Capítulo 06

A reunião com o financeiro foi um exercício de paciência. A sala de conferências era a mesma do dia anterior – vidro e aço, gráficos na tela, cadeiras de couro que rangiam a cada movimento. Victor estava lá, sentado à cabeceira como um rei em seu trono, os olhos cinza fixos nos relatórios que Elena entregara a ele com um leve tremor nas mãos. O chefe do financeiro, um homem baixo de óculos grossos chamado Harold, falava em um tom monótono sobre "margens de lucro" e "projeções trimestrais", enquanto Elena anotava tudo no caderno, o café preto de Victor intocado ao lado dele. Ele parecia mais distante hoje, o rosto uma máscara de pedra, mas os olhos a seguiam sempre que ela se movia – ajustando a caneta, virando uma página, cruzando as pernas sob a mesa. Era sutil, quase imperceptível, mas ela sentia o peso daquele olhar como uma corrente invisível.

Quando Harold terminou, Victor tomou a palavra, a voz grave cortando o ar como uma lâmina afiada.

— As projeções estão abaixo do esperado. Quero uma revisão completa até o fim da semana. Nada de suposições — disse ele, os olhos passando por Harold antes de pousarem em Elena por um instante mais longo do que o necessário.

— Sim, Sr. Blackwood. Vamos ajustar tudo — respondeu Harold, limpando o suor da testa com um lenço que parecia já ter visto dias melhores.

Elena anotou a ordem, sentindo o olhar de Victor como um toque frio na nuca. Ele não disse mais nada, apenas assentiu para encerrar a reunião, e ela saiu da sala com um alívio que não conseguia explicar.

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O almoço com Damien foi uma mudança bem-vinda. O bistrô da esquina era pequeno, com paredes de tijolos expostos, mesas de madeira desgastada e um cheiro de pão fresco que fez o estômago de Elena roncar. Eles se sentaram perto da janela, o vidro embaçado pela chuva que voltara a cair, e pediram – um sanduíche de frango para ela, uma salada com nome chique para ele, e dois cafés que vieram em xícaras de cerâmica lascada. Damien inclinou-se sobre a mesa, o sorriso torto mais pronunciado, os olhos azuis brilhando com uma energia que parecia contagiosa.

— Então, sobrevivente, como tá sendo o terceiro dia no covil do iceberg? — perguntou Damien, cortando um pedaço da salada com uma precisão que não combinava com sua pose descontraída.

— Sobrevivível, até agora. Mas o Victor tá mais distante hoje. Tipo, ele me olha, mas não fala. É estranho — respondeu Elena, mordendo o sanduíche e sentindo o sabor do frango temperado aliviar um pouco a tensão.

— Ele faz isso. Observa tudo, fala pouco. É o jeito dele de controlar o mundo sem mexer um dedo — disse Damien, rindo baixo antes de tomar um gole do café. — Mas você tá lidando bem. A maioria já teria surtado com esses olhares.

— Talvez eu esteja surtando internamente. Só sou boa em esconder — retrucou Elena, o sarcasmo pingando enquanto limpava as mãos num guardanapo. — E você? Como aguenta ele há cinco anos sem pirar?

— Charme e teimosia, minha cara. E um pouco de curiosidade mórbida pra ver até onde vai o mistério do chefe eterno — respondeu Damien, inclinando-se mais perto, a voz baixando num tom conspiratório. — Sério, Elena, ele já te deu alguma dica do que tá escondendo? Porque eu juro que ele carrega um segredo maior que essa empresa.

— Nada além de olhares esquisitos e aquele medalhão que ele não larga — disse Elena, franzindo a testa ao lembrar da noite anterior. — Você sabe alguma coisa sobre isso?

— O medalhão? Só que ele sempre tá com ele. Tipo uma relíquia ou uma maldição, dependendo do dia — respondeu Damien, dando de ombros com um sorriso que não alcançava os olhos. — Mas não pergunta pra ele. Ele odeia quando mexem no passado dele.

Elena abriu a boca para insistir, mas um movimento do outro lado da rua chamou sua atenção. Através do vidro embaçado, viu Victor saindo de um carro preto, o terno cinza-escuro impecável apesar da chuva. Ele não olhou para o bistrô, mas passou a poucos metros da janela, o medalhão visível na mão esquerda, os dedos traçando os contornos como um ritual. O coração dela acelerou, e Damien seguiu o olhar dela, rindo baixo.

— Fala do diabo outra vez. Ele tem um dom pra aparecer, né? — disse Damien, recostando-se na cadeira com um ar divertido.

— Isso tá ficando creepy. Ele me segue ou o quê? — perguntou Elena, forçando um tom leve, mas o desconforto crescendo como uma sombra.

— Não segue. Só... existe onde você menos espera. É o jeito dele — respondeu Damien, terminando o café com um gole final. — Vamos voltar antes que ele perceba que roubamos uma hora do dia dele.

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De volta ao trigésimo andar, o dia seguiu numa rotina de tarefas que pareciam sugar a alma de Elena – e-mails para redigir, relatórios para revisar, uma ligação com o fornecedor que durou mais do que o necessário por causa de uma conexão ruim. Victor apareceu no escritório dela à tarde, o passo silencioso quase a pegando desprevenida. Ele ficou na porta, os olhos cinza fixos nela, o rosto uma máscara de frieza que não revelava nada.

— Os relatórios de vendas estão prontos? — perguntou Victor, a voz baixa, mas com um peso que fazia o ar parecer mais denso.

— Quase. Termino até o fim do dia — respondeu Elena, mantendo o tom firme apesar do tremor que sentia sob aquele olhar.

— Certifique-se disso — disse ele, hesitando por um instante antes de sair, o medalhão visível no bolso do terno como um lembrete silencioso.

O resto do expediente passou num borrão, e Elena ficou até mais tarde, o andar vazio ecoando com o zumbido do ar condicionado. Quando terminou os relatórios, já eram 19h30, e ela pegou a bolsa, o cansaço pesando nos ombros. Ao abrir a gaveta para guardar o caderno, encontrou algo que não estava lá antes – um bilhete dobrado, escrito numa caligrafia elegante e antiga. Desdobrou-o com os dedos trêmulos, e as palavras a fizeram congelar: "Ele vive demais."

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