Meu humor está terrível no dia seguinte ao caos.
Eu deveria me acostumar com isso, afinal, não é a primeira vez que acontece. Pelo visto, não será a última. O que tem de errado com os homens? Por que sempre sou atraída pelos emocionados, quando tudo o que quero é um cafajeste que queira as mesmas coisas que eu?
Não me julgue. Não é que nunca vou querer sossegar, construir uma família, ficar o resto da minha vida com uma pessoa só. Quero isso, em algum momento. Só não agora. Tudo está instável demais na minha vida. Começando pela minha carreira, que não foi bem o que planejei para meu futuro.
A meta de todo trabalhador é progredir, subir de cargo, ser reconhecido fazendo o que ama. E isso já aconteceu comigo um dia. Quando arrancaram tudo isso de mim, fui obrigada a aceitar um emprego como secretária, ganhando até bem, mas tendo que aceitar um chefe carrasco de brinde. Não tinha experiência na área assim que me aceitaram na vaga, há três anos, só que meu currículo é excelente e estavam desesperados atrás de alguém.
Agora entendo o motivo.
Chego mais cedo do que estou acostumada, porque não consegui pregar o olho e estava ficando agoniada por ver o sol nascendo, então mal deu seis horas e me arrumei para vir à empresa. Pelo menos o trabalho tem um grande poder de ocupar meu tempo e me fazer esquecer as confusões em que me meto.
Se tivesse um livro sobre a minha vida, meus encontros seriam trágicos e cômicos ao mesmo tempo, porque tem coisas que só acontecem comigo mesmo. Juro. Se eu te contasse tudo…
Quando coloco a bolsa em cima da minha mesa, enfio a cabeça, que começa a latejar pela noite sem dormir, entre as mãos e solto um suspiro alto, preparando-me mentalmente para o expediente. Seria uma puta sorte se Valentin tivesse que passar o dia todo fora do escritório, sem necessitar de mim para nada, mas não posso pedir demais. Eu teria que ter sorte, e isso não faz parte da minha vida, infelizmente.
Sei que ele já chegou mesmo que seja cedo demais, porque Valentin sempre madruga. É impossível chegar antes dele. Já cheguei a me perguntar se ele vai embora. Tudo o que me prova que vai para casa é a mudança de roupas, mas que horas o homem encaixa a vida social nessa rotina insana que ele tem?
Vou até a copa e preparo dois cafés, um forte e sem açúcar para mim e um descafeinado para Valentin. Tomo um gole do meu e volto para o local de trabalho. Deixo uma xícara em cima da minha mesa e vou até a sala do meu chefe. Sem conseguir colocar um sorriso falso na cara dessa vez, bato na porta e espero sua autorização para que eu entre.
Abro a porta devagar e o cheiro do seu perfume me atinge. A sala sempre fica assim, mesmo que seja de noite. Como ele faz para durar tanto? É como se o aroma impregnasse em cada canto do lugar. Pelo menos é gostoso. Porque se fosse ruim, além de aguentar a personalidade intragável, eu teria que respirar um ar impuro.
— Bom dia, senhor Salvatore. Cancelei a reunião do almoço, como me pediu. Posso manter a das quatro horas?
Falo tudo muito rápido, enquanto deixo a xícara em cima da sua mesa. Quando olho para meu chefe, ele parece surpreso por me ver ali. Não sei se devido ao horário ou por eu ter seguido a sua orientação de ficar sóbria. Não que tenha obedecido a ele, de qualquer forma. Só não gosto de beber em excesso quando vou me encontrar com algum carinha. Nunca. Apenas alguns drinks, dentro do meu limite. Não confio em homem nenhum o suficiente para ficar vulnerável a esse ponto.
— Caiu da cama, senhorita Santoro?
— Não, senhor. Quis chegar mais cedo para adiantar umas coisas. — conto a meia-verdade e o encaro, entrelaçando meus dedos em frente ao corpo, esperando pela sua análise minuciosa de todos os dias. Tenho para mim que me encara em busca de algo para usar contra mim.
— Seu encontro não foi bom?
— Creio que isso não seja da sua conta — rebato, ácida, sentindo uma pontada na cabeça.
— É da minha conta quando sua vida pessoal começa a interferir no seu desempenho e no dia a dia da minha empresa, senhorita Santoro.
— É? E quando foi que isso aconteceu? — pergunto, soltando uma risada irônica, desprovida de humor.
Se fosse em outro momento, poderia continuar tentando ser uma pessoa melhor, mas o senhor Salvatore me pegou em um péssimo dia. Se ele acha que pode dar pitaco na minha vida, ignorando que é apenas meu chefe, eu também posso ignorar isso.
— Posso citar uma lista longa — ele fala, agindo de forma premeditada.
Quando se levanta da sua cadeira, sou obrigada a subir bastante a cabeça para continuar travando a batalha silenciosa de olhares, porque o filho da mãe é alto demais e eu sou muito baixa. Até nisso a gente é oposto.
Enquanto dá passos lentos para perto de mim, me mantenho parada. Ele nunca chega muito perto, como se colocasse uma barreira invisível entre nós, e agradeço porque senão ficaria muito distraída. Respiro de forma ruidosa, tentando controlar o mau temperamento.
— Quer que eu a cite para você? — pergunta sério, sem qualquer resquício de ironia ou brincadeira na voz grave e rouca.
— Eu adoraria ouvir, senhor!
— Bom, primeiro, suas ressacas frequentes. Não ache que me engana, senhorita Não adianta trocar as lentes pelos óculos de grau de armações enormes para tentar esconder os olhos fundos, ou usar um perfume mais forte para disfarçar o odor do álcool que gruda na sua pele.
Ok, ele conseguiu me deixar sem reação com essa.
Não pensei que ele fosse observador a esse ponto. O homem mal me olha! Como pode perceber o dia que uso óculos ou não? E não tenho culpa se quando bebo mais do que o normal nas saídas com Nat e Maya, meu corpo exala! Deve ser meu tipo sanguíneo incompatível com a bebida, só pode. Não importa quantos banhos eu tome, o traíra do meu corpo sempre me entrega.
— Vamos ver o que mais… — Valentin se afasta de mim apenas o suficiente para se apoiar na sua mesa, os braços cruzados em frente ao corpo, destacando ainda mais os músculos que não se escondem mesmo com a camisa social. — Também tem suas mudanças de humor, claro, quando algo na sua noite não sai como você gostaria. O estresse, o tom arisco que usa com o seu chefe e a sua completa falta de paciência para a idiotice dos demais funcionários.
Ai meu Deus!
— Não sou arisca. — É tudo o que consigo dizer para tentar me defender, porque pelo visto, Valentin Salvatore me conhece bem demais para o meu gosto. O foda da situação é que a fala sai ácida, como se para provar o seu ponto.Ele abre um sorriso rápido de lado, bastante raro. Só usa quando não fala o que está pensando de verdade. Normalmente, são nos nossos embates saudáveis. Imagino que seja algo muito ruim para ser dito em voz alta, porque ele não é de guardar nada. O homem não hesita em brigar e dizer como gosta que as coisas aconteçam por aqui.— Tem muito mais. Posso ficar o restante do dia aqui falando sobre a sua falta de profissionalismo, mas vou finalizar com os presentinhos que você recebe com mais frequência do que seria apropriado para o ambiente de trabalho. Flores, ursos gigantes, serenatas…— Não é minha culpa! Não é como se eu quem enviasse os presentes. — Mas tem como garantir que eles não sejam entregues aqui, senhorita Santoro, e sim na sua casa. Sua vida pessoal g
Louca.De uma lista longa de adjetivos que podem ser utilizados para descrever Nicole Santoro, esse, com certeza, está no topo. Caralho, não consigo deixar de pensar em como ela sempre consegue me surpreender. Para o bem ou para o mal, consegue.A sorte é que sou rápido para aparar seu corpo mesmo segurando um buquê em uma mão e o maldito cartão em outra. Deixo os objetos no chão mesmo e seguro a mulher minúscula, apoiando as duas mãos nas suas costas e erguendo-a. Solto um xingamento baixo, porque os funcionários começam a cochichar entre si ao presenciarem a cena.Querendo fugir das fofocas, levo Nicole até a minha sala e empurro a porta com o ombro para fechá-la. Coloco a mulher miúda deitada no sofá de couro marrom que tem no canto. Raramente o uso, porque não costumo relaxar muito no escritório, mas pelo menos vai ser útil agora.Cruzo os braços em frente ao corpo, enquanto aguardo sua farsa se encerrar, parando para observar como a maluca é bonita pra caralho. Já tive minha cota
Tento tirar a baixinha da minha cabeça e foco no que faço melhor: trabalho. Trabalho por várias horas, como sempre perdendo o horário de ir embora. Quando saio da empresa, já passa das onze da noite. É impressionante como sempre parece ficar coisa para trás, não importa quanto tempo eu trabalhe. Às vezes, ainda chego em casa e respondo alguns e-mails que chegam durante a noite.Vou até a garagem e encontro meu motorista dormindo dentro do carro, apenas esperando. Bato na janela, e Lionel se ajeita, limpando a baba imaginária do canto da boca. Ele sai do carro e abre a porta de trás para mim, pedindo desculpas com um sorriso sem graça. Não o culpo.Enquanto o homem começa a dirigir em direção à minha casa, respondo algumas mensagens que recebi da minha mãe. Já sei que ela vai me encher de bronca pela demora, porque foi enviada de manhã, mas antes tarde do que nunca. Respondo ao meu irmão caçula também, que me chama mais uma vez para que eu saia com ele. Nunca aceito, nem sei porque Tyl
Furo a fila de pessoas reclamando, evitando que esbarrem em mim, e vejo o segurança me olhar desconfiado.— Para o final da fila, senhor!— Vim buscar meu irmão, ele está dando trabalho aí dentro — minto com facilidade, e ele coça a barba, pensativo. — Sou Valentin Salvatore e posso…— O dono da LDrinks? Por que não falou antes? Eu amo as suas bebidas, cara. Vamos, entre!Surpreso por um cara no meio do nada ter me reconhecido, eu sorrio em agradecimento e entro. Não é como se todo mundo no país me conhecesse por aí. A empresa só tem dez anos, é relativamente nova, tem sua fama, mas não sou famoso. Apareço vez ou outra em capas de revista e em divulgações da marca por aí, apesar de achar uma grande baboseira ter que usar a minha imagem como marketing.Xingo alto quando vejo que o lugar tem mais gente do que imaginei e me meto no meio dos corpos suados, buscando alguma área VIP, porque tenho certeza de que é nela que meu irmão está metido. Descubro que acertei no palpite quando o vejo
Henry se curva para falar alguma coisa no meu ouvido, mas eu me distraio com a visão de Valentin conversando com uma mulher monumental. Ela é da altura dele e está bem perto, falando algo no seu ouvido com um sorriso fácil. E caramba! Ele está sorrindo para ela! Nunca vi esse sorriso antes.Valentin Salvatore está em busca da sua caça, e não sei como me sinto em presenciar uma coisa tão íntima do meu chefe. Eu não deveria ter que ver isso, droga. Pelo visto, o que ele diz para a peituda ruiva a agrada demais porque ela faz questão de esfregar os peitões nele, que não a afasta.— Tudo bem por você? — Henry fala mais alto no meu ouvido, e eu volto à realidade, dando-me conta de que não escutei nadinha do que ele falou.— Desculpe, eu me distraí. — Com meu chefe flertando, completo em pensamento. — Vamos fazer o seguinte. Não estou no meu melhor momento agora, por que não me pega meu número e a gente combina algo depois?Ele não parece muito chateado com a ideia e não demora a tirar o ce
— Achei que estivesse no banheiro — diz, prendendo o riso, e se vira para meu chefe. — Olá, se lembra de mim? Sou Natasha.— Oi, Natasha. Claro que me lembro. Como está? — Ele é um poço de simpatia com minha amiga, conversando amenidades, e vejo como ela cai na lábia dele.Queria que tivesse que conviver com Valentin diariamente para ver se ia ficar sorrindo feito boba assim.— Amorzinho, eu preciso ir. Não queria acabar nossa noite mais cedo, mas Amanda está enjoadinha. Benjamin me ligou agora para dizer que ela não consegue dormir.— Tudo bem, Vamos. Será que não é bom levá-la ao médico?Esqueço-me de Valentin, ainda parado mais perto do que o necessário, preocupada com a minha pequenina. É um ser humano tão frágil que demorei a pegá-la no colo, com medo de quebrar. Sempre me preocupo com qualquer resfriado que ela pega.— Não se preocupe. Você pode ficar, se for o que quer… Está sóbria?— Estou, mas eu vou com você. Não tenho por que ficar aqui.Quando digo isso, olho direto para V
— Eu quero. Estou mesmo merecendo um aumento. Aquele homem me deve — brinco, e ele sacode a cabeça, sabendo que não vai conseguir tirar isso da minha cabeça.Já é algo que penso há um tempo, mas preciso me planejar para encaixar mais essa despesa na minha vida. Vou precisar abrir mão de alguma coisa, mas não ligo se isso significar deixar meu pai menos sobrecarregado.Quando tivemos o diagnóstico, foi um baque para todos nós, claro. Mamãe tinha alguns sintomas com frequência, que sempre justificava com o sedentarismo, com a preguiça que tinha de exercícios. Se ela subia poucos degraus de escada e ficava extremamente cansada, dizia que não estava acostumada. Se sentia formigamentos durante um dia inteiro nas pernas, era porque dormiu em uma posição ruim.Foi difícil convencê-la de que não era normal ter sintomas como esses por um período longo. A sorte foi que ela tem dois teimosos ao seu redor, e eu e papai não desistimos até levá-la ao médico.Após ser encaminhada para um neurologist
Há coisas na vida que eu gostaria de não me preocupar.Não me leve a mal, não sou uma má pessoa ou sem escrúpulos, mas sei reconhecer o limite das coisas. Sei que não é normal que eu esteja preocupado com minha secretária nesse nível. Fiquei desfocado nos últimos dias, pensando no que diabos aconteceu com ela para ter pedido essa folga com tanta urgência. Apesar de Nicole ter seus maus momentos, ela é uma ótima funcionária e nunca me deixou na mão antes.Foram dias insanos, em que percebi que ela é a pessoa que me traz de volta à realidade, a única capaz de me impedir de mergulhar no trabalho ao ponto de me esquecer de tudo. Prova disso é que perdi uma reunião importante. Não porque eu não sabia da existência, eu sabia, mas perdi a porra da noção da hora. Quando vi, já tinha se passado tempo demais.Nicole me mantém atento e me faz aterrissar quando minha mente se desliga por tempo demais para focar no que tenho que fazer.Espero muito que essa mulher volte hoje.Não que eu esteja olh