Depois de superada a embriaguez, Joana lamentou ainda mais ter abandonado a festa. Deveria ter se refeito do mal estar e desfilado de braços dado ao noivo, mostrando a todos que em breve estariam casados.
Pensou em retornar à festa, mas, temendo o que seu noivo pensaria após a fuga, preferiu deixar que ele a procurasse.
Depois de um banho e trocar de roupa, restou-lhe aguardar até o retorno de sua família. Inquieta, desceu até a sala de estar e ficou andando de um lado para o outro até o retorno de seus pais e sua irmã.
— Essas estradas estão cada dia piores — ouviu Dalila reclamar mal-humorada ao entrar na residência seguida pelos pais. — Deveríamos ter pedido carona aos Castanhare.
— É só uma distância de quinze minutos, filha — Carmem, mãe delas, disse cansada da caminhada e mais ainda das reclamações da caçula.
— Estou suando e a caminhada não é fácil de salto alto — a jovem continuou a reclamar.
— Joana, o que deu em você para sair corrida da festa? — Irritado, Iago, pai delas, questionou assim que viu Joana.
Joana abaixou a cabeça, envergonhada por seu comportamento. Sempre sentiu que ao menor movimento poderia desagrada-lo e receber um olhar duro de desgosto, com sua atitude impulsiva era óbvio que o aborreceu.
— Desculpe-me, pai! Tive uma indisposição... — explicou sem se aprofundar no assunto. Mesmo sendo noiva de Adriano, seu pai odiaria saber que esteve aos beijos com o noivo na escuridão do jardim dos Orleans, e gostaria ainda menos em saber que fugiu para vomitar em um canteiro.
— Perdeu a chegada de Adriano na festa — Dalila disse alegremente.
Joana ergueu o rosto e fitou a irmã intensamente, sorrindo diante da referência ao seu noivo e a lembrança do beijo no jardim. Ficou ansiosa em saber se ele contou para sua irmã sobre o encontro deles. No entanto, observando seu pai de canto de olho, conteve a vontade de questiona-la.
Ao perceber que Dalila se abanava com as mãos, resmungando do calor e suor, Joana pensou em um pretexto perfeito para se retirarem da sala juntas.
— Depois dessa caminhada é melhor colocar roupas mais refrescantes — recomendou. — Vamos ao seu quarto escolher uma roupa melhor para que use após o banho.
— Verdade, meu vestido é adequado só para a festa que estivemos e não caminhadas — Dalila retrucou ainda irritada pelos pais não terem nem ao menos pedido para os Orleans mandarem o motorista levarem eles para casa. — Me sinto cozinhar e o suor de tanto dançar me incomoda há horas. Preciso mesmo de um banho — disse movendo-se para as escadas que levavam aos dormitórios.
Joana seguiu a irmã para o piso superior e, em vez de seguir para o próprio quarto entrou no de Dalila.
Olhando curiosa Joana atrás de si, Dalila compreendeu exatamente o que sua irmã pretendia com a estranha proposta de ajudá-la a escolher uma roupa.
Sua irmã era tão óbvia e tola. Nem sabia o que a esperava, comemorou com um sorriso maldoso ao lembrar como Adriano a comeu com os olhos.
~*~
Observando a irmã pegar as roupas que usaria após o banho, Joana sentou na cama arrumada e esticou nervosamente o lençol com a palma da mão por vários minutos em completo silêncio. Insegura como iniciar a conversa.
Apesar de terem somente três anos de diferença, entre elas havia um grande abismo. Enquanto Dalila transbordava vivacidade e ousadia, Joana sempre foi tímida e cresceu sendo ensinada a conter qualquer emoção mais intensa, ser responsável em tudo e tendo de moldar sua personalidade aos que os outros desejavam. Eram distintas até mesmo na aparência, cada uma sendo a mescla perfeita dos pais: Joana com os fios negros do pai e os olhos azuis da mãe; Dalila com o cabelo loiro-acobreado da mãe e olhos verdes do pai.
— Não preciso de ajuda para me trocar. Ou está aqui por outro motivo? — Dalila provocou impaciente com o silêncio de Joana.
Por um instante Joana encarou a irmã sem graça, pensando no beijo clandestino no jardim e na fuga por causa da embriaguez, provocada pelas bebidas oferecidas por Dalila, mas logo decidiu saber o que o noivo disse sobre ela.
— Adriano falou algo sobre mim quando conversaram? — Joana quis saber agarrando as mãos da irmã entre as suas, para que permanecesse ao seu lado até contar tudo.
— Só perguntou o motivo de não estar na festa. — "Passou mais tempo falando o quanto sou bonita", pensou Dalila se lembrando de quando conversara com Adriano, e nos olhares e elogios que recebeu ao longo das inúmeras danças compartilhadas.
Joana sorriu animada e Dalila a encarou com uma sobrancelha levantada, sem entender como alguém podia ficar feliz com tão pouco.
— Pensa mesmo em casar com ele? Não se veem há anos e só se falam por telefonemas e mensagens.
— Ele estava ocupado, mas agora está aqui e claro que me casarei com ele. — Com sinceridade Joana exclamou: — Estou contente que enfim nos casaremos e nunca mais estaremos longe um do outro. — Corou ao lembrar-se do beijo, de como foi tão bom após tanto tempo longe.
— Caramba! A casta e puritana Joana empolgada com seu homem, quem diria. — Dalila riu ao perceber o forte rubor que tomava conta da face da irmã com sua insinuação desdenhosa.
— Quando ele me levou no jardim foi tão especial — Joana confessou sentindo a face em chamas.
Dalila a fitou com uma sobrancelha arqueada.
— Adriano passou praticamente a festa toda ao lado da dona Kassandra — comentou, decidindo não acrescentar que quando não estava ao lado da mãe, estava do seu.
Seu comentário fez Joana levar os dedos aos lábios, lembrando-se do beijo.
— Ele me levou ao jardim pouco depois de chegar...
— Impossível! Esteve no jardim com outro homem — Dalila disse divertindo-se, pois estava claro que, como planejado, Joana caíra na armadilha que montou para se livrar dela na festa. — Diga-me, esse tal homem estava vestido com farda militar?
— Não... — Joana disse estranhando a pergunta.
— Pois bem, essa era a fantasia do Adriano — Dalila esclareceu.
Joana levantou-se angustiada. A beleza da intimidade compartilhada no jardim se perdendo ao perceber que deixou um desconhecido tocá-la e, pior, beijá-la.
Vendo a irmã empalidecer, Dalila foi atingida por uma sensação ruim. — Quando estiveram no jardim, ele te fez algo? Tentou algo? — Não houve nada... — Joana negou levando a mão ao camafeu, o medo do que aconteceria se descobrissem que traiu, mesmo sem querer, seu noivo dominando-a. Os olhos de Dalila foram para a joia com desenho de rosa, consciente do que havia em seu interior, a suspeita aumentando com a evidente tensão dominando as feições da irmã. — Não me engana Joana. Esse homem tentou algo, não tentou? — Dalila insistiu na pergunta irritada só em pensar que o amante, seu Maximiliano, pudesse ter tocado Joana como a tocava. — Esteve se agarrando com outro homem na casa de seu noivo? Joana ficou chocada com o que a irmã disse, com o tom acusatório, como se soubesse o deslize que cometeu. — Não houve nada e sua acusação é obscena e injusta! — Alterada caminhou em direção à saída. — Vou deixa-la para que descanse. Antes que abrisse a porta, Dalila veloz se levantou e a seguro
Sem desconfiar dos planos insensíveis de sua irmã, Joana acordou cedo para dar aulas de catequese no colégio religioso, anexo ao convento e a igreja da cidade, como pedido por sua madrinha logo após se formar em licenciatura. Naquele dia, após finalizar as aulas do dia, seguiu para outra tarefa que adquiriu após anos com os religiosos, decorar o altar para a pregação da tarde, o que costumava fazer com alegria. Mas, mesmo sendo uma tarefa que gostava, sua mente estava longe, no jardim, no homem que a beijou e que ela aceitou imaginando ser seu noivo. Ao termino da função, encontrou sua melhor amiga, Tereza Braga do lado de fora da igreja, que se ofereceu para acompanha-la na volta para casa, aproveitando para conversar sobre as últimas novidades da cidade e questioná-la sobre a festa. Bastou alguns segundos para Tereza notar seu abatimento. Tinha ido ao encontro da amiga no fim de seu expediente como secretaria da prisão da cidade, sedenta por informações da festa da noite anterior,
Necessitando espairecer a mente, e esquecer o incidente no jardim da casa de seu noivo, logo que Tereza foi embora e ainda tendo algumas horas antes do jantar, Joana decidiu fazer uma caminhada pela marina. Não era uma atividade que fazia com frequência, pois tinha muito a fazer diariamente, planejar as aulas, cuidar dos seus afazeres em casa e na igreja, além de sempre dedicar alguns minutos para falar com o noivo. Mas sempre que podia arranjava um tempo para apreciar o sol se perdendo nas águas. O mar a atraia como canto de sereia, e, ao entardecer, quando poucos andavam pela praia, costumava caminhar descalça pela areia ainda quente, com a brisa balançando seu cabelo e os olhos se maravilhando com os tons avermelhados e purpúreos do fim de mais um dia se perdendo nas ondas. Com tantos acontecimentos girando em sua cabeça, distraída afastou-se mais que o costume, sem perceber se aproximando do Monte do Diabo, lugar que todos aconselhavam a evitar por causa de lendas sobre demônios
Retornando para sua cabana, ainda com um sorriso divertido causado pelo inusitado encontro na praia, Maximiliano teve uma segunda surpresa no dia ao encontrar Dalila a sua porta, batendo o pé freneticamente no assoalho de madeira da pequena varanda. Olhando para a peruca que ela usava se viu comparando com o cabelo da mulher na praia. Eram da mesma cor e corte, embora os fios da peruca fossem artificiais e opacos em comparação. — Onde estava? — Dalila perguntou aborrecida, o olhar descendo pelo corpo do amante só de sunga. — E com quem? — No mar, nadando sozinho — respondeu caminhando para dentro da cabana. Mordida de ciúmes, inquiriu: — Nadar? Sabe o quanto é difícil sair durante esse horário para estar aqui? — Se queixou irada. Ignorando a raiva de Dalila, Maximiliano começou a retirar a sunga. — O que pensa que está fazendo? — O que acha? Maximiliano sorriu de lado e, depois de retirar a peça diante do olhar atento dela, se aproximou da jovem e a beijou para silenciar suas
Kassandra o encarou com olhos arregalados. — Que disse? — Desde que a vi não penso em outra. — Invadido pelo entusiasmo, Adriano ignorou a cara de susto de sua mãe e insistiu: — Quero Dalila para mim. — E Joana? O desconcerto ao ser lembrado da noiva preencheu a face dele, mas não o fez recuar. — Sinto muito, mas se tiver que passar o resto da vida com uma mulher, no mínimo devo estar atraído por ela. E não sinto mais que amizade por Joana — anunciou decidido. Kassandra fitou Adriano intensamente e por um momento viu Nicolás, seu falecido marido, no filho. A mesma persistência ao desejar algo, a mesma teimosia e certeza de que o obteria. — Pense um pouco antes dessa decisão. — Nervosa sugeriu e, como último recurso, buscou um pequeno argumento para forçar seu filho a cumprir com o compromisso. — Dalila pode não corresponder a seus sentimentos... — Conversamos por mensagens e ela tem interesse em mim, mas se preocupa por Joana. Por isso quero acabar com esse compromisso. Perceb
Tendo um importantes trabalhos nos próximos dias, Maximiliano passou a tarde na cabine de seu barco ancorado no porto de Sanmarino, se reunindo com dois marinheiros e seus amigos de confiança, Lucas Santos e Beto Alves. Encontravam-se iluminados somente pela luz fraca da cabine, as janelas e porta fechadas para que ninguém ouvisse o que combinavam dentro do barco, batizado de Diablo pelo falecido irmão de Maximiliano para provocar a população, e aumentando com isso à má fama da família. — O melhor seria passar o carregamento de madrugada, quando há menos vigilância — opinou Beto, segundo no comando do barco, o olhar atento no mapa precário que fez do local que roubariam em alguns dias. — E devemos ter alguém de dentro para nos dar cobertura. — Conheço um oficial que posso convencer a nos ajudar. É um cliente do Crista do Mar — Lucas indicou se referindo ao bar próximo ao porto. Mesmo não gostando de buscar aliados fora de seu círculo de amizade, Maximiliano decidiu que naquele caso
— Somos mais amigos que namorados desde o início... — Adriano continuou torturando o coração de Joana. Apertando os lábios para segurar o choro que embolava em sua garganta, Joana enrolou o indicador na corrente de seu camafeu, cujo interior abrigava uma foto deles abraçados, símbolo do amor deles. Amor que agora ele taxava como amizade. Sentindo a cabeça pesar uma tonelada, Joana sustentou orgulhosa o olhar na face de seu agora ex-noivo, que tinha plantado um sorriso gentil, diferente das palavras que quebravam a alma da jovem em pedaços. — Joana, lamento tanto não poder seguir com o casamento, mas... Como uma mariposa voando ao redor de uma lamparina, Joana tentava apartar o olhar dos lábios dele enquanto ele prosseguia em suas justificativas para dar fim ao noivado, mas, perturbada e inquieta, deu-se conta que era impossível. Inesperadamente, como se para tortura-la ainda mais, se viu lembrando o beijo no baile de máscaras e comparando-o. Os de Adriano sempre foram controlados
Com o coração destroçado e lágrimas molhando a face pálida, Joana sentia que sua vida não tinha mais sentido. Encontrava-se perturbada por três motivos: O fim do compromisso; por conseguir visualizar os olhares de pena em sua direção quando andasse pelas ruas da cidade; e pela decepção que viu na face séria de seu pai quando o anúncio foi dado. A muito se deu conta que decepcionou seu pai ao não nascer homem, como o desejo da maioria dos pais da cidade quando se tratava do primogênito. Agora acabou com a única felicidade que deu ao senhor Iago Savoia em vinte e quatro anos de existência: o noivado com Adriano. Para aumentar sua infelicidade, não só teria de ver Adriano com outra, como seria sua própria irmã. Dalila é que se tornaria a senhora Orleans, que ocuparia um lugar eterno no coração de Adriano, que até então pensou ser seu. — Porque a vida está sendo tão cruel? Não basta me deixar, ele quer minha irmã... — Joana lamentava em meio ao pranto. Lembrou-se de imediato do beijo n