Elena Carter nunca acreditou em primeiras impressões. Para ela, eram uma mistura de chute preguiçoso e otimismo ingênuo – alguém olhava para um terno amarrotado ou um sorriso forçado e achava que podia decifrar uma pessoa inteira. Na melhor das hipóteses, uma aposta; na pior, uma cilada para quem lia capas de revista como se fossem evangelho. Mas ali, enquanto o elevador subia lentamente rumo ao trigésimo andar da Blackwood Enterprises, ela sentiu que estava formando uma opinião antes mesmo de pisar no carpete caro. O ar dentro do cubículo metálico cheirava a limpeza obsessiva – álcool, desinfetante e um toque de arrogância corporativa. O silêncio era denso, quebrado apenas pelo zumbido do motor e pelo tamborilar dos dedos dela contra a alça da bolsa, um hábito nervoso que ela nunca conseguira largar.
O elevador era uma caixa de aço reluzente, com botões alinhados em uma fileira precisa e um painel digital que piscava os números dos andares com uma lentidão quase provocadora. Elena ajustou o blazer cinza, um achado de brechó que ela comprara por cinco dólares numa loja de esquina. Era elegante o suficiente para o primeiro dia, mas não tão caro a ponto de parecer que ela estava tentando demais. O reflexo nas portas polidas mostrava uma mulher de 28 anos que parecia mais exausta do que gostaria de admitir. Cabelos castanhos ondulados presos num coque bagunçado – ela tentara domá-los com grampos, mas alguns fios teimavam em escapar –, olhos verdes que brilhavam com uma mistura de curiosidade e sarcasmo, e uma expressão que dizia "eu sei que isso vai ser um desastre, mas vamos lá". Não era o visual de alguém que sonhava em ser assistente pessoal de um magnata, mas Elena não sonhava com cubículos ou planilhas. Ela precisava do emprego – ponto final. A vida dela nos últimos anos tinha sido uma sequência de malabarismos financeiros. Um apartamento minúsculo com infiltrações no teto, uma conta bancária que mal chegava ao fim do mês, e uma série de empregos temporários que iam de atendente de cafeteria a digitadora em um escritório de advocacia onde o chefe gritava tanto que ela saíra com um zumbido permanente nos ouvidos. O aluguel não se pagava com promessas, e o sarcasmo, por mais afiado que fosse, não comprava café. Quando viu o anúncio da Blackwood Enterprises – "Assistente Pessoal, salário competitivo, início imediato" –, ela enviara o currículo sem muita esperança. Mas então vieram a entrevista, o contrato, e agora ali estava ela, subindo num elevador que parecia mais uma cápsula do tempo do que um meio de transporte. O elevador parou com um solavanco suave, e as portas se abriram para um corredor que parecia saído de um catálogo de design caro. Luzes embutidas no teto lançavam um brilho frio sobre o mármore preto polido do chão, que refletia as janelas imensas do chão ao teto como um espelho escuro. Lá fora, a cidade se estendia sob um céu cinzento de março – um mar de concreto e vidro que parecia indiferente à existência dela. Os prédios altos cortavam o horizonte, suas luzes piscando como estrelas artificiais, e o tráfego lá embaixo era um murmúrio distante, abafado pelo vidro grosso e pela altura. Elena respirou fundo, sentindo o cheiro de café caro e papel novo, um aroma que parecia gritar "você não pertence aqui". Seus saltos baixos ecoaram no mármore enquanto ela caminhava, o som cortando a quietude opressiva como um desafio. Na recepção, uma mulher de meia-idade a encarava por trás de óculos de armação dourada. O cabelo loiro estava preso num coque tão perfeito que desafiava a gravidade, e as unhas pintadas de vermelho escarlate tamborilavam no teclado como se ela estivesse contando os segundos até o fim do turno. O crachá na mesa dizia "Margaret", mas ela não parecia o tipo que convidava para um café e uma fofoca. A blusa branca impecável e o colar de pérolas davam a ela um ar de secretária de filme antigo, mas o olhar dizia "não me incomode". — Nome? — perguntou Margaret, a voz seca como se a simpatia tivesse sido extinta naquele andar. — Elena Carter. Primeiro dia. Assistente pessoal do Sr. Blackwood — respondeu Elena, mantendo o tom leve, mas firme, como quem diz "sim, eu sei que não pareço o tipo, mas aqui estou". Margaret ergueu uma sobrancelha, digitando algo no computador com uma eficiência que beirava o desdém. O som das teclas era rápido, quase agressivo, como se ela estivesse punindo o teclado por existir. — Terceira porta à direita. Ele está esperando — disse Margaret, sem levantar os olhos, claramente desinteressada em prolongar a interação. — Obrigada — murmurou Elena, sabendo que o som se perderia no vazio. Ela seguiu pelo corredor, os saltos ecoando como pequenos desafios ao silêncio. Passou por portas fechadas com placas brilhantes – "Recursos Humanos" em letras serifadas, "Financeiro" com um ar de seriedade, "Marketing" com um toque de modernidade. O ar parecia mais frio ali, como se o sistema de ventilação estivesse ajustado para manter as pessoas alertas – ou desconfortáveis. Elena parou diante da terceira porta à direita, onde uma placa simples, de metal polido, dizia "Victor Blackwood – CEO". Sem firulas, sem títulos exagerados. Apenas o nome, como se isso bastasse. E, pelo que ela ouvira, bastava mesmo. Victor Blackwood era uma figura quase mítica na cidade. O homem que transformara uma empresa obscura de importação num império que dominava tecnologia, energia e transporte. As histórias variavam dependendo de quem contava – uns diziam que ele era um gênio implacável, com uma mente afiada que antecipava tendências antes que elas existissem; outros sussurravam sobre contatos sombrios, talvez até ilegais, que o catapultaram ao topo; e havia quem falasse em tons conspiratórios sobre métodos menos ortodoxos, como se ele tivesse vendido a alma por poder. Elena não comprava os rumores. Pessoas ricas sempre atraíam mitos, como moscas ao mel. Mas, ao parar diante da porta, sentiu um arrepio que não explicava. Culpa dos nervos, ela disse a si mesma, ajustando a bolsa no ombro. Só isso. Bateu duas vezes, o som ecoando como um desafio no corredor vazio. Uma voz grave respondeu de dentro, baixa mas clara, com um timbre que parecia carregar mais peso do que as palavras em si: — Entre — disse Victor. Elena girou a maçaneta e abriu a porta, esperando encontrar um escritório ostensivo, cheio de móveis caros e troféus corporativos que gritassem "sou importante". Em vez disso, o espaço era quase austero, como se alguém tivesse desenhado um escritório e parado na metade do processo. Uma mesa de mogno escura dominava o centro, sua superfície polida refletindo a luz fria que entrava pelas janelas do chão ao teto. Duas cadeiras de couro preto flanqueavam a mesa, simples mas elegantes, com um design que parecia caro sem ser chamativo. As paredes eram brancas, quase estéreis, decoradas apenas por três pinturas abstratas – borrões de vermelho e cinza que pareciam mais uma ostentação de preço do que de beleza. No canto, uma estante de livros exibia volumes encadernados em couro, com títulos em relevo dourado que sugeriam clássicos ou tratados antigos, mas as bordas intocadas indicavam que nunca haviam sido abertos. E, atrás da mesa, estava Victor Blackwood. Ele se levantou ao vê-la entrar, um movimento fluido que parecia ensaiado, como se cada gesto tivesse sido aperfeiçoado ao longo de décadas – ou mais. Elena piscou, tentando processar a figura à sua frente. Victor era alto, mais alto do que ela imaginara, com ombros largos que preenchiam o terno cinza-escuro impecavelmente cortado. O tecido parecia caro, mas não gritava riqueza – era sutil, como se ele não precisasse provar nada a ninguém. O cabelo preto, penteado para trás com precisão militar, não tinha um único fio grisalho, apesar dos rumores de que ele deveria estar na casa dos sessenta – ou mais, dependendo da fonte. A pele era pálida, quase translúcida, mas firme, sem rugas ou sinais do tempo, como se ele tivesse sido esculpido em mármore e trazido à vida. E os olhos... aqueles olhos cinza, como aço líquido sob a luz do sol poente, a encararam com uma intensidade que fez Elena sentir como se estivesse sendo pesada, medida e julgada em um único instante. — Senhorita Carter, presumo? — perguntou Victor, a voz calma, mas carregada de um peso que parecia ecoar além das palavras, como se viesse de um lugar muito mais antigo do que aquele escritório. Elena engoliu em seco, sentindo o coração acelerar por um segundo antes de recuperar o sarcasmo que sempre a salvava em situações desconfortáveis. — A menos que outra Elena Carter tenha invadido o prédio, sim, sou eu. Prazer em conhecê-lo, Sr. Blackwood — respondeu ela, mantendo o tom leve, mas com um toque de desafio. Ele não sorriu, mas algo em seus olhos mudou – um brilho fugaz, talvez de curiosidade, talvez de diversão, que desapareceu tão rápido quanto surgiu. — Sente-se — disse Victor, apontando para uma das cadeiras com um gesto elegante, quase aristocrático, antes de voltar a se sentar e cruzar as mãos sobre a mesa. Elena obedeceu, jogando a bolsa no colo e tentando ignorar o quanto aquele homem parecia... fora de lugar. Não era só a aparência jovem demais para a idade que diziam que ele tinha. Era a maneira como ele se movia, como se o tempo não o tocasse, como se o mundo ao redor fosse apenas um palco temporário que ele atravessava sem se prender. Ela balançou a cabeça internamente, repreendendo-se. Primeiro dia, nervos à flor da pele. Só isso. — Você leu o contrato? — perguntou Victor, os olhos fixos nela como se pudesse ver através de qualquer mentira, a voz firme e direta. — Li, reli e quase decorei — respondeu Elena, mantendo o tom leve para esconder o leve tremor que sentia sob aquele olhar. — Horário flexível, confidencialidade absoluta, e um salário que me fez duvidar da sanidade de quem escreveu o cheque. Estou dentro. Ele inclinou a cabeça ligeiramente, como se estivesse avaliando cada palavra, cada inflexão. — Bom. Sua função é simples, mas exige precisão. Eu não tolero erros, Senhorita Carter. Você será meus olhos, meus ouvidos e, quando necessário, minha voz. Reuniões, correspondências, agendas – tudo passa por você antes de chegar a mim. Entendido? — disse Victor, o tom cortante como uma lâmina, mas sem elevar a voz. — Entendido — respondeu Elena, assentindo com a cabeça. — Sou boa em manter as coisas em ordem. E, se me permite, já tenho uma pergunta: como você toma seu café? Porque, se for algo complicado tipo "latte de abóbora com três shots de espresso e um toque de canela", vou precisar de um curso antes de começar. Pela primeira vez, os lábios dele se curvaram num quase sorriso – uma linha fina que desapareceu tão rápido quanto surgiu, mas que deixou uma marca nos olhos dela. — Preto. Sem complicações — disse Victor, a voz suavizando por um instante, mas logo voltando à frieza habitual. — Perfeito. Simplicidade é minha especialidade — respondeu Elena, abrindo um sorriso que tentava mascarar o arrepio que sentia de novo. Havia algo nele, algo que ela não conseguia nomear. Não era só a frieza ou a intensidade do olhar. Era como se ele carregasse um peso invisível, um segredo que pairava no ar entre eles como uma névoa densa. Antes que ela pudesse dizer mais, a porta se abriu sem aviso, e um homem entrou com um passo confiante que cortou o silêncio como um raio de sol num dia nublado. Ele era mais baixo que Victor, mas igualmente marcante – cabelo loiro bagunçado como se ele tivesse passado as mãos por ele sem se importar, olhos azuis brilhantes que pareciam carregar um brilho travesso, e um sorriso que dizia "sou irresistível e sei disso". O terno azul-marinho era descontraído, com o primeiro botão da camisa aberto, e ele trazia uma energia que parecia iluminar o ambiente austero. — Victor, você não vai acreditar no que eu consegui com a equipe de marketing hoje — começou Damien, a voz cheia de entusiasmo, mas ele parou ao ver Elena, o sorriso se alargando ainda mais. — Oh, olá. Nova vítima do chefe de gelo, hein? Victor ergueu os olhos para o recém-chegado, o rosto endurecendo como se uma máscara de pedra tivesse se formado. — Damien, você sabe bater na porta? — perguntou Victor, a voz baixa, mas afiada como uma lâmina. — Sei, mas onde está a graça nisso? — respondeu Damien, dando de ombros com um ar debochado, caminhando até a mesa e estendendo a mão para Elena. — Damien Leclerc, diretor de marketing. E você é...? — Elena Carter, assistente pessoal do Sr. Blackwood — disse Elena, apertando a mão dele, sentindo o calor do toque em contraste com a frieza do ambiente. — E, aparentemente, a mais nova sobrevivente deste lugar. Damien riu, uma risada alta e genuína que ecoou no escritório como um desafio à seriedade de Victor. — Sobrevivente já no primeiro dia? Gosto de você. Vai precisar desse senso de humor pra lidar com o Victor. Ele é tipo um iceberg – frio, misterioso e provavelmente mais velho do que parece — disse ele, o tom brincalhão carregado de uma ponta de verdade que Elena não soube interpretar. — Damien — cortou Victor, a voz firme como um comando, mas sem alterar o volume. — Se terminou de brincar, tenho trabalho a fazer. — Relaxa, chefe. Só vim trazer boas notícias — respondeu Damien, jogando-se numa das cadeiras sem ser convidado e cruzando as pernas com uma casualidade que parecia calculada. — Consegui fechar o contrato com a NovaTech. Eles adoraram a campanha. Querem uma reunião amanhã pra acertar os detalhes. Victor assentiu, mas não havia satisfação em seu rosto, apenas uma aceitação fria, como se o sucesso fosse esperado e irrelevante. — Marque para as dez. Elena, você estará lá — disse ele, os olhos voltando para ela com aquela intensidade que fazia o ar parecer mais pesado. — Já estou anotando mentalmente — respondeu Elena, pegando um caderno da bolsa e rabiscando a informação com uma caneta que quase escorregou de seus dedos nervosos. — Reunião às dez com a NovaTech. Algo mais que eu devo saber? — Chegue cedo. E traga café. Preto — disse Victor, o tom seco, mas com um leve eco que parecia carregar mais do que as palavras sugeriam. — Entendido — afirmou Elena, sorrindo, mas sentindo aquele olhar de novo, como se ele pudesse ver através dela. Damien se inclinou para ela, baixando a voz num tom conspiratório que fez os pelos de sua nuca se arrepiarem. — Dica de ouro: ele é assim o tempo todo. Frio, direto e com um charme que ninguém entende. Mas você vai se acostumar. Ou não. A maioria desiste antes disso — disse ele, os olhos azuis brilhando com uma mistura de provocação e curiosidade. — Eu não desisto fácil — retrucou Elena, lançando um olhar desafiador para Victor, como se quisesse testar os limites dele. — Além disso, já lidei com chefes piores. Um que gritava o dia todo e outro que achava que café instantâneo era aceitável. Isso aqui é um upgrade. Damien riu novamente, batendo na mesa com os dedos num ritmo animado. — Você vai se dar bem aqui, Elena. Só não deixe ele te transformar num robô como o resto do andar — disse ele, o tom leve, mas com uma sombra de sinceridade que a fez hesitar. — Damien, fora — ordenou Victor, o tom firme como uma parede de pedra, mas sem elevar a voz, um comando que parecia carregado de uma autoridade antiga. Damien se levantou, fazendo um gesto dramático de despedida, como um ator saindo de cena. — Até amanhã, Elena. Boa sorte com o iceberg. E, Victor, tenta sorrir pelo menos uma vez esse século, tá? — disse ele, piscando para Elena antes de sair, a porta fechando-se atrás dele com um clique suave. Elena olhou para Victor, esperando algum comentário, alguma reação, mas ele apenas voltou os olhos para os papéis sobre a mesa, os dedos longos e pálidos repousando sobre uma caneta de prata que parecia nunca ter sido usada. — Você começa oficialmente agora. Seu espaço é a sala ao lado. Qualquer dúvida, resolva com Damien ou a recepção. Eu não gosto de interrupções desnecessárias — disse Victor, sem levantar o olhar, a voz tão fria que parecia congelar o ar ao redor. — Sem interrupções. Entendido. Só uma coisa: se eu precisar de você, é só bater ou posso mandar um pombo-correio? — perguntou Elena, hesitando por um segundo antes de se levantar, a bolsa ainda firme em seu colo. Ele ergueu os olhos, e lá estava aquele brilho novamente – quase um sorriso, mas não exatamente, um vislumbre de algo que ela não conseguiu decifrar. — Bater serve — respondeu Victor, o tom suavizando por uma fração de segundo antes de voltar à frieza habitual. Ela assentiu e saiu, sentindo o peso daquele olhar nas costas como se fosse uma mão invisível a empurrando para fora. A sala ao lado era menor, mas funcional – uma mesa de madeira simples, uma cadeira ergonômica que rangeu ao receber seu peso, um computador com uma tela que piscava um logotipo corporativo, e uma janela com vista para a cidade. Elena jogou a bolsa na cadeira e se deixou cair, respirando fundo. O primeiro dia mal começara, e ela já sentia que estava pisando num terreno mais estranho do que imaginara.O resto da manhã passou num borrão de tarefas básicas que pareciam desenhadas para testar sua paciência. Configurar o e-mail corporativo foi um exercício de frustração – a senha temporária que Margaret lhe dera ("Blackwood123", criativo demais) exigiu três tentativas até funcionar, e o sistema travou duas vezes antes de carregar. Organizar a agenda de Victor significou decifrar uma série de anotações enviadas por e-mail, algumas com instruções tão vagas que pareciam charadas – "Reunião com R&D, confirmar horário" ou "Ligar para J. Klein, urgente". Responder mensagens foi ainda pior; Margaret jogara uma pilha de papéis e um pendrive em sua mesa com um grunhido que dizia "não me pergunte nada", e Elena passou uma hora separando solicitações banais (como "preciso de mais grampeadores no terceiro andar") de e-mails crípticos que mencionavam Victor com uma reverência quase assustadora – "O Sr. Blackwood saberá o que fazer" ou "Ele já viu isso antes".Por volta das onze, ela já estava com os
Elena acordou na manhã seguinte com o som insistente do despertador, um barulho que parecia mais um grito de guerra do que um convite gentil para começar o dia. A luz cinzenta de março se infiltrava pelas cortinas finas do seu apartamento, projetando sombras tortas nas paredes descascadas. Ela rolou na cama, esticando a mão para silenciar o aparelho, e ficou deitada por um momento, encarando o teto manchado de infiltração. O primeiro dia na Blackwood Enterprises ainda pesava em sua mente como uma névoa densa – Victor Blackwood com seus olhos de aço, Damien Leclerc com seu sorriso provocador, e aquele murmúrio quase inaudível que ela jurava ter ouvido: "Não outra vez." Era ridículo, claro. Provavelmente só cansaço e imaginação demais. Mas, enquanto se levantava e arrastava os pés até o banheiro minúsculo, não conseguia sacudir a sensação de que algo estava fora de lugar. O apartamento era um reflexo da vida dela – pequeno, funcional, mas à beira do caos. A pia da cozinha estava cheia d
— Isso é coincidência ou ele tem um radar pra nos encontrar? — perguntou Elena, forçando um tom leve, mas o coração batendo mais rápido. — Com o Victor, nunca é só coincidência — respondeu Damien, terminando o café com um gole rápido. — Vamos, a reunião é em cinco minutos. Não queremos o chefe eterno bravo com a gente. --- A reunião com a NovaTech foi um teste de resistência. A sala de conferências era uma caixa de vidro e aço no vigésimo andar, com uma mesa longa cercada por cadeiras de couro e uma tela que exibia gráficos coloridos que Elena mal entendia. Victor presidia a mesa, os olhos cinza fixos nos representantes da NovaTech – dois homens de ternos caros e uma mulher de tailleur azul que falava rápido demais sobre "sinergias" e "metas de crescimento". Elena entregou o café preto a Victor, sentindo os dedos dele roçarem os dela por um instante – frios, quase gelados –, e sentou-se ao lado dele, o caderno aberto para anotar tudo. Damien estava do outro lado da mesa, liderando
Elena acordou com o eco do sonho ainda reverberando em sua mente, os olhos cinza da figura sombria fixos nela como se pudessem atravessar o véu entre o sono e a vigília. O quarto estava escuro, o relógio marcando 5h43, e a chuva da noite anterior reduzira-se a um gotejar intermitente contra a janela. Ela ficou deitada por alguns minutos, encarando o teto manchado, tentando convencer-se de que era só um pesadelo – o resultado de um dia longo, fotos antigas e a imaginação que sempre fora seu pior inimigo. Mas o peso no peito não cedia, e o sussurro do seu nome naquela voz grave continuava a ecoar, como se tivesse deixado uma marca invisível. Arrastou-se da cama, os pés tocando o chão frio com um estremecimento, e caminhou até o banheiro, o espelho refletindo uma versão dela que parecia mais pálida do que o normal. Os cabelos castanhos estavam emaranhados, os olhos verdes opacos com o cansaço, e as olheiras mais pronunciadas do que no dia anterior. "Você está ótima, campeã," murmurou par
A reunião com o financeiro foi um exercício de paciência. A sala de conferências era a mesma do dia anterior – vidro e aço, gráficos na tela, cadeiras de couro que rangiam a cada movimento. Victor estava lá, sentado à cabeceira como um rei em seu trono, os olhos cinza fixos nos relatórios que Elena entregara a ele com um leve tremor nas mãos. O chefe do financeiro, um homem baixo de óculos grossos chamado Harold, falava em um tom monótono sobre "margens de lucro" e "projeções trimestrais", enquanto Elena anotava tudo no caderno, o café preto de Victor intocado ao lado dele. Ele parecia mais distante hoje, o rosto uma máscara de pedra, mas os olhos a seguiam sempre que ela se movia – ajustando a caneta, virando uma página, cruzando as pernas sob a mesa. Era sutil, quase imperceptível, mas ela sentia o peso daquele olhar como uma corrente invisível. Quando Harold terminou, Victor tomou a palavra, a voz grave cortando o ar como uma lâmina afiada. — As projeções estão abaixo do esperad
Elena acordou com o bilhete anônimo ainda ecoando em sua mente, as palavras "Ele vive demais" gravadas como uma tatuagem invisível. O relógio marcava 5h07, o quarto escuro envolto no silêncio pesado da madrugada, quebrado apenas pelo gotejar intermitente da chuva contra a janela do beco. Ela ficou deitada por um momento, encarando o teto manchado de infiltração, o peso da noite sem sono pressionando os ombros como uma mão fria. O sonho da floresta escura voltara, os olhos cinza brilhando na névoa, mas dessa vez a voz não dissera seu nome – apenas repetira "vive demais" num sussurro que parecia atravessar o tempo. Levantou-se, o chão gelado sob os pés descalços enviando um arrepio que a acordou o suficiente para acender a luz fraca da cozinha. O apartamento era um caos familiar – a pia cheia de pratos que ela ignorava há dias, o sofá de segunda mão com a mola solta cutucando o tecido, o cheiro de café velho pairando no ar. Pegou o bilhete da bolsa, desdobrando-o sobre a mesa bamba, e e
Elena caminhou até o escritório de Victor, o corredor parecendo mais longo do que o normal, o clique dos saltos ecoando como um tamborilar de guerra. Bateu na porta, o som firme contra a madeira escura, e a voz grave respondeu de dentro. — Entre — disse Victor, o timbre baixo carregado de um peso que parecia atravessar o espaço. Ela abriu a porta, o escritório austero recebendo-a com o mesmo silêncio opressivo – a mesa de mogno polida, as cadeiras de couro preto, as pinturas abstratas nas paredes brancas. Victor estava de pé perto da janela, olhando para a cidade lá embaixo, o terno cinza-escuro impecável contra o vidro embaçado pela chuva. Na mão direita, ele segurava o medalhão dourado, os dedos longos e pálidos traçando os contornos como se fosse um ritual antigo. A luz fraca refletia no ouro, destacando detalhes que ela não vira antes – gravuras intricadas, talvez símbolos, que pareciam dançar sob o movimento dos dedos dele. — Seu café, Sr. Blackwood — disse Elena, colocando a c
Elena ficou paralisada, o desenho ainda repousando no chão como uma relíquia caída de um altar profano, os traços delicados da mulher de 1789 encarando o teto com uma serenidade que parecia zombar do caos que tomava conta dela. O escritório de Victor Blackwood, mergulhado na penumbra fria da noite, parecia encolher ao redor dela, as paredes brancas e as pinturas abstratas transformando-se em sentinelas silenciosas que testemunhavam o confronto. O coração dela batia descontrolado, um tamborilar frenético contra as costelas que ecoava em seus ouvidos como um tambor de guerra, enquanto os olhos cinza de Victor a perfuravam com uma intensidade que era ao mesmo tempo acusatória e insondável. Ele estava na porta, a figura alta e imponente recortada contra a luz fraca do corredor, o terno cinza-escuro impecável como uma armadura que escondia qualquer vulnerabilidade. Mas havia algo nos olhos dele – uma sombra que não era só raiva, um peso que parecia atravessar o espaço entre eles como uma co