Amor é pureza, sagrado e precioso.
Era dessa forma que Joana Savoia descrevia o calor que aquecia seu coração toda vez que apreciava a foto de seu noivo, Adriano Orleans, dentro do camafeu que ele lhe deu seis anos antes quando iniciaram o relacionamento.
O namoro tinha evoluído para noivado três anos antes, quando passou alguns meses na casa da família dele na capital e aceitou a proposta de unir em definitivo as famílias, em que as matriarcas eram primas de terceiro grau.
Em parte, o relacionamento só se iniciou por pressão de Kassandra, mãe do noivo, e pela paixão imediata de Joana pelo belo primo dez anos mais velho. Mesmo antes de iniciaram o namoro, quando Joana não passava de uma jovem deslumbrada de dezoito anos, a sogra, por ser sua madrinha, já trabalhava em sua educação, moldando o caráter e sonhos da jovem a sua vontade.
Kassandra também controlava o filho, incitando-o ao compromisso, mostrando as vantagens de ter uma esposa preparada por eles. Mesmo assim, ao longo dos seis anos de compromisso, tinham se visto poucas vezes, pois o noivo estava ocupado em expandir os negócios da família na capital, enquanto Joana permanecia na pequena cidade litorânea em que nasceram.
A distância tinha aumentando justamente após o anúncio do noivado quando o noivo, focado em especializações e na empresa, aberta na capital do país para aumentar o lucro da família Orleans, parou de visitar a cidade natal.
A jovem Joana restava fotos e as poucas mensagens que trocavam, cultivadas com carinho e amor, sonhando com o dia em que subiriam o altar.
Até que, finalmente, ele anunciou que voltaria em definitivo para a cidade e em breve poderiam iniciar os tramites para o casamento.
Em comemoração ao retorno, Kassandra idealizou uma festa a fantasia para recepciona-lo, em que todas as pessoas importantes e ricas da pequena cidade compareceriam.
Desacostumada a festas e maquiagem, Joana contou com a ajuda de sua irmã três anos mais nova e apaixonada por tutoriais de beleza, Dalila, para prepara-se. Não possuíam a cumplicidade vista em outras irmãs, mas Dalila a alegrou ao ajudá-la a se maquiar, cobrir seu cabelo preto com uma peruca de cachos acobreados e mudar a cor de seus olhos com lentes verdes, tornando-a irreconhecível aos demais e até a si mesma.
Sentia-se uma fada dentro do vestido bufante, azul claro e com pequenas flores bordadas. A delicada máscara, com detalhes em azul royal, lhe dava a segurança de não ser julgada, como era constantemente aos olhos de sua família e conhecidos. Por um dia, não precisaria ser um estandarte de perfeição.
Ainda assim, uma fantasia bonita não retirava sua timidez, então, embora seus pais conversassem com conhecidos e sua irmã dançasse com todos que a convidavam, não saiu do lugar em que sentou desde que chegou a festa. Apertando as mãos ansiosamente no colo, sentou em um canto discreto para aguardar a chegada de Adriano e não atrapalhar a diversão dos demais.
Sendo a anfitriã, Kassandra não pode permanecer ao seu lado após alguns minutos do início da festa, afinal, tinha de interagir com todos, mas tranquilizou Joana ao garantir que a avisaria quando ele chegasse.
De vez enquanto, para incentivá-la a se descontrair, Dalila aproximava-se com taças de coquetéis deliciosos, que Joana tomava sem perceber que pouco a pouco era dominada por uma letargia alegre.
Com o passar das horas a letargia foi seguida de um embrulho no estômago e tontura. Ergueu-se descuidadamente, planejando ir ao banheiro, e tombou ligeiramente para frente. Teria caído se um homem não a amparasse pela cintura.
— Tome cuidado, minha bela noiva!
Confusa, ergueu o rosto, mas pouco conseguindo visualizar em meio a sua primeira embriaguez.
— Dance comigo.
O convite, feito pela voz máscula e possante, e a palavra “noiva” causou um calor novo no estômago de Joana, que se alastrou agradavelmente pelo corpo da jovem e a fez levar os dedos até o camafeu com a foto do noivo no interior.
Corando, tentou focalizar melhor o homem alto, de ombros largos e cabelo preto preso em um rabo-de-cavalo parado a sua frente, segurando-a perto de si e sustentando um atraente sorriso de canto nos lábios. A roupa preta, com direto a capa e máscara de corvo, com penas grossas ocultando seus olhos, davam a ele um ar misterioso e sombrio.
Apesar de o chamado indicar que fosse Adriano, as características dele não encaixavam no homem loiro que a pediu em casamento no ano anterior, nem a voz parecia, embora com a mente embolada pela bebida nada estivesse muito claro para ela.
Olhou confusa a sua volta, a procura de sua madrinha, mas não a encontrou por perto. Isso porque as pessoas não passavam de borrões em sua mente confusa pelo álcool.
— Vamos dançar, bela noiva! — O homem insistiu, agora com um tom de ordem e irritação.
Temendo desagradar o noivo, Joana aceitou com um aceno de cabeça e o seguiu para a pista de dança.
Sendo uma mulher de tradições antiquadas, a trilha sonora escolhida por Kassandra eram na maioria melodias românticas. Para danças decentes, tinha dito sua madrinha, e Joana concordou. Mas agora, com o noivo apertando-a contra seu corpo forte, uma mão grande e quente pousada em sua cintura, preferia que estivessem dançando uma mais agitada, que exigisse distância.
— Está muito calada — ele disse depois de alguns minutos tocando seu rosto.
O toque despertou sensações desconhecidas em Joana, que o fitou com olhos estreitados, visualizando o rosto dele com um pouco mais de nitidez pela primeira vez desde que ele a abordou. Os olhos negros a surpreenderam, tanto pela intensidade com que a fitava, quanto por não serem azuis como os que Adriano possuía. Supôs que, assim como ela, usasse lentes.
Abriu a boca para dizer que estava envergonhada, por ter bebido além da conta, mas perdeu a fala quando ele deslizou o polegar por seu lábio inferior devagar, em uma carícia que a deixou ainda mais embriagada e mole.
— Vamos sair daqui!
Sem aguardar concordância, ele agarrou sua mão e a puxou para fora do salão.
Desnorteada pela impetuosidade de seu noivo e pela bebida, se deixou levar até o jardim dos fundos da propriedade. Quando por fim ele parou de andar, perto de uma árvore frondosa e encoberta pelas sombras da noite, tentou mais uma vez falar, mas ele tomou sua boca.
Pega de surpresa, sentindo as mãos fortes apertarem sua cintura e um calor cálido a envolver, deixou os lábios serem dominados pela paixão dos beijos dele. Em suas palmas sentiu o coração dele disparar na mesma intensidade do seu.
Foi só quando o enjoo dominou seu estômago, subindo numa crescente por sua garganta. Sabendo o que aconteceria, sua reação foi empurra-lo e se afastar correndo para fora da propriedade. Só parou quando o enjoo foi maior que o receio de ser vista colocando tudo o que bebeu e comeu para fora.
Confuso com a saída intempestiva da jovem, Maximiliano deu-se conta que havia beijado a mulher errada. Ficou evidente, pelo tremor do corpo e dos lábios contra os seus, que a jovem em seus braços não tinha a experiência sedutora de sua atual amante. E havia o sabor daquele beijo... Doce, delicado e envergonhado. Nunca a provara antes. Algo incomum para ele que todos apontavam como Don Juan da cidade. Analisou a casa dos Orleans sem vontade de retornar ao salão. As luzes nas janelas, a música chegando fraca no jardim, a recordação das pessoas rindo, bebendo e dançando o entediava e despertava lembranças desagradáveis de seu passado. Nem mesmo sua vontade de encontrar sua atual amante, Dalila Savoia, foi o suficiente para voltar aquela casa. Moveu-se sorrateiro até o muro que rodeava a propriedade, o pulou e partiu da mesma forma sorrateira que chegou. ~*~ Envergonhada pela cena decadente ao fugir do noivo, tendo abandonado a festa sem falar com ninguém, Joana decidiu ir para sua ca
Depois de superada a embriaguez, Joana lamentou ainda mais ter abandonado a festa. Deveria ter se refeito do mal estar e desfilado de braços dado ao noivo, mostrando a todos que em breve estariam casados. Pensou em retornar à festa, mas, temendo o que seu noivo pensaria após a fuga, preferiu deixar que ele a procurasse. Depois de um banho e trocar de roupa, restou-lhe aguardar até o retorno de sua família. Inquieta, desceu até a sala de estar e ficou andando de um lado para o outro até o retorno de seus pais e sua irmã. — Essas estradas estão cada dia piores — ouviu Dalila reclamar mal-humorada ao entrar na residência seguida pelos pais. — Deveríamos ter pedido carona aos Castanhare. — É só uma distância de quinze minutos, filha — Carmem, mãe delas, disse cansada da caminhada e mais ainda das reclamações da caçula. — Estou suando e a caminhada não é fácil de salto alto — a jovem continuou a reclamar. — Joana, o que deu em você para sair corrida da festa? — Irritado, Iago, pai del
Vendo a irmã empalidecer, Dalila foi atingida por uma sensação ruim. — Quando estiveram no jardim, ele te fez algo? Tentou algo? — Não houve nada... — Joana negou levando a mão ao camafeu, o medo do que aconteceria se descobrissem que traiu, mesmo sem querer, seu noivo dominando-a. Os olhos de Dalila foram para a joia com desenho de rosa, consciente do que havia em seu interior, a suspeita aumentando com a evidente tensão dominando as feições da irmã. — Não me engana Joana. Esse homem tentou algo, não tentou? — Dalila insistiu na pergunta irritada só em pensar que o amante, seu Maximiliano, pudesse ter tocado Joana como a tocava. — Esteve se agarrando com outro homem na casa de seu noivo? Joana ficou chocada com o que a irmã disse, com o tom acusatório, como se soubesse o deslize que cometeu. — Não houve nada e sua acusação é obscena e injusta! — Alterada caminhou em direção à saída. — Vou deixa-la para que descanse. Antes que abrisse a porta, Dalila veloz se levantou e a seguro
Sem desconfiar dos planos insensíveis de sua irmã, Joana acordou cedo para dar aulas de catequese no colégio religioso, anexo ao convento e a igreja da cidade, como pedido por sua madrinha logo após se formar em licenciatura. Naquele dia, após finalizar as aulas do dia, seguiu para outra tarefa que adquiriu após anos com os religiosos, decorar o altar para a pregação da tarde, o que costumava fazer com alegria. Mas, mesmo sendo uma tarefa que gostava, sua mente estava longe, no jardim, no homem que a beijou e que ela aceitou imaginando ser seu noivo. Ao termino da função, encontrou sua melhor amiga, Tereza Braga do lado de fora da igreja, que se ofereceu para acompanha-la na volta para casa, aproveitando para conversar sobre as últimas novidades da cidade e questioná-la sobre a festa. Bastou alguns segundos para Tereza notar seu abatimento. Tinha ido ao encontro da amiga no fim de seu expediente como secretaria da prisão da cidade, sedenta por informações da festa da noite anterior,
Necessitando espairecer a mente, e esquecer o incidente no jardim da casa de seu noivo, logo que Tereza foi embora e ainda tendo algumas horas antes do jantar, Joana decidiu fazer uma caminhada pela marina. Não era uma atividade que fazia com frequência, pois tinha muito a fazer diariamente, planejar as aulas, cuidar dos seus afazeres em casa e na igreja, além de sempre dedicar alguns minutos para falar com o noivo. Mas sempre que podia arranjava um tempo para apreciar o sol se perdendo nas águas. O mar a atraia como canto de sereia, e, ao entardecer, quando poucos andavam pela praia, costumava caminhar descalça pela areia ainda quente, com a brisa balançando seu cabelo e os olhos se maravilhando com os tons avermelhados e purpúreos do fim de mais um dia se perdendo nas ondas. Com tantos acontecimentos girando em sua cabeça, distraída afastou-se mais que o costume, sem perceber se aproximando do Monte do Diabo, lugar que todos aconselhavam a evitar por causa de lendas sobre demônios
Retornando para sua cabana, ainda com um sorriso divertido causado pelo inusitado encontro na praia, Maximiliano teve uma segunda surpresa no dia ao encontrar Dalila a sua porta, batendo o pé freneticamente no assoalho de madeira da pequena varanda. Olhando para a peruca que ela usava se viu comparando com o cabelo da mulher na praia. Eram da mesma cor e corte, embora os fios da peruca fossem artificiais e opacos em comparação. — Onde estava? — Dalila perguntou aborrecida, o olhar descendo pelo corpo do amante só de sunga. — E com quem? — No mar, nadando sozinho — respondeu caminhando para dentro da cabana. Mordida de ciúmes, inquiriu: — Nadar? Sabe o quanto é difícil sair durante esse horário para estar aqui? — Se queixou irada. Ignorando a raiva de Dalila, Maximiliano começou a retirar a sunga. — O que pensa que está fazendo? — O que acha? Maximiliano sorriu de lado e, depois de retirar a peça diante do olhar atento dela, se aproximou da jovem e a beijou para silenciar suas
Kassandra o encarou com olhos arregalados. — Que disse? — Desde que a vi não penso em outra. — Invadido pelo entusiasmo, Adriano ignorou a cara de susto de sua mãe e insistiu: — Quero Dalila para mim. — E Joana? O desconcerto ao ser lembrado da noiva preencheu a face dele, mas não o fez recuar. — Sinto muito, mas se tiver que passar o resto da vida com uma mulher, no mínimo devo estar atraído por ela. E não sinto mais que amizade por Joana — anunciou decidido. Kassandra fitou Adriano intensamente e por um momento viu Nicolás, seu falecido marido, no filho. A mesma persistência ao desejar algo, a mesma teimosia e certeza de que o obteria. — Pense um pouco antes dessa decisão. — Nervosa sugeriu e, como último recurso, buscou um pequeno argumento para forçar seu filho a cumprir com o compromisso. — Dalila pode não corresponder a seus sentimentos... — Conversamos por mensagens e ela tem interesse em mim, mas se preocupa por Joana. Por isso quero acabar com esse compromisso. Perceb
Tendo um importantes trabalhos nos próximos dias, Maximiliano passou a tarde na cabine de seu barco ancorado no porto de Sanmarino, se reunindo com dois marinheiros e seus amigos de confiança, Lucas Santos e Beto Alves. Encontravam-se iluminados somente pela luz fraca da cabine, as janelas e porta fechadas para que ninguém ouvisse o que combinavam dentro do barco, batizado de Diablo pelo falecido irmão de Maximiliano para provocar a população, e aumentando com isso à má fama da família. — O melhor seria passar o carregamento de madrugada, quando há menos vigilância — opinou Beto, segundo no comando do barco, o olhar atento no mapa precário que fez do local que roubariam em alguns dias. — E devemos ter alguém de dentro para nos dar cobertura. — Conheço um oficial que posso convencer a nos ajudar. É um cliente do Crista do Mar — Lucas indicou se referindo ao bar próximo ao porto. Mesmo não gostando de buscar aliados fora de seu círculo de amizade, Maximiliano decidiu que naquele caso