Necessitando espairecer a mente, e esquecer o incidente no jardim da casa de seu noivo, logo que Tereza foi embora e ainda tendo algumas horas antes do jantar, Joana decidiu fazer uma caminhada pela marina.
Não era uma atividade que fazia com frequência, pois tinha muito a fazer diariamente, planejar as aulas, cuidar dos seus afazeres em casa e na igreja, além de sempre dedicar alguns minutos para falar com o noivo. Mas sempre que podia arranjava um tempo para apreciar o sol se perdendo nas águas.
O mar a atraia como canto de sereia, e, ao entardecer, quando poucos andavam pela praia, costumava caminhar descalça pela areia ainda quente, com a brisa balançando seu cabelo e os olhos se maravilhando com os tons avermelhados e purpúreos do fim de mais um dia se perdendo nas ondas.
Com tantos acontecimentos girando em sua cabeça, distraída afastou-se mais que o costume, sem perceber se aproximando do Monte do Diabo, lugar que todos aconselhavam a evitar por causa de lendas sobre demônios e também por causa de um homem que construiu uma cabana no local, descrito como perigoso e imoral.
Sentou em uma pedra próxima a encosta e, com os dedos enroscados em seu camafeu e olhos perdidos nas ondas do mar, sem realmente ver nada a sua frente, suspirou ao recordar o beijo no jardim.
Era errado pensar em outro estando prestes a se casar, mas ainda assim não conseguia esquecer como se sentiu flutuar nos braços do homem fantasiado de corvo, das mãos estreitando sua cintura, da boca dominando a sua...
— Apreciando a vista?
Arregalou os olhos ao ver do seu lado um homem alto, forte, com cabelos escuros molhados tocando os ombros largos e usando apenas uma sunga.
Naquele momento, sem máscaras, disfarces ou reconhecimento, Joana via o homem que preenchia sua mente desde o beijo que trocaram no jardim.
Moveu-se assustada em uma tentativa de levantar e afastar-se do estranho. Acabou escorregando na pedra lisa e teria caído, se machucando gravemente, se braços fortes não a amparasse na queda.
Com o coração acelerado, debateu-se com força e deixou saírem por seus lábios um grito angustiado por ajuda. Que logo foi tapado por uma mão grande, assim como seus movimentos foram contidos pela muralha que a mantinha presa contra si.
— Calma, moça! Não te farei nenhum mal. Até evitei que se machucasse — o homem de olhos escuros disse, embora Joana estivesse apavorada demais para confiar e persistia em tentar se soltar e gritar. — Te soltarei quando se acalmar — ele prometeu ainda fazendo pressão sobre seus lábios.
Sem outra opção, Joana assentiu e, embora temesse que ele não cumprisse a palavra, segurou o berro por socorro quando ele removeu a mão de sobre sua boca. Respirou aliviada somente depois dele a soltar e dar alguns passos para longe.
Desviando o olhar do corpo seminu, Joana não segurou sua revolta.
— O que faz... assim na praia? Qualquer pessoa podia ter te visto... assim... — soltou constrangida e evitando olhá-lo.
— Essa parte da praia é isolada e, como moro aqui, não vejo problema em me banhar no mar. E estou usando o ideal para isso — ele justificou plantando as mãos nos quadris, a voz carregando uma ponta de divertimento com o constrangimento dela.
— Pois deveria... — Joana murmurou envergonhada. Tanto pela falta de roupas do homem ali, quanto por perceber o local em que estava, a área proibida por, segundo seus pais, abrigar um bandido assassino.
Ao longe visualizou uma cabana, que supôs ser do sujeito seminu. Esfregando as mãos frias nos braços descobertos, encolhida em si mesma Joana condenou-se por ter se distraído demais, ficando a mercê de um bandido.
Maximiliano observou a jovem com curiosidade, buscando lembrar-se se já a tinha visto antes sem sucesso. Era bonita, de pele muito branca que corava facilmente reparou fascinado, cabelo escuro abaixo dos ombros com franja farta e impressionantes olhos azulados. Pela aparência delicada e roupas caras, supôs se tratar de uma jovem da classe alta, possivelmente que passava mais tempo em casa do que andando entre os populares.
— Me chamo Maximiliano e você é...?
Joana o fitou com aborrecimento.
— Deveria ter vergonha de nadar... assim... — repetiu e, sem responder a pergunta, afastou-se com as pernas trêmulas dificultando os passos pela areia fofa.
Não tinha se afastado muito quando teve o braço retido.
— Espere!
— Me solte! — Joana bradou indignada pela ousadia dele.
— Só queria te devolver essas sandálias — ele disse segurando as ditas peças pela ponta dos dedos, um sorriso arrogante fixo em seu rosto ao provocá-la. — São suas, não é, Cinderela?
Sentindo o rosto em chamas, Joana agarrou as sandálias e se afastou ouvindo a gargalhada do homem reconhecido como o mais perigoso da região, mas que em sua opinião não passava de um atrevido arrogante.
Quando estava longe, quase perto da segurança de sua casa, passado o medo e surpresa do inesperado encontro, ao reviver a conversa com o estranho, teve a impressão de conhecê-lo.
No entanto, por causa de todas as regras impostas por sua madrinha, seu contato com o sexo oposto se resumia aos homens da família e empregados dos Orleans. E Maximiliano não era seu parente, óbvio, e não parecia ser do tipo que aceitava ordens, de modo que desconsiderou a possibilidade de ser um empregado.
Ainda sobrava uma possibilidade, pensou tocando o lábio inferior com o indicador, sendo transportada para braços aconchegantes e beijos passionais.
Insegura, olhou para trás com uma estranha vontade de voltar e questionar o homem de feições arrogantes, fortes e decididas. Era loucura e indecente, decidiu sacudindo a cabeça e seguindo seu caminho direto para casa.
Retornando para sua cabana, ainda com um sorriso divertido causado pelo inusitado encontro na praia, Maximiliano teve uma segunda surpresa no dia ao encontrar Dalila a sua porta, batendo o pé freneticamente no assoalho de madeira da pequena varanda. Olhando para a peruca que ela usava se viu comparando com o cabelo da mulher na praia. Eram da mesma cor e corte, embora os fios da peruca fossem artificiais e opacos em comparação. — Onde estava? — Dalila perguntou aborrecida, o olhar descendo pelo corpo do amante só de sunga. — E com quem? — No mar, nadando sozinho — respondeu caminhando para dentro da cabana. Mordida de ciúmes, inquiriu: — Nadar? Sabe o quanto é difícil sair durante esse horário para estar aqui? — Se queixou irada. Ignorando a raiva de Dalila, Maximiliano começou a retirar a sunga. — O que pensa que está fazendo? — O que acha? Maximiliano sorriu de lado e, depois de retirar a peça diante do olhar atento dela, se aproximou da jovem e a beijou para silenciar suas
Kassandra o encarou com olhos arregalados. — Que disse? — Desde que a vi não penso em outra. — Invadido pelo entusiasmo, Adriano ignorou a cara de susto de sua mãe e insistiu: — Quero Dalila para mim. — E Joana? O desconcerto ao ser lembrado da noiva preencheu a face dele, mas não o fez recuar. — Sinto muito, mas se tiver que passar o resto da vida com uma mulher, no mínimo devo estar atraído por ela. E não sinto mais que amizade por Joana — anunciou decidido. Kassandra fitou Adriano intensamente e por um momento viu Nicolás, seu falecido marido, no filho. A mesma persistência ao desejar algo, a mesma teimosia e certeza de que o obteria. — Pense um pouco antes dessa decisão. — Nervosa sugeriu e, como último recurso, buscou um pequeno argumento para forçar seu filho a cumprir com o compromisso. — Dalila pode não corresponder a seus sentimentos... — Conversamos por mensagens e ela tem interesse em mim, mas se preocupa por Joana. Por isso quero acabar com esse compromisso. Perceb
Tendo um importantes trabalhos nos próximos dias, Maximiliano passou a tarde na cabine de seu barco ancorado no porto de Sanmarino, se reunindo com dois marinheiros e seus amigos de confiança, Lucas Santos e Beto Alves. Encontravam-se iluminados somente pela luz fraca da cabine, as janelas e porta fechadas para que ninguém ouvisse o que combinavam dentro do barco, batizado de Diablo pelo falecido irmão de Maximiliano para provocar a população, e aumentando com isso à má fama da família. — O melhor seria passar o carregamento de madrugada, quando há menos vigilância — opinou Beto, segundo no comando do barco, o olhar atento no mapa precário que fez do local que roubariam em alguns dias. — E devemos ter alguém de dentro para nos dar cobertura. — Conheço um oficial que posso convencer a nos ajudar. É um cliente do Crista do Mar — Lucas indicou se referindo ao bar próximo ao porto. Mesmo não gostando de buscar aliados fora de seu círculo de amizade, Maximiliano decidiu que naquele caso
— Somos mais amigos que namorados desde o início... — Adriano continuou torturando o coração de Joana. Apertando os lábios para segurar o choro que embolava em sua garganta, Joana enrolou o indicador na corrente de seu camafeu, cujo interior abrigava uma foto deles abraçados, símbolo do amor deles. Amor que agora ele taxava como amizade. Sentindo a cabeça pesar uma tonelada, Joana sustentou orgulhosa o olhar na face de seu agora ex-noivo, que tinha plantado um sorriso gentil, diferente das palavras que quebravam a alma da jovem em pedaços. — Joana, lamento tanto não poder seguir com o casamento, mas... Como uma mariposa voando ao redor de uma lamparina, Joana tentava apartar o olhar dos lábios dele enquanto ele prosseguia em suas justificativas para dar fim ao noivado, mas, perturbada e inquieta, deu-se conta que era impossível. Inesperadamente, como se para tortura-la ainda mais, se viu lembrando o beijo no baile de máscaras e comparando-o. Os de Adriano sempre foram controlados
Com o coração destroçado e lágrimas molhando a face pálida, Joana sentia que sua vida não tinha mais sentido. Encontrava-se perturbada por três motivos: O fim do compromisso; por conseguir visualizar os olhares de pena em sua direção quando andasse pelas ruas da cidade; e pela decepção que viu na face séria de seu pai quando o anúncio foi dado. A muito se deu conta que decepcionou seu pai ao não nascer homem, como o desejo da maioria dos pais da cidade quando se tratava do primogênito. Agora acabou com a única felicidade que deu ao senhor Iago Savoia em vinte e quatro anos de existência: o noivado com Adriano. Para aumentar sua infelicidade, não só teria de ver Adriano com outra, como seria sua própria irmã. Dalila é que se tornaria a senhora Orleans, que ocuparia um lugar eterno no coração de Adriano, que até então pensou ser seu. — Porque a vida está sendo tão cruel? Não basta me deixar, ele quer minha irmã... — Joana lamentava em meio ao pranto. Lembrou-se de imediato do beijo n
Maximiliano ergueu-se de sua poltrona e olhou para a porta da velha cabana, em que Dalila estava parada no vão usando as roupas simples e o rosto quase oculto pela peruca de fios escuros e franja farta. — A reunião está finalizada — disse para os amigos, fazendo um gesto que eles entenderam de imediato que era deixarem os dois a sós. Beto e Lucas levantaram e partiram sem trocar uma única palavra com a mulher que entrou na cabana. Vagamente, Beto notou que era a mesma do mercado, só que com um disfarce para ocultar sua face. Logo que os amigos de Maximiliano abandonaram a cabana, Dalila fechou a porta, retirou a peruca, deixando-a no aparador e se aproximou dele com um sorriso luminoso nos lábios. Em instantes lançava seus braços em torno do pescoço forte do amante. — Vai sair em outra viagem? — Dalila perguntou ao reparar no mapa aberto na mesa. Segurando-a junto a si, Maximiliano encostou os quadris na mesa de madeira envelhecida, passando a mão de leve nas costas dela. — Meu b
Não tendo aulas a dar no sábado, trancada em seu quarto, mesmo ainda não tendo documentos para a viagem, Joana fez uma pequena mala para sua estada na casa dos Orleans em Portugal. Depois passou algumas horas verificando na internet cursos que poderia fazer lá, de forma a ocupar seu tempo e atenção longe dos problemas de sua casa. Tendo crescido diante dos olhos zelosos de sua madrinha, mãe e das professoras religiosas, sabia outras línguas e podia se adaptar perfeitamente ao novo ambiente. Sua mãe bateu na porta, avisou que iria para a missa e perguntou se ela queria ir junto. Necessitando de um pouco de paz, avisou que iria. Aproveitaria para informar as freiras de sua partida, de forma que arranjassem uma pessoa para ficar em seu lugar na escola e nas atividades que executava. Mesmo temendo o momento da confissão, também queria falar com o padre, colocar um pouco de sua amargura para fora. Deitou de costas na cama e, fitando o teto, levou os dedos aos lábios. Teria de contar so
Cansada de carregar o peso da rejeição sozinha, e ciente de que o padre era seu elo com o Criador, Joana contou sobre o beijo no baile, como achava que estava sendo castigada por causa dele e narrou com dor no coração a troca feita por Adriano. Como esperado, ao fim de sua confissão ouviu o padre repreendê-la severo: — Se afastar das pessoas que te amam, apenas para não ver a felicidade de sua irmã é pecado de soberba. — Creio que acabaria saindo da cidade algum dia se não fosse o compromisso... — afirmou trêmula e sem convicção na voz melodiosa. — Joana, sabemos que isso não é verdade — repreendeu o sacerdote. — Está encoberta pelo orgulho e essa não é a melhor forma de superar as dores. — É certo que cometi alguns pecados... Incluindo da soberba... Estou arrependida, mas para obter paz, necessito de mudança. — Sentiu os olhos arderem, a garganta travar e uma lágrima solitária descer devagar por sua face. — Rezarei pela sua paz, minha jovem — comunicou o padre. — E, como penitênc