Vendo a irmã empalidecer, Dalila foi atingida por uma sensação ruim.
— Quando estiveram no jardim, ele te fez algo? Tentou algo?
— Não houve nada... — Joana negou levando a mão ao camafeu, o medo do que aconteceria se descobrissem que traiu, mesmo sem querer, seu noivo dominando-a.
Os olhos de Dalila foram para a joia com desenho de rosa, consciente do que havia em seu interior, a suspeita aumentando com a evidente tensão dominando as feições da irmã.
— Não me engana Joana. Esse homem tentou algo, não tentou? — Dalila insistiu na pergunta irritada só em pensar que o amante, seu Maximiliano, pudesse ter tocado Joana como a tocava. — Esteve se agarrando com outro homem na casa de seu noivo?
Joana ficou chocada com o que a irmã disse, com o tom acusatório, como se soubesse o deslize que cometeu.
— Não houve nada e sua acusação é obscena e injusta! — Alterada caminhou em direção à saída. — Vou deixa-la para que descanse.
Antes que abrisse a porta, Dalila veloz se levantou e a segurou pelo braço.
— Irmã, se fez algo indevido, pode compartilhar comigo. Não contarei a ninguém, nem mesmo para o Adriano.
Puxando o braço, Joana se retirou apresada deixando uma irritada Dalila para trás.
Abandonando o plano de tomar um longo banho para tirar o suor da pele, Dalila trancou a porta de seu quarto, foi para sua cama e ergueu o colchão, retirando de debaixo dele uma sacola de lixo, cujo interior abrigava um velho uniforme da empregada da casa e uma peruca de fios escuros.
Usando o estranho traje, Dalila escapou pela sacada de seu quarto e pegou a bicicleta que deixava nos fundos da propriedade. Pedalando rápido pelas vielas da cidade, se afastou de casa, utilizando a escuridão para ocultar sua fuga.
~*~
Morando em uma parte afastada da cidade, no montanhoso Monte do Diabo, Maximiliano Gonzalez desfrutava de uma tranquilidade incomum, fornecida pelas crendices dos populares que tornaram o local proibido há anos.
Logo que chegou do baile tomou um longo banho, necessitando esfriar o corpo de um desejo novo, por uma mulher que não fazia ideia de quem era. Sentou na poltrona em frente à lareira, já crepitante, e com o olhar perdido nas chamas e o indicador deslizando por seu lábio, rememorou aquele beijo em meio às rosas que no passado sua mãe plantou com todo amor.
“— As rosas são o símbolo maior do amor, principalmente as vermelhas, que significam paixão intensa.” Milene Gonzalez havia lhe dito ao cortar o talo de uma rosa de pétalas macias e vermelhas, como os lábios da jovem que beijou clandestinamente em seu antigo lar.
Jogou a cabeça para trás e fitou o teto de madeira, reparando em uma nova teia de aranha.
Fazia um tempo que não pensava em sua mãe e em todos os familiares mortos quinze anos antes, mas sua nova amante o fez relembrar a dor da perda e reavivou uma chama apagada por anos de sofrimento, uma vontade de fogo por vingança e reparação. Foi atrás disso que se infiltrou na festa dos Orleans, dada na casa que eles lhe roubaram após matar seus pais. Mas acabou aos beijos com uma estranha...
Levantou-se ao ouvir batidas na porta e reconhecer a voz sensual chamando-o. Apressou-se a abrir a porta e deu uma longa olhada nela, em seu horroroso disfarce para encontra-lo.
Com um sensual sorriso de canto, estendeu a mão, enrolando um dedo nos fios artificias ao gracejar:
— Venho me ver, bela noiva? — Maximiliano questionou usando as palavras que a Dalila pediu para usar ao abordá-la na festa a fantasia. Embora com isso tenha cometido um erro e beijado a mulher errada. Um erro que o perturbava mais do que deveria, admitia para si.
Dalila, deslumbrando-se pela milionésima vez ao encontrar o Gonzalez. Suspirou ao observar a água do banho recente escorrer pelo cabelo negro quase na altura dos ombros, descendo sensualmente pelo pescoço forte rumo ao peitoral definido.
— Claro — Dalila disse deixando Maximiliano envolver os braços em sua cintura, puxando-a para dentro da cabana e fechando a porta.
Desde a primeira vez que foi apresentado a Dalila pelo pai dela, cada detalhe o atraía como um imã sexual. E havia a vantagem de ter laços familiares com seus inimigos, o que seria muito útil para sua vingança e plano de reaver o que lhe foi roubado.
Deslizando as mãos pelas costas da amante, provocativo a beijou no pescoço, subindo pouco a pouco, assim como o fazia ao encaminha-la para a cama em que a tomaria uma vez mais.
— Estive na festa dos Orleans — Maximiliano disse após se refazer dos momentos de paixão. — Mas outra pessoa estava com a fantasia que você me descreveu — contou com uma estranha vontade dela conhecer a pessoa e lhe dizer quem era.
Fazendo mini círculos no peito másculo, Dalila o fitou, vendo a oportunidade para saber o que houve entre ele e Joana.
— Minha irmã tanto insistiu que trocássemos de fantasias que nossos pais, para agradá-la, me obrigaram a fazer sua vontade — mentiu, logo questionando com ciúmes e desconfiança: — Ela me disse que você a levou ao jardim. Ocorreu algo entre vocês dois?
— Ela disse que aconteceu algo? — Maximiliano sondou, sem vontade de mencionar o beijo para não irritar Dalila.
Igual a ele, sua amante era passional com a relação deles. Tendo ouvido que ele mantinha um harém a sua disposição, logo no início do relacionamento ela exigiu ser a única.
Também evitava o assunto porque passou horas lembrando-se da maciez daqueles lábios nos seus, a suavidade do beijo, do leve gemido que ela soltou contra sua boca antes de sair correndo. Inclusive por causa da reação do seu corpo as recordações daqueles segundos, necessitou tomar um banho frio. Dalila não gostaria de nenhum desses detalhes.
— Joana é uma sonsa invejosa, mas tão puritana que quando questionei me chamou de obscena e saiu correndo.
Maximiliano teve vontade de rir ao encontrar semelhança na atitude citada por Dalila com o que ocorreu após o beijo. Mas conteve-se e decidiu não expor Joana, como ela não o tinha exposto a Dalila.
— Tentei conversar com ela, mas saiu correndo assustada.
— Agir como um ratinho acuado é tão Joana — Dalila zombou. — A sorte dela foi arranjar um compromisso com Adriano.
Maximiliano se moveu incomodado no leito. Apesar de sua vontade de se infiltrar nos círculos sociais dos Orleans, preferia evitar o nome deles quando estava na cama com a amante.
— Esqueça sua irmã — pediu movendo-se para ficar por cima da jovem e reiniciando as carícias. — E aproveite esse tempo que estamos juntos.
Correspondeu na mesma intensidade, Dalila deixou-se envolver como em todos os encontros anteriores.
Maximiliano não era seu primeiro romance clandestino, mas era o mais intenso e perigoso. Apesar de ser um amante maravilhoso e cobri-la de joias, Maximiliano era um contrabandista e não tinha nada a oferecer aos seus sonhos de vida tranquila. Por isso, quando ele propôs aproveita-se da festa para se divertirem juntos, teve de agir e colocou Joana propositalmente na fantasia que descreveu para ele. Assim ficou livre da irmã, do amante e teve a oportunidade de cativar os olhos de um rico fazendeiro, comemorou certa que em breve obteria o que tanto desejava, mesmo à custa da felicidade de Joana.
Sem desconfiar dos planos insensíveis de sua irmã, Joana acordou cedo para dar aulas de catequese no colégio religioso, anexo ao convento e a igreja da cidade, como pedido por sua madrinha logo após se formar em licenciatura. Naquele dia, após finalizar as aulas do dia, seguiu para outra tarefa que adquiriu após anos com os religiosos, decorar o altar para a pregação da tarde, o que costumava fazer com alegria. Mas, mesmo sendo uma tarefa que gostava, sua mente estava longe, no jardim, no homem que a beijou e que ela aceitou imaginando ser seu noivo. Ao termino da função, encontrou sua melhor amiga, Tereza Braga do lado de fora da igreja, que se ofereceu para acompanha-la na volta para casa, aproveitando para conversar sobre as últimas novidades da cidade e questioná-la sobre a festa. Bastou alguns segundos para Tereza notar seu abatimento. Tinha ido ao encontro da amiga no fim de seu expediente como secretaria da prisão da cidade, sedenta por informações da festa da noite anterior,
Necessitando espairecer a mente, e esquecer o incidente no jardim da casa de seu noivo, logo que Tereza foi embora e ainda tendo algumas horas antes do jantar, Joana decidiu fazer uma caminhada pela marina. Não era uma atividade que fazia com frequência, pois tinha muito a fazer diariamente, planejar as aulas, cuidar dos seus afazeres em casa e na igreja, além de sempre dedicar alguns minutos para falar com o noivo. Mas sempre que podia arranjava um tempo para apreciar o sol se perdendo nas águas. O mar a atraia como canto de sereia, e, ao entardecer, quando poucos andavam pela praia, costumava caminhar descalça pela areia ainda quente, com a brisa balançando seu cabelo e os olhos se maravilhando com os tons avermelhados e purpúreos do fim de mais um dia se perdendo nas ondas. Com tantos acontecimentos girando em sua cabeça, distraída afastou-se mais que o costume, sem perceber se aproximando do Monte do Diabo, lugar que todos aconselhavam a evitar por causa de lendas sobre demônios
Retornando para sua cabana, ainda com um sorriso divertido causado pelo inusitado encontro na praia, Maximiliano teve uma segunda surpresa no dia ao encontrar Dalila a sua porta, batendo o pé freneticamente no assoalho de madeira da pequena varanda. Olhando para a peruca que ela usava se viu comparando com o cabelo da mulher na praia. Eram da mesma cor e corte, embora os fios da peruca fossem artificiais e opacos em comparação. — Onde estava? — Dalila perguntou aborrecida, o olhar descendo pelo corpo do amante só de sunga. — E com quem? — No mar, nadando sozinho — respondeu caminhando para dentro da cabana. Mordida de ciúmes, inquiriu: — Nadar? Sabe o quanto é difícil sair durante esse horário para estar aqui? — Se queixou irada. Ignorando a raiva de Dalila, Maximiliano começou a retirar a sunga. — O que pensa que está fazendo? — O que acha? Maximiliano sorriu de lado e, depois de retirar a peça diante do olhar atento dela, se aproximou da jovem e a beijou para silenciar suas
Kassandra o encarou com olhos arregalados. — Que disse? — Desde que a vi não penso em outra. — Invadido pelo entusiasmo, Adriano ignorou a cara de susto de sua mãe e insistiu: — Quero Dalila para mim. — E Joana? O desconcerto ao ser lembrado da noiva preencheu a face dele, mas não o fez recuar. — Sinto muito, mas se tiver que passar o resto da vida com uma mulher, no mínimo devo estar atraído por ela. E não sinto mais que amizade por Joana — anunciou decidido. Kassandra fitou Adriano intensamente e por um momento viu Nicolás, seu falecido marido, no filho. A mesma persistência ao desejar algo, a mesma teimosia e certeza de que o obteria. — Pense um pouco antes dessa decisão. — Nervosa sugeriu e, como último recurso, buscou um pequeno argumento para forçar seu filho a cumprir com o compromisso. — Dalila pode não corresponder a seus sentimentos... — Conversamos por mensagens e ela tem interesse em mim, mas se preocupa por Joana. Por isso quero acabar com esse compromisso. Perceb
Tendo um importantes trabalhos nos próximos dias, Maximiliano passou a tarde na cabine de seu barco ancorado no porto de Sanmarino, se reunindo com dois marinheiros e seus amigos de confiança, Lucas Santos e Beto Alves. Encontravam-se iluminados somente pela luz fraca da cabine, as janelas e porta fechadas para que ninguém ouvisse o que combinavam dentro do barco, batizado de Diablo pelo falecido irmão de Maximiliano para provocar a população, e aumentando com isso à má fama da família. — O melhor seria passar o carregamento de madrugada, quando há menos vigilância — opinou Beto, segundo no comando do barco, o olhar atento no mapa precário que fez do local que roubariam em alguns dias. — E devemos ter alguém de dentro para nos dar cobertura. — Conheço um oficial que posso convencer a nos ajudar. É um cliente do Crista do Mar — Lucas indicou se referindo ao bar próximo ao porto. Mesmo não gostando de buscar aliados fora de seu círculo de amizade, Maximiliano decidiu que naquele caso
— Somos mais amigos que namorados desde o início... — Adriano continuou torturando o coração de Joana. Apertando os lábios para segurar o choro que embolava em sua garganta, Joana enrolou o indicador na corrente de seu camafeu, cujo interior abrigava uma foto deles abraçados, símbolo do amor deles. Amor que agora ele taxava como amizade. Sentindo a cabeça pesar uma tonelada, Joana sustentou orgulhosa o olhar na face de seu agora ex-noivo, que tinha plantado um sorriso gentil, diferente das palavras que quebravam a alma da jovem em pedaços. — Joana, lamento tanto não poder seguir com o casamento, mas... Como uma mariposa voando ao redor de uma lamparina, Joana tentava apartar o olhar dos lábios dele enquanto ele prosseguia em suas justificativas para dar fim ao noivado, mas, perturbada e inquieta, deu-se conta que era impossível. Inesperadamente, como se para tortura-la ainda mais, se viu lembrando o beijo no baile de máscaras e comparando-o. Os de Adriano sempre foram controlados
Com o coração destroçado e lágrimas molhando a face pálida, Joana sentia que sua vida não tinha mais sentido. Encontrava-se perturbada por três motivos: O fim do compromisso; por conseguir visualizar os olhares de pena em sua direção quando andasse pelas ruas da cidade; e pela decepção que viu na face séria de seu pai quando o anúncio foi dado. A muito se deu conta que decepcionou seu pai ao não nascer homem, como o desejo da maioria dos pais da cidade quando se tratava do primogênito. Agora acabou com a única felicidade que deu ao senhor Iago Savoia em vinte e quatro anos de existência: o noivado com Adriano. Para aumentar sua infelicidade, não só teria de ver Adriano com outra, como seria sua própria irmã. Dalila é que se tornaria a senhora Orleans, que ocuparia um lugar eterno no coração de Adriano, que até então pensou ser seu. — Porque a vida está sendo tão cruel? Não basta me deixar, ele quer minha irmã... — Joana lamentava em meio ao pranto. Lembrou-se de imediato do beijo n
Maximiliano ergueu-se de sua poltrona e olhou para a porta da velha cabana, em que Dalila estava parada no vão usando as roupas simples e o rosto quase oculto pela peruca de fios escuros e franja farta. — A reunião está finalizada — disse para os amigos, fazendo um gesto que eles entenderam de imediato que era deixarem os dois a sós. Beto e Lucas levantaram e partiram sem trocar uma única palavra com a mulher que entrou na cabana. Vagamente, Beto notou que era a mesma do mercado, só que com um disfarce para ocultar sua face. Logo que os amigos de Maximiliano abandonaram a cabana, Dalila fechou a porta, retirou a peruca, deixando-a no aparador e se aproximou dele com um sorriso luminoso nos lábios. Em instantes lançava seus braços em torno do pescoço forte do amante. — Vai sair em outra viagem? — Dalila perguntou ao reparar no mapa aberto na mesa. Segurando-a junto a si, Maximiliano encostou os quadris na mesa de madeira envelhecida, passando a mão de leve nas costas dela. — Meu b