Retornando para sua cabana, ainda com um sorriso divertido causado pelo inusitado encontro na praia, Maximiliano teve uma segunda surpresa no dia ao encontrar Dalila a sua porta, batendo o pé freneticamente no assoalho de madeira da pequena varanda.
Olhando para a peruca que ela usava se viu comparando com o cabelo da mulher na praia. Eram da mesma cor e corte, embora os fios da peruca fossem artificiais e opacos em comparação.
— Onde estava? — Dalila perguntou aborrecida, o olhar descendo pelo corpo do amante só de sunga. — E com quem?
— No mar, nadando sozinho — respondeu caminhando para dentro da cabana.
Mordida de ciúmes, inquiriu:
— Nadar? Sabe o quanto é difícil sair durante esse horário para estar aqui? — Se queixou irada.
Ignorando a raiva de Dalila, Maximiliano começou a retirar a sunga.
— O que pensa que está fazendo?
— O que acha?
Maximiliano sorriu de lado e, depois de retirar a peça diante do olhar atento dela, se aproximou da jovem e a beijou para silenciar suas queixas e leva-la para o quarto.
— Conversei com seu pai sobre minha intenção de casar com você — Maximiliano informou, ainda com a respiração agitada. — Ele me prometeu apoiar nosso relacionamento se eu sair da ilegalidade. Aceitei uma encomenda que ao fim conseguirei milhões em retorno. Depois dela, Iago me ajudará a entrar na sociedade como seu noivo oficial.
— Que ótimo!
Dalila ocultou seu aborrecimento atrás de uma máscara de falsa alegria. Duvidando que Maximiliano conseguisse manter sua riqueza fora do crime, Dalila preferia procurar casamento em outra parte. Não arriscaria seu futuro com um bandido, por mais rico e atraente que fosse, nem mesmo com aprovação de seu pai, Iago Savoia.
Óbvio que Iago apoiaria, tinha tantas dívidas que só não oferecia Joana aos cobradores porque Kassandra Orleans a escolheu como nora, e pela mais velha ser uma tonta carola. Dalila era diferente, gostava do luxo, diversão e joias, foi fácil concordar seduzir os cobradores do pai e tirar deles muito mais do que cobravam. Mas não passaria a vida sendo moeda de troca e nem casada com um contrabandista.
Satisfeito por seus planos se encaminharem como desejava, Maximiliano se imaginou esfregando seu sucesso na cara dos riquinhos moralistas de Sanmarino, principalmente os Orleans.
Planos que nem imaginava serem impossíveis, pois a jovem em seus braços não tinha intenção alguma de casar, pelo menos não com ele.
~*~
Era tarde da noite quando Adriano abandonou o escritório da casa em Sanmarino e, após se trocar, se unia a sua mãe para jantarem na casa dos Savoia.
Feliz por ter a presença do filho depois de tanto tempo longe, dolorosos dias e meses sozinha na casa em Sanmarino ou na mansão da fazenda, brindou seu amado primogênito e única razão de sua vida com um sorriso amplo.
— Terminou de revisar os documentos da fazenda?
— Alguns, mas terei de terminar de analisar quando estivermos na fazenda, com maior calma e conversando com os peões.
Kassandra assentiu.
— Alegra-me em te ver envolvido com os negócios da fazenda. Significa que passará mais tempo aqui do que na capital — comemorou.
— Retornei para ficar, mamãe — confirmou encaminhando-se para a garagem. — A empresa tem uma diretoria que cuidará de tudo enquanto estiver aqui e me manterá informado. Só irei para a capital se precisarem da minha presença.
— E o que achou da festa de ontem? — Kassandra aproveitou para questionar.
— Gostei, principalmente em rever Dalila — Adriano respondeu com sinceridade. — Ela mudou muito desde a última vez que a vi.
Alheia ao brilho apaixonado no rosto do filho, Kassandra indicou:
— É uma moça bonita e cheia de personalidade, por isso terá muitas dificuldades para arranjar um marido — comentou desdenhosa.
Diferente de Joana, Dalila sempre estava metida em alguma fofoca ou confusão entre as mulheres. Alguns, incluindo sua prima Carmem, diziam se tratar de inveja, mas Kassandra notava que Dalila atraia de propósito os homens como abelhas só para provocar as outras jovens solteira, e até algumas casadas.
— Ela é tão jovem, não deve ter pressa em se casar — Adriano sondou aproximando-se do motorista aguardando-os ao lado do carro que usariam. — Tem dezoito anos, não é?
— Fez vinte e um ha poucos meses.
— Ainda assim é muito nova — repetiu com receio de perder a oportunidade de conhecer melhor a jovem.
— Em uma cidade minúscula, de famílias tradicionais e religiosas, é normal ter pelo menos um pretendente para apresentar. Lembre-se que Joana e você noivaram quando ela fez exatamente vinte e um — Kassandra informou com severidade, acrescentando com um leve toque maldoso: — Além disso, Dalila não possui nenhuma inclinação ao trabalho ou estudos, o casamento, de fato, é a única opção dela.
O restante do trajeto seguiu-se em completo silêncio, Kassandra pensou ser pelo filho ter tantas preocupações com os negócios da fazenda. Mas a mente de Adriano estava reavaliando seu compromisso, que tornava difícil uma aproximação maior de Dalila, irmã de sua noiva.
Quando aceitou Joana tinha focado nos argumentos de sua mãe, em arranjar uma mulher acostumada com a vida pacata do campo, que não lhe faria cobranças. Ensinada a entender que ele tinha compromisso com os negócios da família, enquanto ela cuidava mansamente da casa e dos futuros filhos. Um acordo prático, algo comum nos enlaces de pessoas em posição financeira como as deles.
No entanto, agora o noivado lhe parecia uma prisão que o afastava de uma mulher muito mais atraente. E a ironia era essas duas mulheres serem irmãs.
Durante o jantar, tendo ambas as irmãs a sua frente, uma descontraída e a outra falando só quando solicitada, Adriano percebeu que cometeu um erro ao aceitar Joana só para agradar sua mãe.
Apesar de bonita, Joana era tímida e retraída demais para o seu gosto. Principalmente quando a comparava com a calorosa e sedutora Dalila.
Essa noção de erro só fez aumentar conforme novos encontros ocorriam com a fria noiva e, às escondidas, falava com a sensual Dalila, inclusive tendo marcado um encontro em um local discreto da praia para conversarem. A conversa aumentou sua vontade de beijá-la, de tê-la em seus braços, mas a jovem, pensando na irmã, escapava de seus desejos.
Foi ao voltar desse encontro, em que Dalila disse que aceitaria seus avanços se fosse livre, que Adriano decidiu ser sincero e contou para sua incrédula mãe:
— Não a quero, mãe. Não quero me casar com Joana. Prefiro Dalila.
Kassandra o encarou com olhos arregalados. — Que disse? — Desde que a vi não penso em outra. — Invadido pelo entusiasmo, Adriano ignorou a cara de susto de sua mãe e insistiu: — Quero Dalila para mim. — E Joana? O desconcerto ao ser lembrado da noiva preencheu a face dele, mas não o fez recuar. — Sinto muito, mas se tiver que passar o resto da vida com uma mulher, no mínimo devo estar atraído por ela. E não sinto mais que amizade por Joana — anunciou decidido. Kassandra fitou Adriano intensamente e por um momento viu Nicolás, seu falecido marido, no filho. A mesma persistência ao desejar algo, a mesma teimosia e certeza de que o obteria. — Pense um pouco antes dessa decisão. — Nervosa sugeriu e, como último recurso, buscou um pequeno argumento para forçar seu filho a cumprir com o compromisso. — Dalila pode não corresponder a seus sentimentos... — Conversamos por mensagens e ela tem interesse em mim, mas se preocupa por Joana. Por isso quero acabar com esse compromisso. Perceb
Tendo um importantes trabalhos nos próximos dias, Maximiliano passou a tarde na cabine de seu barco ancorado no porto de Sanmarino, se reunindo com dois marinheiros e seus amigos de confiança, Lucas Santos e Beto Alves. Encontravam-se iluminados somente pela luz fraca da cabine, as janelas e porta fechadas para que ninguém ouvisse o que combinavam dentro do barco, batizado de Diablo pelo falecido irmão de Maximiliano para provocar a população, e aumentando com isso à má fama da família. — O melhor seria passar o carregamento de madrugada, quando há menos vigilância — opinou Beto, segundo no comando do barco, o olhar atento no mapa precário que fez do local que roubariam em alguns dias. — E devemos ter alguém de dentro para nos dar cobertura. — Conheço um oficial que posso convencer a nos ajudar. É um cliente do Crista do Mar — Lucas indicou se referindo ao bar próximo ao porto. Mesmo não gostando de buscar aliados fora de seu círculo de amizade, Maximiliano decidiu que naquele caso
— Somos mais amigos que namorados desde o início... — Adriano continuou torturando o coração de Joana. Apertando os lábios para segurar o choro que embolava em sua garganta, Joana enrolou o indicador na corrente de seu camafeu, cujo interior abrigava uma foto deles abraçados, símbolo do amor deles. Amor que agora ele taxava como amizade. Sentindo a cabeça pesar uma tonelada, Joana sustentou orgulhosa o olhar na face de seu agora ex-noivo, que tinha plantado um sorriso gentil, diferente das palavras que quebravam a alma da jovem em pedaços. — Joana, lamento tanto não poder seguir com o casamento, mas... Como uma mariposa voando ao redor de uma lamparina, Joana tentava apartar o olhar dos lábios dele enquanto ele prosseguia em suas justificativas para dar fim ao noivado, mas, perturbada e inquieta, deu-se conta que era impossível. Inesperadamente, como se para tortura-la ainda mais, se viu lembrando o beijo no baile de máscaras e comparando-o. Os de Adriano sempre foram controlados
Com o coração destroçado e lágrimas molhando a face pálida, Joana sentia que sua vida não tinha mais sentido. Encontrava-se perturbada por três motivos: O fim do compromisso; por conseguir visualizar os olhares de pena em sua direção quando andasse pelas ruas da cidade; e pela decepção que viu na face séria de seu pai quando o anúncio foi dado. A muito se deu conta que decepcionou seu pai ao não nascer homem, como o desejo da maioria dos pais da cidade quando se tratava do primogênito. Agora acabou com a única felicidade que deu ao senhor Iago Savoia em vinte e quatro anos de existência: o noivado com Adriano. Para aumentar sua infelicidade, não só teria de ver Adriano com outra, como seria sua própria irmã. Dalila é que se tornaria a senhora Orleans, que ocuparia um lugar eterno no coração de Adriano, que até então pensou ser seu. — Porque a vida está sendo tão cruel? Não basta me deixar, ele quer minha irmã... — Joana lamentava em meio ao pranto. Lembrou-se de imediato do beijo n
Maximiliano ergueu-se de sua poltrona e olhou para a porta da velha cabana, em que Dalila estava parada no vão usando as roupas simples e o rosto quase oculto pela peruca de fios escuros e franja farta. — A reunião está finalizada — disse para os amigos, fazendo um gesto que eles entenderam de imediato que era deixarem os dois a sós. Beto e Lucas levantaram e partiram sem trocar uma única palavra com a mulher que entrou na cabana. Vagamente, Beto notou que era a mesma do mercado, só que com um disfarce para ocultar sua face. Logo que os amigos de Maximiliano abandonaram a cabana, Dalila fechou a porta, retirou a peruca, deixando-a no aparador e se aproximou dele com um sorriso luminoso nos lábios. Em instantes lançava seus braços em torno do pescoço forte do amante. — Vai sair em outra viagem? — Dalila perguntou ao reparar no mapa aberto na mesa. Segurando-a junto a si, Maximiliano encostou os quadris na mesa de madeira envelhecida, passando a mão de leve nas costas dela. — Meu b
Não tendo aulas a dar no sábado, trancada em seu quarto, mesmo ainda não tendo documentos para a viagem, Joana fez uma pequena mala para sua estada na casa dos Orleans em Portugal. Depois passou algumas horas verificando na internet cursos que poderia fazer lá, de forma a ocupar seu tempo e atenção longe dos problemas de sua casa. Tendo crescido diante dos olhos zelosos de sua madrinha, mãe e das professoras religiosas, sabia outras línguas e podia se adaptar perfeitamente ao novo ambiente. Sua mãe bateu na porta, avisou que iria para a missa e perguntou se ela queria ir junto. Necessitando de um pouco de paz, avisou que iria. Aproveitaria para informar as freiras de sua partida, de forma que arranjassem uma pessoa para ficar em seu lugar na escola e nas atividades que executava. Mesmo temendo o momento da confissão, também queria falar com o padre, colocar um pouco de sua amargura para fora. Deitou de costas na cama e, fitando o teto, levou os dedos aos lábios. Teria de contar so
Cansada de carregar o peso da rejeição sozinha, e ciente de que o padre era seu elo com o Criador, Joana contou sobre o beijo no baile, como achava que estava sendo castigada por causa dele e narrou com dor no coração a troca feita por Adriano. Como esperado, ao fim de sua confissão ouviu o padre repreendê-la severo: — Se afastar das pessoas que te amam, apenas para não ver a felicidade de sua irmã é pecado de soberba. — Creio que acabaria saindo da cidade algum dia se não fosse o compromisso... — afirmou trêmula e sem convicção na voz melodiosa. — Joana, sabemos que isso não é verdade — repreendeu o sacerdote. — Está encoberta pelo orgulho e essa não é a melhor forma de superar as dores. — É certo que cometi alguns pecados... Incluindo da soberba... Estou arrependida, mas para obter paz, necessito de mudança. — Sentiu os olhos arderem, a garganta travar e uma lágrima solitária descer devagar por sua face. — Rezarei pela sua paz, minha jovem — comunicou o padre. — E, como penitênc
Em seu pequeno escritório no centro de Sanmarino, o advogado Donato Herrera examinava uma pilha de documentos sobre sua escrivaninha. De tempos em tempos passava os dedos entre os fios brancos de seu cabelo distraidamente, os olhos castanhos concentrados no caso que recebeu de uma humilde família, que temia ser despejada. Sua atenção foi retirada da papelada pela campainha. — Pode entrar, está aberta! — Donato comunicou sem tirar a atenção do que fazia. — Bom dia, senhor Donato! O advogado levantou o olhar e abriu um sorriso ao reconhecer Adriano Orleans. De imediato, levantou-se emocionado diante de sua inesperada visita, impressionado mais uma vez pelas semelhanças entre o jovem e seu amigo falecido. — Como está? — Bem. Cheio de trabalho desde que voltei da capital. Mas, enfim, terminei tudo que tinha por lá e me estabelecerei definitivamente em Sanmarino. — Alegra-me. E em que posso ajudá-lo? Sentaram-se e Adriano aguardou que o advogado servisse café para ambos antes de ini