazerem. — Amanhã explicarei o que houve, meu amor — prometeu beijando o interior e levantando-se para escovar os dentes, de forma a retirar o gosto azedo da língua, e tomar um banho, para acabar de vez com a embriaguez.
Podia mandar uma mensagem, mas como ele tinha a festa a cuidar, não acreditava que adiantaria. E também não tinha certeza do que escrever ou dizer.
As consequências de sua fuga e da bebedeira, junto do maravilhoso e breve beijo, dominaram a mente de Joana durante horas. Algumas vezes lamentava ter bebido e fugido, em outras ria por ter sentido os lábios de seu noivo sobre os seus e, na maioria, sonhava quando o veria novamente e sentiria seus beijos de novo.
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Na festa, todos continuavam dançando e se divertindo sem notar a falta de Joana até que o noivo chegou. Empolgada em rever o filho, Kassandra Orleans vibrou.
— Meu filho chegou! — Kassandra anunciou no baile de máscaras. Virou-se para os lados a procura de Joana, mas só encontrou os pais dela e a irmã mais nova, a quem perguntou ansiosa. — Dalila, onde está sua irmã?
— Deve estar dançando — a jovem respondeu sem interesse. — E cadê o Adriano?
Seguindo Kassandra, os olhos de Dalila se fixaram no homem alto, de cabelos loiros e de porte distinto vestido com trajes de militar azul marinho e mascara da mesma cor.
Ao parar em frente o noivo da irmã, a jovem, com um especial brilho de interesse nos olhos, sorriu ao perceber que ele a avaliava com aprovação. Conhecedora da própria beleza, deduziu que ele estava atraído por sua beleza estonteante e corpo escultural. Comemorou alheia de estar frente ao pretendente da irmã.
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Amor... Adriano Orleans não o entendia e, mesmo tendo uma noiva – fornecida por sua mãe -, pouco pensava nessa palavra. Para ele, seu relacionamento com Joana era um acordo diplomático para um futuro tranquilo, nada mais, e fora algumas conversas e beijos insossos, não ligava para os sentimentos dela, assim como não se forçava a ser um noivo apaixonado.
Seus dias e noites eram de estudos, de trabalho na empresa que abriu na capital e planejamento para quando retornasse a Sanmarino, cumprindo o combinado de casar-se e estabelecer-se em Recanto Dourado, fazenda de sua família durante várias gerações e casar com a mulher preparada para ele.
No entanto, quando colocou os olhos em Dalila, algo mudou.
Da última vez que a viu não passava de uma adolescente magrela de quinze anos, aparelho nos dentes e um gênio irritadiço e difícil de aturar para o homem de vinte e oito anos que era na época.
Ela mudará muito nos últimos seis anos, e para melhor, ao ponto que a jovem de cachos acobreados, usando vestido prateado destacando suas curvas e com um enorme decote que valorizava seus seios fartos, fez seu coração disparar e o atingiu em partes que Joana, irmã dela e sua noiva, nunca chegou perto de alcançar.
Quando iniciaram uma dança, com uma música sem graça escolhida por sua mãe, o perfume tão sensual quando sua usuária aumentou sua vontade de agarrar aquela mulher e nunca mais larga-la.
Esse impacto forte e desejo ardente seria amor ou simplesmente excitação? Não sabia, mas estava ansioso em descobrir.
E com esse simples desejo iniciou um efeito dominó que alteraria para sempre o destino de Joana Savoia e Maximiliano Gonzalez.
Depois de superada a embriaguez, Joana lamentou ainda mais ter abandonado a festa. Deveria ter se refeito do mal estar e desfilado de braços dado ao noivo, mostrando a todos que em breve estariam casados. Pensou em retornar à festa, mas, temendo o que seu noivo pensaria após a fuga, preferiu deixar que ele a procurasse. Depois de um banho e trocar de roupa, restou-lhe aguardar até o retorno de sua família. Inquieta, desceu até a sala de estar e ficou andando de um lado para o outro até o retorno de seus pais e sua irmã. — Essas estradas estão cada dia piores — ouviu Dalila reclamar mal-humorada ao entrar na residência seguida pelos pais. — Deveríamos ter pedido carona aos Castanhare. — É só uma distância de quinze minutos, filha — Carmem, mãe delas, disse cansada da caminhada e mais ainda das reclamações da caçula. — Estou suando e a caminhada não é fácil de salto alto — a jovem continuou a reclamar. — Joana, o que deu em você para sair corrida da festa? — Irritado, Iago, pai del
Vendo a irmã empalidecer, Dalila foi atingida por uma sensação ruim. — Quando estiveram no jardim, ele te fez algo? Tentou algo? — Não houve nada... — Joana negou levando a mão ao camafeu, o medo do que aconteceria se descobrissem que traiu, mesmo sem querer, seu noivo dominando-a. Os olhos de Dalila foram para a joia com desenho de rosa, consciente do que havia em seu interior, a suspeita aumentando com a evidente tensão dominando as feições da irmã. — Não me engana Joana. Esse homem tentou algo, não tentou? — Dalila insistiu na pergunta irritada só em pensar que o amante, seu Maximiliano, pudesse ter tocado Joana como a tocava. — Esteve se agarrando com outro homem na casa de seu noivo? Joana ficou chocada com o que a irmã disse, com o tom acusatório, como se soubesse o deslize que cometeu. — Não houve nada e sua acusação é obscena e injusta! — Alterada caminhou em direção à saída. — Vou deixa-la para que descanse. Antes que abrisse a porta, Dalila veloz se levantou e a seguro
Sem desconfiar dos planos insensíveis de sua irmã, Joana acordou cedo para dar aulas de catequese no colégio religioso, anexo ao convento e a igreja da cidade, como pedido por sua madrinha logo após se formar em licenciatura. Naquele dia, após finalizar as aulas do dia, seguiu para outra tarefa que adquiriu após anos com os religiosos, decorar o altar para a pregação da tarde, o que costumava fazer com alegria. Mas, mesmo sendo uma tarefa que gostava, sua mente estava longe, no jardim, no homem que a beijou e que ela aceitou imaginando ser seu noivo. Ao termino da função, encontrou sua melhor amiga, Tereza Braga do lado de fora da igreja, que se ofereceu para acompanha-la na volta para casa, aproveitando para conversar sobre as últimas novidades da cidade e questioná-la sobre a festa. Bastou alguns segundos para Tereza notar seu abatimento. Tinha ido ao encontro da amiga no fim de seu expediente como secretaria da prisão da cidade, sedenta por informações da festa da noite anterior,
Necessitando espairecer a mente, e esquecer o incidente no jardim da casa de seu noivo, logo que Tereza foi embora e ainda tendo algumas horas antes do jantar, Joana decidiu fazer uma caminhada pela marina. Não era uma atividade que fazia com frequência, pois tinha muito a fazer diariamente, planejar as aulas, cuidar dos seus afazeres em casa e na igreja, além de sempre dedicar alguns minutos para falar com o noivo. Mas sempre que podia arranjava um tempo para apreciar o sol se perdendo nas águas. O mar a atraia como canto de sereia, e, ao entardecer, quando poucos andavam pela praia, costumava caminhar descalça pela areia ainda quente, com a brisa balançando seu cabelo e os olhos se maravilhando com os tons avermelhados e purpúreos do fim de mais um dia se perdendo nas ondas. Com tantos acontecimentos girando em sua cabeça, distraída afastou-se mais que o costume, sem perceber se aproximando do Monte do Diabo, lugar que todos aconselhavam a evitar por causa de lendas sobre demônios
Retornando para sua cabana, ainda com um sorriso divertido causado pelo inusitado encontro na praia, Maximiliano teve uma segunda surpresa no dia ao encontrar Dalila a sua porta, batendo o pé freneticamente no assoalho de madeira da pequena varanda. Olhando para a peruca que ela usava se viu comparando com o cabelo da mulher na praia. Eram da mesma cor e corte, embora os fios da peruca fossem artificiais e opacos em comparação. — Onde estava? — Dalila perguntou aborrecida, o olhar descendo pelo corpo do amante só de sunga. — E com quem? — No mar, nadando sozinho — respondeu caminhando para dentro da cabana. Mordida de ciúmes, inquiriu: — Nadar? Sabe o quanto é difícil sair durante esse horário para estar aqui? — Se queixou irada. Ignorando a raiva de Dalila, Maximiliano começou a retirar a sunga. — O que pensa que está fazendo? — O que acha? Maximiliano sorriu de lado e, depois de retirar a peça diante do olhar atento dela, se aproximou da jovem e a beijou para silenciar suas
Kassandra o encarou com olhos arregalados. — Que disse? — Desde que a vi não penso em outra. — Invadido pelo entusiasmo, Adriano ignorou a cara de susto de sua mãe e insistiu: — Quero Dalila para mim. — E Joana? O desconcerto ao ser lembrado da noiva preencheu a face dele, mas não o fez recuar. — Sinto muito, mas se tiver que passar o resto da vida com uma mulher, no mínimo devo estar atraído por ela. E não sinto mais que amizade por Joana — anunciou decidido. Kassandra fitou Adriano intensamente e por um momento viu Nicolás, seu falecido marido, no filho. A mesma persistência ao desejar algo, a mesma teimosia e certeza de que o obteria. — Pense um pouco antes dessa decisão. — Nervosa sugeriu e, como último recurso, buscou um pequeno argumento para forçar seu filho a cumprir com o compromisso. — Dalila pode não corresponder a seus sentimentos... — Conversamos por mensagens e ela tem interesse em mim, mas se preocupa por Joana. Por isso quero acabar com esse compromisso. Perceb
Tendo um importantes trabalhos nos próximos dias, Maximiliano passou a tarde na cabine de seu barco ancorado no porto de Sanmarino, se reunindo com dois marinheiros e seus amigos de confiança, Lucas Santos e Beto Alves. Encontravam-se iluminados somente pela luz fraca da cabine, as janelas e porta fechadas para que ninguém ouvisse o que combinavam dentro do barco, batizado de Diablo pelo falecido irmão de Maximiliano para provocar a população, e aumentando com isso à má fama da família. — O melhor seria passar o carregamento de madrugada, quando há menos vigilância — opinou Beto, segundo no comando do barco, o olhar atento no mapa precário que fez do local que roubariam em alguns dias. — E devemos ter alguém de dentro para nos dar cobertura. — Conheço um oficial que posso convencer a nos ajudar. É um cliente do Crista do Mar — Lucas indicou se referindo ao bar próximo ao porto. Mesmo não gostando de buscar aliados fora de seu círculo de amizade, Maximiliano decidiu que naquele caso
— Somos mais amigos que namorados desde o início... — Adriano continuou torturando o coração de Joana. Apertando os lábios para segurar o choro que embolava em sua garganta, Joana enrolou o indicador na corrente de seu camafeu, cujo interior abrigava uma foto deles abraçados, símbolo do amor deles. Amor que agora ele taxava como amizade. Sentindo a cabeça pesar uma tonelada, Joana sustentou orgulhosa o olhar na face de seu agora ex-noivo, que tinha plantado um sorriso gentil, diferente das palavras que quebravam a alma da jovem em pedaços. — Joana, lamento tanto não poder seguir com o casamento, mas... Como uma mariposa voando ao redor de uma lamparina, Joana tentava apartar o olhar dos lábios dele enquanto ele prosseguia em suas justificativas para dar fim ao noivado, mas, perturbada e inquieta, deu-se conta que era impossível. Inesperadamente, como se para tortura-la ainda mais, se viu lembrando o beijo no baile de máscaras e comparando-o. Os de Adriano sempre foram controlados