Capítulo 05

Elena acordou com o eco do sonho ainda reverberando em sua mente, os olhos cinza da figura sombria fixos nela como se pudessem atravessar o véu entre o sono e a vigília. O quarto estava escuro, o relógio marcando 5h43, e a chuva da noite anterior reduzira-se a um gotejar intermitente contra a janela. Ela ficou deitada por alguns minutos, encarando o teto manchado, tentando convencer-se de que era só um pesadelo – o resultado de um dia longo, fotos antigas e a imaginação que sempre fora seu pior inimigo. Mas o peso no peito não cedia, e o sussurro do seu nome naquela voz grave continuava a ecoar, como se tivesse deixado uma marca invisível.

Arrastou-se da cama, os pés tocando o chão frio com um estremecimento, e caminhou até o banheiro, o espelho refletindo uma versão dela que parecia mais pálida do que o normal. Os cabelos castanhos estavam emaranhados, os olhos verdes opacos com o cansaço, e as olheiras mais pronunciadas do que no dia anterior. "Você está ótima, campeã," murmurou para si mesma, o sarcasmo pingando como o gotejar da torneira que ela nunca consertara. Escovou os dentes com movimentos mecânicos, jogou água fria no rosto até sentir os dedos formigarem, e vestiu uma calça cinza e uma blusa preta – uma combinação que dizia "sou séria, mas não vou fingir que amo isso". O blazer cinza voltou ao seu posto, e ela pegou a bolsa, o peso do sonho ainda agarrado a ela como uma sombra.

O trajeto até a Blackwood Enterprises foi mais lento dessa vez, o metrô menos lotado por causa do horário cedo, as ruas ainda molhadas refletindo as luzes dos postes. A cidade parecia presa num estado de meia-vida, os pedestres movendo-se como fantasmas sob guarda-chuvas, os carros deslizando em silêncio sobre o asfalto úmido. No lobby do prédio, os seguranças estavam em seus postos, os rostos impassíveis como estátuas, e a fonte minimalista continuava seu murmúrio constante, um som que agora parecia mais irritante do que calmante. Elena passou o crachá no leitor, o bipe eletrônico cortando o silêncio, e subiu no elevador sozinha, o reflexo nas portas de aço mostrando uma mulher que parecia pronta para enfrentar o dia – ou pelo menos fingir que sim.

O trigésimo andar estava vazio quando ela chegou, as luzes embutidas ainda apagadas em alguns pontos, o mármore preto brilhando sob a iluminação parcial como um lago escuro. Margaret não estava na recepção – um alívio temporário –, e Elena foi direto para sua sala, o clique dos saltos ecoando no corredor como um aviso de sua presença. Jogou a bolsa na cadeira, ligou o computador, e preparou o café preto de Victor na copa, o aroma forte da bebida misturando-se ao cheiro de limpeza que pairava no ar. Voltou com a caneca na mão, sentou-se à mesa, e abriu o e-mail para revisar a agenda – reunião com o financeiro às 9h, relatórios de vendas para entregar a Victor, uma ligação com um fornecedor às 11h. Mas sua mente não estava nas tarefas. Estava nas fotos, no sonho, naquele murmúrio que não saía da cabeça.

Por volta das 8h30, Damien apareceu na porta, o cabelo loiro bagunçado como sempre, o sorriso torto trazendo uma luz que contrastava com o peso que ela sentia. Ele usava um terno azul-escuro, a gravata frouxa como se tivesse sido amarrada às pressas, e carregava uma energia que parecia desafiar a seriedade do andar.

— Bom dia, sobrevivente. Dormiu bem ou o chefe de gelo invadiu seus sonhos? — perguntou Damien, encostando-se no batente com uma casualidade que parecia ensaiada.

— Bom dia pra você também. E, pra sua informação, eu dormi como um anjo... se anjos tivessem pesadelos com florestas escuras e vozes assustadoras — respondeu Elena, girando a cadeira para encará-lo, o sarcasmo mascarando o desconforto que ainda sentia.

— Floresta escura, hein? Parece o tipo de coisa que o Victor sonharia, não você — disse Damien, rindo baixo enquanto entrava na sala e sentava-se na borda da mesa. — Tá tudo bem? Você parece... não sei, mais pálida que ontem.

— Obrigada pelo elogio. É só cansaço. E talvez um pouco de paranoia com aquelas fotos — respondeu Elena, inclinando a cabeça para a tela onde o arquivo histórico ainda estava aberto. — Você já olhou essas coisas com calma? Ele não muda, Damien. É bizarro.

Damien assentiu, os olhos azuis brilhando com uma mistura de diversão e algo mais profundo.

— Já te disse, ele é o chefe eterno. Não envelhece, não muda, não explica. É o Victor sendo Victor — disse ele, o tom leve, mas carregado de uma insinuação que a fez franzir a testa. — Quer fugir disso por uma hora? Almoço comigo hoje. Minha conta.

Elena hesitou, olhando para o relógio – 8h35 – e depois para a pilha de papéis que ainda precisava organizar para Victor.

— Tentador, mas tenho uma reunião em vinte minutos e esses relatórios pra entregar. Não quero o iceberg me congelando viva — respondeu ela, levantando a pilha com um gesto exagerado.

— Relaxa, o almoço é depois da reunião. E eu prometo te salvar do gelo se ele ficar bravo — disse Damien, piscando com um charme que era difícil ignorar. — Vamos ao bistrô da esquina. Comida boa, café decente, e zero chance de Victor aparecer por lá.

— Tá bem, você venceu. Mas se eu me atrasar por sua causa, vou culpar você — respondeu Elena, rindo apesar do cansaço, a ideia de uma pausa começando a parecer necessária.

— Fechado — disse Damien, levantando-se da mesa com um sorriso triunfante. — Te vejo depois da reunião. Boa sorte com o financeiro.

Ele saiu, os passos ecoando pelo corredor, e Elena voltou aos relatórios, tentando focar nos números e esquecer as fotos, o sonho, o peso que não a deixava.

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