— Aurora! — A voz de Evangeline, que agora me parecia extremamente irritante, me obrigou a abrir os olhos. — Aurora, acorda! — Ela chamou novamente, batendo insistentemente na porta do meu quarto, me fazendo cobrir a cabeça com a grossa coberta e afundar meu rosto nos travesseiros.
Evangeline era minha irmã mais nova e, apesar da sua idade, costumava ser muito madura. Na maioria das vezes, era madura demais. Tinha somente quinze anos, porém, às vezes, parecia que ela era a mais velha e eu a adolescente. — Você vai se atrasar. — Ouvi um suspiro do lado de fora, provavelmente ela estaria passando as mãos nos cabelos agora, irritada com a minha demora. — Não vou te chamar mais. — O som de seus passos foi ficando cada vez mais distante, até que tudo ficou silencioso novamente, então me levantei. Esse era o nosso ritual matinal, ela vinha me acordar todos os dias, eu me recusava a levantar, ela ia embora e só então eu me levantava. Saí de baixo dos cobertores a contragosto, o clima estava bem frio, o que era mais um motivo para eu querer continuar na cama, mas infelizmente tinha uma vida fora do meu quarto e provavelmente já estava atrasada. Droga. Andei preguiçosamente até o banheiro e tirei meu pijama completamente infantil, estampado com vários unicórnios e arco-íris. Prendi meus cabelos e liguei o chuveiro, sentindo a água quente descer pela minha pele e me deixar mais relaxada, o que não era nada bom, afinal, eu estava atrasada, já deveria estar pronta a essa hora, mas metade do meu cérebro ainda dormia. Saí do banheiro enrolada em uma toalha azul e parei na frente do meu armário, abrindo-o e encarando todas as peças que ali haviam por alguns segundos. Dando um longo suspiro, peguei um moletom cor de rosa, uma camiseta branca e uma calça jeans justa. Me vesti o mais rápido que pude, o que não era muita coisa, e em seguida calcei meus tênis, me olhando no espelho e fazendo uma careta de desgosto. Largada. Era assim que eu estava e no momento. Eu só queria minha cama. Peguei minha mochila e abri a porta do meu quarto, seguindo pelo corredor e descendo as escadas lentamente, bocejando algumas vezes. Passei pela sala, mas não parei, sabia que a essa hora todos estariam na cozinha, de onde vinha o cheiro maravilhoso de café e pão caseiro, a mesa do café já estava posta e todos já haviam praticamente terminado. Evangeline me encarou com um pequeno riso, parando uma colher cheia de cereal a caminho da boca. — Demorou esse tempo todo para sair assim? — Ela me perguntou, sarcástica. Eva era muito parecida com nossa mãe, os olhos de ambas eram idênticos, azuis intensos e chamativos, um rosto com traços angelicais e lábios carnudos, cabelos loiros, ondulados e longos. Mamãe dizia que Eva era como uma cópia adolescente sua e tinha razão, o rosto dela era um pouco arredondado e tinha lábios naturalmente avermelhados, ela era tão delicada e fofa. Além de tudo isso, Eva era extremamente inteligente, com uma língua muito afiada. — Bom dia, querida — disse minha mãe, Victória, me dando um beijinho na bochecha e me entregando uma xícara de café preto, do jeito que eu gostava. Minha mãe era uma mulher incrivelmente bonita e bem sucedida, não costumava estar em casa, por isso sempre que dava uma pausa em suas viagens, nós tomávamos café, juntos e jantávamos juntos. Victória era uma renomada sexóloga, já palestrou por boa parte dos EUA, também já visitou vários países, como Inglaterra e França. Quando eu era pequena, sentia muita vergonha da profissão da minha mãe, mas, com o tempo, me acostumei e agora, realmente gostava, já aprendi muitas coisas com ela. — Bom dia, princesa — papai falou, assim que me sentei, deixando minha mochila no chão ao lado da cadeira.Meu pai abaixou o jornal, sorrindo para mim e voltando a ler. Ele nunca foi um homem de muitas palavras, o senhor Becker expressava as coisas da forma dele. Normalmente era bem quieto, talvez fosse culpa de sua profissão, ele escutava tanto as pessoas, que talvez isso tenha o deixado muito introvertido. Assim como minha mãe, ele era conhecido e renomado, mas como psicólogo. Os dois eram o casal perfeito e costumavam trabalhar juntos, haviam até lançado um livro há algum tempo. Costumavam fazer longas viagens durante o ano, então, momentos como esses não eram tão comuns. — Achei que ia casar, gracinha. — Olhei para o fogão e vi Clay com um pedaço de pão a caminho da boca e um sorriso despojado.Ele era meu melhor amigo, todos os dias vinha me buscar em casa para irmos para escola e sempre chegava mais cedo para tomar café com minha família. Sentia como se o conhecesse desde sempre, porém, não era bem assim. Nos conhecemos quando eu tinha nove anos e ele oito, Clay foi se consultar com
— Diferente de você, Aurora, seu amigo é pontual — provocou Eva, rindo enquanto terminava seu café. — Agora anda, não quero me atrasar por sua causa, de novo. — Ela revirou os olhos para mim, ajeitando a mochila sobre os ombros.— Calada, praga — falei para minha irmã, rindo em seguida e recebendo um olhar de reprovação da minha mãe. — É só um apelido carinhoso mamãe — disse, observando dona Victoria unir as sobrancelhas e me encarar com desconfiança por alguns instantes.Evangeline sempre ia conosco para a escola e normalmente, ela se atrasava por isso. Eu nunca fui uma pessoa muito pontual. Ela odiava minha falta de talento e vontade de seguir os horários, mas como tinha uma “quedinha” pelo Clay desde que começou a se interessar por garotos, o que não tinha muito tempo, valia o esforço e o estresse.— Sua irmã tem razão — Clay falou, tomando seu último gole de suco e ajeitando sua mochila nos ombros, enquanto eu bebia sem pressa uma xícara de café. — Precisamos ir.— Que foi beija-f
AURORAAs garotas falavam todas juntas, e eu não entendia nem dez por cento do que elas queriam realmente dizer. Clay me olhava e ria da minha desgraça, mas logo fez uma careta ao ser arrastado por um grupo de garotos. Os meninos me deram um bom dia em um coro meio desorganizado e levaram meu amigo para longe. Voltei a prestar atenção nas garotas, olhando-as enquanto conversavam, falando algo sobre alunos novos, festas e sobre os acontecimentos do fim de semana. Seguimos pelos corredores e, enquanto eu caminhava em direção ao meu armário, o grupo de meninas tagarelava sobre o baile e sobre como estavam ansiosas para o evento. Claro que aquele assunto renderia conversas para toda a manhã, por sorte, logo o sinal tocaria e todas nós precisaríamos ir para nossas respectivas salas, o que era um grande alívio no momento.— Aurora! — Ouvi uma voz bem conhecida me chamar, me virei para poder olhá-la e, como sempre, ela estava completamente exagerada.Quem usa um salto tão fino às oito da ma
Sharon e Dillam eram o típico casal de status. De longe percebia-se que o relacionamento deles era tóxico, para ambos, na verdade. Poucos sabiam, mas Sharon abdicava de muitas coisas para estar ao lado de seu capitão e manter sua posição social na hierarquia escolar do Saint’s Paul. Eu só não entendia o porquê disso tudo, afinal, em breve o colegial não vai passar de uma mera lembrança divertida ou traumática. — Claro — falei, forçando um sorriso. — Resolveremos tudo antes da sua festa. — Tinha vontade de correr, minha primeira aula logo começaria e minhas conversas com Sharon nunca eram as mais saudáveis. — Tenho que ir agora — falei para a garota, tentando não soar rude demais ou muito apressada.— Até mais, querida — ela disse, beijando minhas bochechas novamente, se afastando e seguindo para um grupo de garotas que vinha logo atrás de mim. — Merda! — resmunguei ao olhar no meu relógio e perceber que estava quase dez minutos atrasada.Corri até meu armário jogando minhas coisas
O caminho até minha casa foi completamente silencioso.Clay estava com os olhos na estrada, ele odiava ser incomodado enquanto dirigia, tinha muito medo de perder a atenção e acabar provocando um acidente. Eva estava com seus fones de ouvido, cantarolando uma música qualquer e eu estava em um estado meio adormecido. Quando finalmente estacionamos na frente da minha casa, tomei coragem para me levantar, pegando minha bolsa e saindo do carro. Arrastei-me para dentro, largando minha mochila na sala mesmo e, olhando para os lados, chamei por minha mãe algumas vezes, constatando que a casa estava vazia. Caminhei até a cozinha e encontrei a mesa posta com alguns lanches, os pratos categoricamente embalados e dispostos no centro, como só dona Victória fazia. Encontrei um pequeno bilhete colado no plástico filme que embalava alguns sanduíches naturais.“Precisei sair urgentemente, tenho uma palestra de última hora para esta tarde e provavelmente chegarei só depois das nove. Comam direito e nã
Acordei como todos os dias.Eva batia na porta do meu quarto insistentemente. Para que comprar um despertador se eu tinha uma irmã tão pontual? Não havia necessidade nenhuma. Respirei pesadamente e me virei, observando meu melhor amigo que dormia pesadamente ao meu lado na cama, enquanto babava em um dos meus travesseiros. Me apoiei em um dos cotovelos e o cutuquei com a mão livre, empurrando seu rosto.— Clay Acorda! — falei, alto o suficiente para fazê-lo resmungar. — Acorda, vamos nos atrasar!O empurrei com mais força, jogando-o para a ponta da grande cama e, quando o moreno tentou se erguer, perdeu o equilíbrio, caindo com um baque surdo. Ouvi alguns xingamentos antes de vê-lo se levantar e me encarar com uma expressão nada amigável.— Você é uma estraga prazeres Aura! — falou, passando a destra nos cabelos e bocejando em seguida, coçando os olhos antes de caminhar até o armário. — Não podia me acordar de forma mais delicada? Clay não me deu tempo para responder, pegou a toalh
DANTEAcordei com o irritante toque do meu celular. Sabia que não deveria ter saído e nem me lembrava direito da hora que havia chegado em casa. Provavelmente tia Tabatha havia me dado um belo e longo sermão sobre bebidas. Porém, eu não podia vir para Dakota e não falar para meus antigos amigos, nem festejar um pouco minha chegada nada desejada ou planejada.É claro que eu não imaginei que meus avós me jogariam realmente para tia Tabatha. Apesar das ameaças, eu fui o famoso Tomé, precisei ver para crer e aqui estava eu, sendo obrigado a acordar cedo, muito mais cedo que um aluno comum. Massageei minhas têmporas e me ergui, desligando o alarme do celular. Milagrosamente Amberthy não havia invadido meu quarto e me cobrindo de reclamações por encher o saco da sua querida mãe, já que minha prima sentia prazer em tentar fazer com que eu me sentisse mal por atrapalhar os planos da minha tia. Tomei um banho rápido e desci as escadas, chegando à cozinha e observando minha tia, que já estava
— Infelizmente — falou ela. Sua voz era melodiosa e me causou um estranho arrepio na nuca. — Vem comigo e tira esse sorrisinho da cara antes que eu te deixe plantado aqui.Ela me surpreendeu mais uma vez, quem diria que uma garota tão sorridente teria uma língua tão afiada? Caminhei ao lado dela enquanto seguíamos pelo grande corredor. A garota parecia um pouco aérea em sua tarefa e por um momento eu achei que ela tinha esquecido que estava me ajudando a encontrar meu armário. Tive a certeza que ela se distraiu por alguns instantes quando me encarou, piscando repetidas vezes e fazendo um bico discreto.— Qual seu nome? — perguntou em seguida, me fazendo sorrir novamente, vendo suas sobrancelhas se unirem, provavelmente imaginando que eu estava pensando besteira, e talvez eu estivesse mesmo. — Para encontrarmos seu armário — se justificou rapidamente. — Dante — respondi após alguns instantes, sorrindo levemente e recebendo um novo olhar irritado, acompanhado por passos rápidos.A gar