Sem desconfiar dos planos insensíveis de sua irmã, Joana acordou cedo para dar aulas de catequese no colégio religioso, anexo ao convento e a igreja da cidade, como pedido por sua madrinha logo após se formar em licenciatura.
Naquele dia, após finalizar as aulas do dia, seguiu para outra tarefa que adquiriu após anos com os religiosos, decorar o altar para a pregação da tarde, o que costumava fazer com alegria. Mas, mesmo sendo uma tarefa que gostava, sua mente estava longe, no jardim, no homem que a beijou e que ela aceitou imaginando ser seu noivo.
Ao termino da função, encontrou sua melhor amiga, Tereza Braga do lado de fora da igreja, que se ofereceu para acompanha-la na volta para casa, aproveitando para conversar sobre as últimas novidades da cidade e questioná-la sobre a festa.
Bastou alguns segundos para Tereza notar seu abatimento. Tinha ido ao encontro da amiga no fim de seu expediente como secretaria da prisão da cidade, sedenta por informações da festa da noite anterior, mas Joana estava mais sucinta que o normal.
Sem coragem de citar o beijo, Joana limitou-se a contar que esteve presente, mas saiu cedo, antes da chegada de Adriano.
— Dalila o viu, mas não me contou muito do que conversaram — lamentou deslizando os dedos pelo colar com a foto de seu noivo, que carregava sempre junto a si.
— Hum... — Tereza respirou fundo meio desiludida. — Certeza que sua irmã se distraiu conquistando os homens da festa.
— Por favor, não fale dela como se fosse uma... oferecida.
Tereza revirou os olhos, exasperada com a inocência de Joana, que era a única moça da cidade que não percebia que tipo de mulher Dalila era. Cedo ou tarde a máscara cairia, só esperava que Joana não fosse prejudicada pelo que a irmã guardava debaixo.
— Que pena que não o viu e nem curtiu a festa até o fim, mas em breve receberá a visita dele.
Olhando Joana com atenção, Tereza ficou atenta em qual seria a reação da amiga ao seu comentário, esperando que a expressão desanimada sumisse. Mas Joana permaneceu de olhar baixo.
— O que foi? Está tão tensa e calada hoje — disse preocupada.
Constrangida com seu engano na festa, Joana deu de ombros e focou em outro assunto que a preocupava:
— Passamos tanto tempo sem nos ver pessoalmente, que não sei como será agora...
— Quando há amor não importa o tempo — Tereza indicou querendo acabar com a aflição da amiga.
— Está certa... — Joana soltou insegura, ainda pensando em como se sentiu nos braços do estranho no jardim. Nunca chegou perto de sentir o mesmo com os beijos e carinhos de Adriano.
Antes que Tereza interrogasse ainda mais a amiga, para saber o que de verdade a preocupava, chegaram à casa dos Savoia e viram o carro da viúva Kassandra, madrinha de Joana e mãe do noivo, estacionado na frente do portão.
Ansiosa, com Tereza seguindo-a, Joana se apressou a entrar na residência para encontrar sua madrinha e o noivo.
— Madrinha, que bom vê-la! — Joana cumprimentou ao abraça-la, os olhos buscando o noivo. — Adriano não veio junto?
— Também fico feliz em vê-la, querida. — Sorriu para a afilhada e depois para Tereza. — Como vai?
— Muito bem, senhora.
— Respondendo sua pergunta: Adriano teve de ficar em casa, revisando os relatórios da fazenda e cuidando de assuntos da empresa na capital — justificou, acrescentando para tranquilidade de Joana: — Mas mandou um beijo e disse que virá jantar com você e sua família hoje.
— Ah... Bem, sentem! — Joana pediu ocultando fracamente sua decepção por só ver Adriano no fim daquele dia.
Kassandra fez o que foi indicado, sentando no sofá ao lado de Tereza e aguardou que Joana pedisse bebidas para as três. Assim que a jovem sentou a sua frente, anunciou:
— Logo que Adriano terminar de resolver os assuntos que tem na cidade retornaremos para a fazenda e planejo convidar seus pais, você e sua irmã para passarem alguns dias conosco, de forma que poderemos definir melhor os detalhes do casamento — indicou, acrescentando com um amplo sorriso: — Espero que seja uma boa esposa para meu filho.
Aos ouvidos de Tereza aquilo pareceu mais uma ordem, mas para Joana foi apenas algo ao qual se preparou nos últimos seis anos.
— Eu o amo muito e serei uma esposa perfeita! — Joana declarou, afastando envergonhada a lembrança do beijo que só aceitou por um grande engano de identidade.
Sem saber o que ocupava a mente da jovem, Kassandra se encheu de satisfação com a resposta. Queria o melhor para seu filho, por isso o convenceu a se relacionar com Joana e se encarregou de dar uma educação diferenciada a ingênua nora.
Mesmo antes do namoro, revisou cada ensinamento que era passado a jovem, controlou suas amizades e a levou quase todo fim de semana para a fazenda, de forma que crescesse vendo Adriano e pouco a pouco se interessasse por ele.
Por sorte, Joana se apaixonou e Adriano também enxergou as vantagens em ter uma esposa preparada para assumir uma posição ao seu lado na fazenda.
Era óbvio que Joana amava incondicionalmente o noivo e tornou-se digna de carregar o sobrenome Orleans, além de ser fácil de controlar após o casamento.
Cada atitude que tomou nos últimos seis anos foi minimamente planejada com cuidado, tudo para garantir que Joana obedecesse ao marido no futuro sem fazer qualquer questionamento. E agora tinha a certeza que conseguiu seu objetivo. Joana sempre declarava amor eterno e submisso a Adriano.
As três conversaram por mais algumas minutos, depois Kassandra se retirou muito satisfeita em saber que logo seus sonhos se tornariam realidade.
Após a partida de sua madrinha, Joana não pode esconder da amiga sua tristeza.
— Que pena que Adriano não veio com minha madrinha... Estou tão nervosa!
— Não quer se casar?
— Lógico que quero — retrucou de imediato. — Mas nos últimos anos só nos falamos por celular. Posso parecer simplória perto das garotas da capital
— Não se preocupe! Logo estará casada e imensamente feliz— Tereza disse querendo confortar a amiga.
Aquelas palavras deixaram Joana mais tranquila, lhe traziam a falsa esperança de que Adriano sentia por ela a mesma devoção e amor que carregava no coração por ele há anos.
Logo descobriria que estava longe disso ser uma realidade.
Necessitando espairecer a mente, e esquecer o incidente no jardim da casa de seu noivo, logo que Tereza foi embora e ainda tendo algumas horas antes do jantar, Joana decidiu fazer uma caminhada pela marina. Não era uma atividade que fazia com frequência, pois tinha muito a fazer diariamente, planejar as aulas, cuidar dos seus afazeres em casa e na igreja, além de sempre dedicar alguns minutos para falar com o noivo. Mas sempre que podia arranjava um tempo para apreciar o sol se perdendo nas águas. O mar a atraia como canto de sereia, e, ao entardecer, quando poucos andavam pela praia, costumava caminhar descalça pela areia ainda quente, com a brisa balançando seu cabelo e os olhos se maravilhando com os tons avermelhados e purpúreos do fim de mais um dia se perdendo nas ondas. Com tantos acontecimentos girando em sua cabeça, distraída afastou-se mais que o costume, sem perceber se aproximando do Monte do Diabo, lugar que todos aconselhavam a evitar por causa de lendas sobre demônios
Retornando para sua cabana, ainda com um sorriso divertido causado pelo inusitado encontro na praia, Maximiliano teve uma segunda surpresa no dia ao encontrar Dalila a sua porta, batendo o pé freneticamente no assoalho de madeira da pequena varanda. Olhando para a peruca que ela usava se viu comparando com o cabelo da mulher na praia. Eram da mesma cor e corte, embora os fios da peruca fossem artificiais e opacos em comparação. — Onde estava? — Dalila perguntou aborrecida, o olhar descendo pelo corpo do amante só de sunga. — E com quem? — No mar, nadando sozinho — respondeu caminhando para dentro da cabana. Mordida de ciúmes, inquiriu: — Nadar? Sabe o quanto é difícil sair durante esse horário para estar aqui? — Se queixou irada. Ignorando a raiva de Dalila, Maximiliano começou a retirar a sunga. — O que pensa que está fazendo? — O que acha? Maximiliano sorriu de lado e, depois de retirar a peça diante do olhar atento dela, se aproximou da jovem e a beijou para silenciar suas
Kassandra o encarou com olhos arregalados. — Que disse? — Desde que a vi não penso em outra. — Invadido pelo entusiasmo, Adriano ignorou a cara de susto de sua mãe e insistiu: — Quero Dalila para mim. — E Joana? O desconcerto ao ser lembrado da noiva preencheu a face dele, mas não o fez recuar. — Sinto muito, mas se tiver que passar o resto da vida com uma mulher, no mínimo devo estar atraído por ela. E não sinto mais que amizade por Joana — anunciou decidido. Kassandra fitou Adriano intensamente e por um momento viu Nicolás, seu falecido marido, no filho. A mesma persistência ao desejar algo, a mesma teimosia e certeza de que o obteria. — Pense um pouco antes dessa decisão. — Nervosa sugeriu e, como último recurso, buscou um pequeno argumento para forçar seu filho a cumprir com o compromisso. — Dalila pode não corresponder a seus sentimentos... — Conversamos por mensagens e ela tem interesse em mim, mas se preocupa por Joana. Por isso quero acabar com esse compromisso. Perceb
Tendo um importantes trabalhos nos próximos dias, Maximiliano passou a tarde na cabine de seu barco ancorado no porto de Sanmarino, se reunindo com dois marinheiros e seus amigos de confiança, Lucas Santos e Beto Alves. Encontravam-se iluminados somente pela luz fraca da cabine, as janelas e porta fechadas para que ninguém ouvisse o que combinavam dentro do barco, batizado de Diablo pelo falecido irmão de Maximiliano para provocar a população, e aumentando com isso à má fama da família. — O melhor seria passar o carregamento de madrugada, quando há menos vigilância — opinou Beto, segundo no comando do barco, o olhar atento no mapa precário que fez do local que roubariam em alguns dias. — E devemos ter alguém de dentro para nos dar cobertura. — Conheço um oficial que posso convencer a nos ajudar. É um cliente do Crista do Mar — Lucas indicou se referindo ao bar próximo ao porto. Mesmo não gostando de buscar aliados fora de seu círculo de amizade, Maximiliano decidiu que naquele caso
— Somos mais amigos que namorados desde o início... — Adriano continuou torturando o coração de Joana. Apertando os lábios para segurar o choro que embolava em sua garganta, Joana enrolou o indicador na corrente de seu camafeu, cujo interior abrigava uma foto deles abraçados, símbolo do amor deles. Amor que agora ele taxava como amizade. Sentindo a cabeça pesar uma tonelada, Joana sustentou orgulhosa o olhar na face de seu agora ex-noivo, que tinha plantado um sorriso gentil, diferente das palavras que quebravam a alma da jovem em pedaços. — Joana, lamento tanto não poder seguir com o casamento, mas... Como uma mariposa voando ao redor de uma lamparina, Joana tentava apartar o olhar dos lábios dele enquanto ele prosseguia em suas justificativas para dar fim ao noivado, mas, perturbada e inquieta, deu-se conta que era impossível. Inesperadamente, como se para tortura-la ainda mais, se viu lembrando o beijo no baile de máscaras e comparando-o. Os de Adriano sempre foram controlados
Com o coração destroçado e lágrimas molhando a face pálida, Joana sentia que sua vida não tinha mais sentido. Encontrava-se perturbada por três motivos: O fim do compromisso; por conseguir visualizar os olhares de pena em sua direção quando andasse pelas ruas da cidade; e pela decepção que viu na face séria de seu pai quando o anúncio foi dado. A muito se deu conta que decepcionou seu pai ao não nascer homem, como o desejo da maioria dos pais da cidade quando se tratava do primogênito. Agora acabou com a única felicidade que deu ao senhor Iago Savoia em vinte e quatro anos de existência: o noivado com Adriano. Para aumentar sua infelicidade, não só teria de ver Adriano com outra, como seria sua própria irmã. Dalila é que se tornaria a senhora Orleans, que ocuparia um lugar eterno no coração de Adriano, que até então pensou ser seu. — Porque a vida está sendo tão cruel? Não basta me deixar, ele quer minha irmã... — Joana lamentava em meio ao pranto. Lembrou-se de imediato do beijo n
Maximiliano ergueu-se de sua poltrona e olhou para a porta da velha cabana, em que Dalila estava parada no vão usando as roupas simples e o rosto quase oculto pela peruca de fios escuros e franja farta. — A reunião está finalizada — disse para os amigos, fazendo um gesto que eles entenderam de imediato que era deixarem os dois a sós. Beto e Lucas levantaram e partiram sem trocar uma única palavra com a mulher que entrou na cabana. Vagamente, Beto notou que era a mesma do mercado, só que com um disfarce para ocultar sua face. Logo que os amigos de Maximiliano abandonaram a cabana, Dalila fechou a porta, retirou a peruca, deixando-a no aparador e se aproximou dele com um sorriso luminoso nos lábios. Em instantes lançava seus braços em torno do pescoço forte do amante. — Vai sair em outra viagem? — Dalila perguntou ao reparar no mapa aberto na mesa. Segurando-a junto a si, Maximiliano encostou os quadris na mesa de madeira envelhecida, passando a mão de leve nas costas dela. — Meu b
Não tendo aulas a dar no sábado, trancada em seu quarto, mesmo ainda não tendo documentos para a viagem, Joana fez uma pequena mala para sua estada na casa dos Orleans em Portugal. Depois passou algumas horas verificando na internet cursos que poderia fazer lá, de forma a ocupar seu tempo e atenção longe dos problemas de sua casa. Tendo crescido diante dos olhos zelosos de sua madrinha, mãe e das professoras religiosas, sabia outras línguas e podia se adaptar perfeitamente ao novo ambiente. Sua mãe bateu na porta, avisou que iria para a missa e perguntou se ela queria ir junto. Necessitando de um pouco de paz, avisou que iria. Aproveitaria para informar as freiras de sua partida, de forma que arranjassem uma pessoa para ficar em seu lugar na escola e nas atividades que executava. Mesmo temendo o momento da confissão, também queria falar com o padre, colocar um pouco de sua amargura para fora. Deitou de costas na cama e, fitando o teto, levou os dedos aos lábios. Teria de contar so