Tento tirar a baixinha da minha cabeça e foco no que faço melhor: trabalho. Trabalho por várias horas, como sempre perdendo o horário de ir embora. Quando saio da empresa, já passa das onze da noite. É impressionante como sempre parece ficar coisa para trás, não importa quanto tempo eu trabalhe. Às vezes, ainda chego em casa e respondo alguns e-mails que chegam durante a noite.
Vou até a garagem e encontro meu motorista dormindo dentro do carro, apenas esperando. Bato na janela, e Lionel se ajeita, limpando a baba imaginária do canto da boca. Ele sai do carro e abre a porta de trás para mim, pedindo desculpas com um sorriso sem graça. Não o culpo.
Enquanto o homem começa a dirigir em direção à minha casa, respondo algumas mensagens que recebi da minha mãe. Já sei que ela vai me encher de bronca pela demora, porque foi enviada de manhã, mas antes tarde do que nunca. Respondo ao meu irmão caçula também, que me chama mais uma vez para que eu saia com ele. Nunca aceito, nem sei porque Tyler insiste.
Diferente de dona Eleanor, meu irmão visualiza na mesma hora e me manda uma série de bichinhos dando dedo. Reviro os olhos e mando meia dúzia de palavras sobre como ele é maduro para os seus vinte e cinco anos. Temos uma diferença de idade significativa, mas isso nunca foi uma barreira para nosso vínculo fraterno. Pelo contrário, sempre amei ter um pirralho me usando como modelo de vida. Uma pena que essa peste teve que crescer, e que não seguiu quase nada do que ensinei a ele.
Deixo-o no vácuo, mas não demora para o pentelho decidir que é uma boa ideia encher a porra do meu saco em uma ligação também.
— Fala, moleque chato do caralho — atendo, ouvindo a sua risada alta do outro lado da linha, sem estar nem um pouco incomodado pelo tratamento nada carinhoso.
— Você me deve uma, Valentin Evan Salvatore.
— E posso saber o que eu te devo dessa vez? — pergunto, dando corda para ele.
Agradeço ao meu motorista e o dispenso quando chegamos em casa, menos de dez minutos depois. Não foi de forma aleatória que escolhi essa mansão, ela fica perto da empresa e tem um pouco da paz que busco quando saio do trabalho. Fica isolada das demais, ocupando boa parte da rua, e ainda me dá acesso a um lado privativo de uma das belas praias de Malibu. Não que eu ande indo à praia, mas é bom ter a opção.
— Você perdeu minha festa de aniversário do ano passado, então está me devendo isso.
— Não perdi, não — rebato, lembrando-me bem de como fui obrigado a ir em uma boate lotada, cheia de gente suada e barulhenta, para comemorar o aniversário de Tyler.
Estou falando da pré-festa, meu irmão. Comigo, a comemoração começa cedo — ele responde rindo, e sacudo a cabeça pelo sem futuro que tenho como irmão. Escuto-o conversando com alguém do outro lado da linha, no lugar barulhento onde está.
Ah, você fala a desculpa de gente desocupada e sem emprego para gastar um dinheiro que não tem e acordar podre de ressaca no dia seguinte? Sei, nessa não fui mesmo.
— Você me Fere meus sentimentos sem dó, mete a faca no meu coração.
Tiro o celular do ouvido e coloco no viva-voz enquanto ando até o quarto. Quando coloco o aparelho no colchão e começo a me livrar da roupa, ele ainda segue no seu drama de sempre, tentando me convencer através da chantagem a fazer as coisas que quer. Nunca funciona, mas meu irmão tem como qualidade a insistência.
— Não adianta me ignorar, sei que está me ouvindo — resmunga, e volto a pegar o iPhone, revirando os olhos para ele mesmo que não me veja. Sigo até o banheiro e dou um jeito de me livrar da peste. Prometo que vou pensar no caso dele, só para poder desligar a ligação e tomar meu banho em paz.
Não demora nem um minuto para que ele mande uma nova mensagem. Penso em não abrir e seguir com a minha vida, mas nunca consigo fazer isso com ele, então acabo abrindo. Baixo o vídeo, contrariado, ouvindo sua voz gritada para se sobressair ao barulho do local lotado.
— Só te aviso que está perdendo. Está cheio de mulher bonita aqui! Vou ficar com todas para mim! Tchau, careta!
Não dou muita importância para o vídeo até que ele foca em uma mulher que conheço bem demais. O corpo pequeno chama a atenção no meio de todas as pessoas altas. Qual é a porra da chance?
Volto o vídeo para quando ela aparece e vejo que está com suas duas amigas, as mesmas para quem sempre a escuto me xingando pelo telefone. Natasha, a atriz, eu conheci em uma festa da empresa, há muito tempo. Já a outra não conheço muito, mas sei que também é amiga de Nicole.
— O que está fazendo em um lugar desses em pleno dia de semana? Irresponsável do caralho… — resmungo, mas deixo para lá porque não é da minha conta.
Nada disso é.
Não tenho nada a ver com a vida social da minha secretária. Ela pode sair quando quiser, do jeito que quiser. Desde que isso não atrapalhe o seu trabalho, consequentemente a minha vida, não ligo. O problema é que sempre atrapalha. Tomo um banho rápido xingando a infeliz de todos os nomes, porque já sei que amanhã vai ser um dia daqueles. Tenho outra reunião importante que vou precisar da sua companhia!
Quando saio do banheiro, com a toalha amarrada na cintura, me sento na cama e olho para a tela, vendo se Tyler me mandou mais alguma coisa, mas não tem mais nada. E se, por um acaso, meu irmão der em cima dela? Ele não vale nada, com certeza Nicole sairia magoada e faria da minha vida um inferno. Já falei que ela vira o capeta quando está estressada?
— Não, não vou deixar que isso aconteça. Posso tentar colocar um pouco de juízo na cabeça daquela desmiolada.
Só por isso, mando uma mensagem para meu irmão, perguntando onde ele está. Se fica surpreso com o questionamento, não fala nada. Apenas me manda a localização do lugar, e eu me apresso em me vestir. Eu deveria trabalhar, claro que deveria, mas vou aproveitar para tirar algumas horinhas de descanso. Estou precisando mesmo de um respiro.
Saio de casa e dirijo até a boate, estranhando dirigir depois de tanto tempo, porque faz bons anos que tenho motorista e nunca saio por aí sozinho. Mas é como andar de bicicleta, não tem como esquecer. Quando chego à boate, me arrependo de imediato de ter vindo. Não é meu ambiente para relaxar. Não é meu ambiente de jeito nenhum. Ponto.
Furo a fila de pessoas reclamando, evitando que esbarrem em mim, e vejo o segurança me olhar desconfiado.— Para o final da fila, senhor!— Vim buscar meu irmão, ele está dando trabalho aí dentro — minto com facilidade, e ele coça a barba, pensativo. — Sou Valentin Salvatore e posso…— O dono da LDrinks? Por que não falou antes? Eu amo as suas bebidas, cara. Vamos, entre!Surpreso por um cara no meio do nada ter me reconhecido, eu sorrio em agradecimento e entro. Não é como se todo mundo no país me conhecesse por aí. A empresa só tem dez anos, é relativamente nova, tem sua fama, mas não sou famoso. Apareço vez ou outra em capas de revista e em divulgações da marca por aí, apesar de achar uma grande baboseira ter que usar a minha imagem como marketing.Xingo alto quando vejo que o lugar tem mais gente do que imaginei e me meto no meio dos corpos suados, buscando alguma área VIP, porque tenho certeza de que é nela que meu irmão está metido. Descubro que acertei no palpite quando o vejo
Henry se curva para falar alguma coisa no meu ouvido, mas eu me distraio com a visão de Valentin conversando com uma mulher monumental. Ela é da altura dele e está bem perto, falando algo no seu ouvido com um sorriso fácil. E caramba! Ele está sorrindo para ela! Nunca vi esse sorriso antes.Valentin Salvatore está em busca da sua caça, e não sei como me sinto em presenciar uma coisa tão íntima do meu chefe. Eu não deveria ter que ver isso, droga. Pelo visto, o que ele diz para a peituda ruiva a agrada demais porque ela faz questão de esfregar os peitões nele, que não a afasta.— Tudo bem por você? — Henry fala mais alto no meu ouvido, e eu volto à realidade, dando-me conta de que não escutei nadinha do que ele falou.— Desculpe, eu me distraí. — Com meu chefe flertando, completo em pensamento. — Vamos fazer o seguinte. Não estou no meu melhor momento agora, por que não me pega meu número e a gente combina algo depois?Ele não parece muito chateado com a ideia e não demora a tirar o ce
— Achei que estivesse no banheiro — diz, prendendo o riso, e se vira para meu chefe. — Olá, se lembra de mim? Sou Natasha.— Oi, Natasha. Claro que me lembro. Como está? — Ele é um poço de simpatia com minha amiga, conversando amenidades, e vejo como ela cai na lábia dele.Queria que tivesse que conviver com Valentin diariamente para ver se ia ficar sorrindo feito boba assim.— Amorzinho, eu preciso ir. Não queria acabar nossa noite mais cedo, mas Amanda está enjoadinha. Benjamin me ligou agora para dizer que ela não consegue dormir.— Tudo bem, Vamos. Será que não é bom levá-la ao médico?Esqueço-me de Valentin, ainda parado mais perto do que o necessário, preocupada com a minha pequenina. É um ser humano tão frágil que demorei a pegá-la no colo, com medo de quebrar. Sempre me preocupo com qualquer resfriado que ela pega.— Não se preocupe. Você pode ficar, se for o que quer… Está sóbria?— Estou, mas eu vou com você. Não tenho por que ficar aqui.Quando digo isso, olho direto para V
— Eu quero. Estou mesmo merecendo um aumento. Aquele homem me deve — brinco, e ele sacode a cabeça, sabendo que não vai conseguir tirar isso da minha cabeça.Já é algo que penso há um tempo, mas preciso me planejar para encaixar mais essa despesa na minha vida. Vou precisar abrir mão de alguma coisa, mas não ligo se isso significar deixar meu pai menos sobrecarregado.Quando tivemos o diagnóstico, foi um baque para todos nós, claro. Mamãe tinha alguns sintomas com frequência, que sempre justificava com o sedentarismo, com a preguiça que tinha de exercícios. Se ela subia poucos degraus de escada e ficava extremamente cansada, dizia que não estava acostumada. Se sentia formigamentos durante um dia inteiro nas pernas, era porque dormiu em uma posição ruim.Foi difícil convencê-la de que não era normal ter sintomas como esses por um período longo. A sorte foi que ela tem dois teimosos ao seu redor, e eu e papai não desistimos até levá-la ao médico.Após ser encaminhada para um neurologist
Há coisas na vida que eu gostaria de não me preocupar.Não me leve a mal, não sou uma má pessoa ou sem escrúpulos, mas sei reconhecer o limite das coisas. Sei que não é normal que eu esteja preocupado com minha secretária nesse nível. Fiquei desfocado nos últimos dias, pensando no que diabos aconteceu com ela para ter pedido essa folga com tanta urgência. Apesar de Nicole ter seus maus momentos, ela é uma ótima funcionária e nunca me deixou na mão antes.Foram dias insanos, em que percebi que ela é a pessoa que me traz de volta à realidade, a única capaz de me impedir de mergulhar no trabalho ao ponto de me esquecer de tudo. Prova disso é que perdi uma reunião importante. Não porque eu não sabia da existência, eu sabia, mas perdi a porra da noção da hora. Quando vi, já tinha se passado tempo demais.Nicole me mantém atento e me faz aterrissar quando minha mente se desliga por tempo demais para focar no que tenho que fazer.Espero muito que essa mulher volte hoje.Não que eu esteja olh
Os olhos, mais verdes do que castanhos agora, me encaram com pleno choque. Ela abre e fecha a boca, encarando os demais funcionários com vergonha.— Ela não é a sua secretária? O que teria para comentar? — Pierre pergunta, espantado com minha fala.— E o que tem a ver? Ela é a minha secretária, e eu quero saber o que ela tem para dizer a respeito da sua apresentação. Além disso, o currículo dela é tão bom quanto o seu, Bones. Na verdade, eu diria que até melhor. Sabia que ela já ocupou o mesmo cargo que o seu na nossa principal concorrente?Se antes Nicole estava chocada, agora sua expressão é impagável. Poucas vezes a vi tão sem fala quanto neste momento. Os olhos bonitos me encaram como se quisessem me matar, e eu gosto dessa reação. Posso lidar com ela me odiando por pegá-la de surpresa. Não posso lidar com a sua tristeza.O restante da equipe também está paralisado, estudando Nicole com mais atenção. Como se só agora tivessem notado que ela estava aqui. Pierre tenta conter a expre
Precisei recorrer à minha melhor amiga para não surtar mais ainda. Veja bem, minha vida não está fácil nos últimos tempos. Tenho várias coisas para me preocupar, para lidar, para enfrentar.A última semana foi uma verdadeira provação para a minha saúde mental, com todo o lance com a minha mãe e com as minhas finanças, então a última coisa que preciso é de Valentin Salvatore tentando acabar com o que resta da minha vida.— Sinto vontade de matar aquele homem, Nat! — exclamo para minha melhor amiga, enquanto vejo que a safada prende o riso ao invés de me apoiar no meu discurso de ódio. — Estou vendo esse sorrisinho aí, Natasha Forbs! Estou falando sério, como pode uma pessoa tentar te foder assim?— Oh, amorzinho… Não estou rindo de você. Não exatamente, mas é engraçada essa sua situação com seu chefe. Tem anos que reclama desse homem, mas teima em ficar lá.— Eu sei, eu sei! Não quero soluções para os meus problemas, só quero reclamar! Me deixa! — resmungo, tentando me distrair com a p
Após dar um beijo na bochecha de Amanda e mais um em Nat, ele sai e nos deixa sozinhas, com a esposa babona suspirando mesmo depois que Benjamin some das suas vistas. Abro um sorriso sincero e aproveito do seu momento de distração para pegar uma almofada decima do sofá e jogar no seu rosto. O gesto assusta Natasha e faz Amanda gargalhar a ponto de cair com a bunda amortecida pela fralda direto no chão.— Olha a má influência para a minha filha! — Nat protesta, e eu solto uma risada Mesmo após a fala, ela sorri e pega outra almofada, falhando ao tentar jogá-la no meu rosto. — Ataca a madrinha, filha!Corro pela casa e vejo Natasha pegar Amanda no colo, sem saber quem ri mais com a brincadeira infantil. Quando as duas adultas se cansam, a criança ainda se mantém com a energia de dois seres humanos atletas. Nós brincamos com a pequena de coisas mais leves pelo restante da noite.É o tempo de Benjamin voltar para o jantar. Fico com a pequena, dando um tempo para os dois tomarem banho junt