Capítulo 1 - parte 2

Meu pai abaixou o jornal, sorrindo para mim e voltando a ler. Ele nunca foi um homem de muitas palavras, o senhor Becker expressava as coisas da forma dele. Normalmente era bem quieto, talvez fosse culpa de sua profissão, ele escutava tanto as pessoas, que talvez isso tenha o deixado muito introvertido. Assim como minha mãe, ele era conhecido e renomado, mas como psicólogo. Os dois eram o casal perfeito e costumavam trabalhar juntos, haviam até lançado um livro há algum tempo. Costumavam fazer longas viagens durante o ano, então, momentos como esses não eram tão comuns.

— Achei que ia casar, gracinha. — Olhei para o fogão e vi Clay com um pedaço de pão a caminho da boca e um sorriso despojado.

Ele era meu melhor amigo, todos os dias vinha me buscar em casa para irmos para escola e sempre chegava mais cedo para tomar café com minha família. Sentia como se o conhecesse desde sempre, porém, não era bem assim. Nos conhecemos quando eu tinha nove anos e ele oito, Clay foi se consultar com um psicólogo que, por acaso, era meu pai. Eu tinha que fazer um tipo de atividade, sobre como era o trabalho de um dos meus pais para entregar na minha escola, e como o trabalho da minha mãe não era a melhor opção para apresentar em uma turma infantil, acabei no consultório do meu pai, sentada em uma cadeirinha rosa, totalmente entediada enquanto as pessoas iam e vinham.

Eu estava na sala a mais de meia hora, sozinha, sentada na minha cadeirinha rosa com um caderninho apoiado nas pernas. Tinha que fazer um pequeno texto sobre o trabalho do meu pai, porém como não podia ver as consultas eu só ficava sentada vendo as pessoas entrarem e saírem do consultório, após longas conversas com ele.

Estava quase adormecendo quando a porta se abriu mais uma vez, e um garotinho entrou na sala acompanhado por uma mulher. Ele parecia um pouco abatido, seus olhos castanhos estavam tristes. Ele era cerca de três dedos mais alto que eu, tinha bochechas fofinhas e uma pele meio bronzeada. Seus cabelos eram meio arrepiados e ele trazia um ursinho de pelúcia muito fofo nas mãos.

O garoto se sentou na cadeira ao meu lado, mas ela era muito alta para ele, o fazendo ficar balançando as perninhas curtas o tempo todo. Eu o olhava às vezes, estava curiosa, queria conversar, por isso fui a primeira a falar. Cutuquei seu braço, que estava pendurado para fora da cadeira, e ele olhou para mim, então, eu sorri.

— Sou Aurora, quer ver os adesivos do meu caderno? — falei por fim.

Ele não respondeu de imediato, ficou quieto por longos instantes, então comecei a pensar que ele não havia gostado de mim e não pude evitar uma expressão triste, ele parecia ser tão legal. Mas, após longos minutos me encarando sem dizer nada enquanto eu mostrava para ele minha tabela de figurinhas fofas, quando eu já não sabia o que falar, ele sussurrou timidamente:

— Me chamo Clay.

Aquela foi a primeira vez que conversamos. Clay evoluiu muito após as consultas, principalmente depois que começamos a conversar. Sempre que ele tinha hora marcada, meu pai me levava para o consultório, para brincarmos um pouco antes das consultas. Quando fiz nove anos ele veio para minha festa de aniversário e brincou com algumas crianças, seus pais ficaram abismados, meu pai também ficou bem surpreso, afinal ele tinha problemas para socializar com outras crianças, ele nunca havia dado espaço para ninguém, nem para os próprios pais.

Clay e eu fomos ficando cada vez mais próximos, até que nos tornamos simplesmente inseparáveis. Ele passou a vir com muita frequência à minha casa e nós crescemos com a companhia um do outro. Ele ainda me lembrava muito o garotinho de cabelos arrepiados, porém, agora bem mais alto e mais forte, com os cabelos menos arrepiados e um sorriso encantador. As garotas sempre tentavam algo com ele, mas Clay continuava sendo muito fechado, normalmente as pessoas não o entendiam bem. Inicialmente todos diziam que ele era gay, porque recusava qualquer garota que cruzasse o seu caminho, depois começaram a espalhar que tínhamos um caso, mas no fim todos perceberam que ele só era extremamente tímido.

— Bom dia para você também, vadio — falei, sorrindo, o vendo comer como se não houvesse amanhã. Ele só podia ter um buraco negro no lugar do estômago, nunca vi ninguém comer tanto.

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