— Não sou arisca. — É tudo o que consigo dizer para tentar me defender, porque pelo visto, Valentin Salvatore me conhece bem demais para o meu gosto. O foda da situação é que a fala sai ácida, como se para provar o seu ponto.
Ele abre um sorriso rápido de lado, bastante raro. Só usa quando não fala o que está pensando de verdade. Normalmente, são nos nossos embates saudáveis. Imagino que seja algo muito ruim para ser dito em voz alta, porque ele não é de guardar nada. O homem não hesita em brigar e dizer como gosta que as coisas aconteçam por aqui.
— Tem muito mais. Posso ficar o restante do dia aqui falando sobre a sua falta de profissionalismo, mas vou finalizar com os presentinhos que você recebe com mais frequência do que seria apropriado para o ambiente de trabalho. Flores, ursos gigantes, serenatas…
— Não é minha culpa! Não é como se eu quem enviasse os presentes.
— Mas tem como garantir que eles não sejam entregues aqui, senhorita Santoro, e sim na sua casa. Sua vida pessoal gera mais fofoca nessa empresa do que já tivemos em todos os anos em que ela existe.
— Se você não me obrigasse a ficar aqui até decidir ir embora, talvez eu tivesse tempo para receber tudo na minha casa. Mas passo mais tempo aqui do que lá, não é mesmo?
Valentin não diz nada, apenas segue me medindo com atenção. Odeio quando faz isso. Sinto que se acha um ser superior que não tem tempo para perder discutindo comigo. É sempre assim, nossos embates são ácidos, mas rápidos. Ele não gasta mais do que cinco minutos demonstrando o quão babaca é. Não! O poderoso CEO Valentin Salvatore tem mais o que fazer do que ficar em discussões sem sentido com a própria secretária. Ele diz o que o incomoda e me despacha para que eu possa voltar para os meus afazeres.
Abro um sorriso quando volta para sua cadeira, provando que não é apenas ele que conhece algumas coisas sobre mim. Também conheço pequenos fatos relacionados a Valentin. Infelizmente, a convivência é uma porcaria e me obriga a isso. Por mim, ele seria apagado da minha vida.
— Terminou seu sermão do dia? Já posso me retirar?
Os olhos muito escuros voltam a me olhar, e assim me sinto mais segura, porque a sua altura não intimida tanto quando está sentado. Mesmo que ainda seja maior que eu, até assim. Só que isso não vem ao caso.
Observo enquanto Valentin abre uma das gavetas pequenas da sua mesa de madeira e coloca uma cartela de comprimidos em cima, empurrando-a em minha direção.
— O que é isso? — questiono com a sobrancelha franzida.
— Remédio para a sua dor de cabeça.
— Como…? Não estou de ressaca, não se preocupe.
— Eu sei. Não falei que estava. Pegue — fala, mandão, como se eu não tivesse a escolha de recusar.
Será que o infeliz, além de ser um completo pau no cu, tem o poder de ler mentes? Não é possível! Sei que temos um tempo considerável de convivência diária desde que comecei a trabalhar aqui, mas como ele pode saber tanta coisa insignificante ao meu respeito? Ou como pode saber sobre uma simples dor de cabeça?
— Não precisa...
— Leve. Não discuta comigo, Santoro. — Sem o “senhorita” então.
Significa que já está prestes a perder a paciência de novo.
Concordo para evitar fadiga. Para evitar que a leve dor de cabeça vire uma terrível e odiada enxaqueca. Aproveito a oferta porque não lembrei de comprar meu remédio. Aproximo-me da mesa de Valentin e pego o comprimido, vendo que é o mesmo que costumo tomar para o que eu chamo de pré-enxaqueca. É quando tenho a esperança de que a abençoada não venha e, por isso, preciso apenas de um remédio mais fraco, que não me derrube.
— Obrigada — falo com dificuldade, porque não me lembro de outra situação em que fui grata de verdade a Valentin.
— Não por isso, senhorita. Tire uns minutos até que melhore. Preciso que me acompanhe na reunião das quatro Quero que esteja atenta, sem distrações.
— Claro, senhor. Com licença.
Assim que saio da sua sala, eu me sento na minha cadeira e jogo a cabeça para trás, no encosto confortável. Que porra foi essa? Ao mesmo tempo que come o meu rabo sobre falta de profissionalismo, me oferece um remédio? Tudo bem que com certeza foi só para que eu estivesse cem por cento para mais tarde, mas mesmo assim. Ele poderia ter deixado que eu me virasse.
Valentin é estranho demais. Eu não deveria ficar gastando meu tempo tentando entender as suas atitudes.
Conforme foi sugerido por ele, tiro uns minutos na sala de descanso depois que tomo o meu remédio. Apago as luzes e espero uns vinte minutos até que comece a fazer efeito, agradecendo por não ter piorado. Estou um pouco melhor do meu humor quando volto para meu lugar, vendo que algumas pessoas já começaram a chegar também.
A minha sorte é que sempre que minha cabeça está ruim, Valentin me dá um descanso. Não de forma consciente, claro, mas tenho pelo menos esse conforto, porque ninguém merece ter um homem exigente falando na sua cabeça quando tudo o que quer é deitar.
Como previ, o trabalho me distrai pelo resto do dia. A cabeça melhorou, rendi bastante e Valentin não reclamou uma só vez. Foi mesmo uma vitória. Fomos à reunião, ele saiu bastante satisfeito por fechar um contrato, então também fiquei feliz pelo bom humor dele, porque isso sempre significa paz para mim.
Ele até me liberou no horário certo!
Animada por chegar em casa cedo pela primeira vez na semana, começo a arrumar as minhas coisas, mas travo no lugar quando vejo um entregador saindo do elevador. Quando olho as flores nas suas mãos, meu corpo gela porque me lembro da fala de Valentin.
— Não, não, merda! Que não sejam para mim, que não sejam para mim… — sussurro uma prece contínua e me desespero quando o homem pergunta meu nome, alto e claro. Lívia, uma das funcionárias, aponta em minha direção e o homem vem até mim.
— Senhorita Nicole Santoro? Assine aqui, por favor.
Pego a caneta da sua mão com pressa, doida para me livrar das provas do crime rápido, antes que Valentin veja. Só que o infeliz tem um radar, só pode. Ele escolhe justo esse momento para sair da sua sala. Os olhos afiados vêm em minha direção, em seguida para as flores.
Meu chefe se aproxima em passos lentos, enquanto o entregador dá meia-volta em direção ao elevador, afastando-se de mim. Antes que a bronca venha para acabar com o dia atípico de paz, eu me adianto e estico o buquê em sua direção.
— Para o senhor! — digo com pressa, e ele me olha sem acreditar na tentativa fajuta de fugir de uma bronca.
Valentin segura as flores com uma mão e pega um maldito cartão com a outra. Ele o abre e lê o conteúdo, e eu gelo, porque imagino de quem é e tenho medo do que está escrito ali.
— “Eu te amo e não vou deixar você fugir do sentimento por medo” — Valentin lê a frase em voz alta, de propósito, atraindo a atenção dos curiosos. — Não sabia que o que sentia por mim era amor, senhorita.
O sorrisinho está ali, o bendito indecifrável.
Para fugir do constrangimento, faço a primeira coisa que penso na hora. Uma péssima ideia, eu sei.
Finjo um desmaio.
Louca.De uma lista longa de adjetivos que podem ser utilizados para descrever Nicole Santoro, esse, com certeza, está no topo. Caralho, não consigo deixar de pensar em como ela sempre consegue me surpreender. Para o bem ou para o mal, consegue.A sorte é que sou rápido para aparar seu corpo mesmo segurando um buquê em uma mão e o maldito cartão em outra. Deixo os objetos no chão mesmo e seguro a mulher minúscula, apoiando as duas mãos nas suas costas e erguendo-a. Solto um xingamento baixo, porque os funcionários começam a cochichar entre si ao presenciarem a cena.Querendo fugir das fofocas, levo Nicole até a minha sala e empurro a porta com o ombro para fechá-la. Coloco a mulher miúda deitada no sofá de couro marrom que tem no canto. Raramente o uso, porque não costumo relaxar muito no escritório, mas pelo menos vai ser útil agora.Cruzo os braços em frente ao corpo, enquanto aguardo sua farsa se encerrar, parando para observar como a maluca é bonita pra caralho. Já tive minha cota
Tento tirar a baixinha da minha cabeça e foco no que faço melhor: trabalho. Trabalho por várias horas, como sempre perdendo o horário de ir embora. Quando saio da empresa, já passa das onze da noite. É impressionante como sempre parece ficar coisa para trás, não importa quanto tempo eu trabalhe. Às vezes, ainda chego em casa e respondo alguns e-mails que chegam durante a noite.Vou até a garagem e encontro meu motorista dormindo dentro do carro, apenas esperando. Bato na janela, e Lionel se ajeita, limpando a baba imaginária do canto da boca. Ele sai do carro e abre a porta de trás para mim, pedindo desculpas com um sorriso sem graça. Não o culpo.Enquanto o homem começa a dirigir em direção à minha casa, respondo algumas mensagens que recebi da minha mãe. Já sei que ela vai me encher de bronca pela demora, porque foi enviada de manhã, mas antes tarde do que nunca. Respondo ao meu irmão caçula também, que me chama mais uma vez para que eu saia com ele. Nunca aceito, nem sei porque Tyl
Furo a fila de pessoas reclamando, evitando que esbarrem em mim, e vejo o segurança me olhar desconfiado.— Para o final da fila, senhor!— Vim buscar meu irmão, ele está dando trabalho aí dentro — minto com facilidade, e ele coça a barba, pensativo. — Sou Valentin Salvatore e posso…— O dono da LDrinks? Por que não falou antes? Eu amo as suas bebidas, cara. Vamos, entre!Surpreso por um cara no meio do nada ter me reconhecido, eu sorrio em agradecimento e entro. Não é como se todo mundo no país me conhecesse por aí. A empresa só tem dez anos, é relativamente nova, tem sua fama, mas não sou famoso. Apareço vez ou outra em capas de revista e em divulgações da marca por aí, apesar de achar uma grande baboseira ter que usar a minha imagem como marketing.Xingo alto quando vejo que o lugar tem mais gente do que imaginei e me meto no meio dos corpos suados, buscando alguma área VIP, porque tenho certeza de que é nela que meu irmão está metido. Descubro que acertei no palpite quando o vejo
Henry se curva para falar alguma coisa no meu ouvido, mas eu me distraio com a visão de Valentin conversando com uma mulher monumental. Ela é da altura dele e está bem perto, falando algo no seu ouvido com um sorriso fácil. E caramba! Ele está sorrindo para ela! Nunca vi esse sorriso antes.Valentin Salvatore está em busca da sua caça, e não sei como me sinto em presenciar uma coisa tão íntima do meu chefe. Eu não deveria ter que ver isso, droga. Pelo visto, o que ele diz para a peituda ruiva a agrada demais porque ela faz questão de esfregar os peitões nele, que não a afasta.— Tudo bem por você? — Henry fala mais alto no meu ouvido, e eu volto à realidade, dando-me conta de que não escutei nadinha do que ele falou.— Desculpe, eu me distraí. — Com meu chefe flertando, completo em pensamento. — Vamos fazer o seguinte. Não estou no meu melhor momento agora, por que não me pega meu número e a gente combina algo depois?Ele não parece muito chateado com a ideia e não demora a tirar o ce
— Achei que estivesse no banheiro — diz, prendendo o riso, e se vira para meu chefe. — Olá, se lembra de mim? Sou Natasha.— Oi, Natasha. Claro que me lembro. Como está? — Ele é um poço de simpatia com minha amiga, conversando amenidades, e vejo como ela cai na lábia dele.Queria que tivesse que conviver com Valentin diariamente para ver se ia ficar sorrindo feito boba assim.— Amorzinho, eu preciso ir. Não queria acabar nossa noite mais cedo, mas Amanda está enjoadinha. Benjamin me ligou agora para dizer que ela não consegue dormir.— Tudo bem, Vamos. Será que não é bom levá-la ao médico?Esqueço-me de Valentin, ainda parado mais perto do que o necessário, preocupada com a minha pequenina. É um ser humano tão frágil que demorei a pegá-la no colo, com medo de quebrar. Sempre me preocupo com qualquer resfriado que ela pega.— Não se preocupe. Você pode ficar, se for o que quer… Está sóbria?— Estou, mas eu vou com você. Não tenho por que ficar aqui.Quando digo isso, olho direto para V
— Eu quero. Estou mesmo merecendo um aumento. Aquele homem me deve — brinco, e ele sacode a cabeça, sabendo que não vai conseguir tirar isso da minha cabeça.Já é algo que penso há um tempo, mas preciso me planejar para encaixar mais essa despesa na minha vida. Vou precisar abrir mão de alguma coisa, mas não ligo se isso significar deixar meu pai menos sobrecarregado.Quando tivemos o diagnóstico, foi um baque para todos nós, claro. Mamãe tinha alguns sintomas com frequência, que sempre justificava com o sedentarismo, com a preguiça que tinha de exercícios. Se ela subia poucos degraus de escada e ficava extremamente cansada, dizia que não estava acostumada. Se sentia formigamentos durante um dia inteiro nas pernas, era porque dormiu em uma posição ruim.Foi difícil convencê-la de que não era normal ter sintomas como esses por um período longo. A sorte foi que ela tem dois teimosos ao seu redor, e eu e papai não desistimos até levá-la ao médico.Após ser encaminhada para um neurologist
Há coisas na vida que eu gostaria de não me preocupar.Não me leve a mal, não sou uma má pessoa ou sem escrúpulos, mas sei reconhecer o limite das coisas. Sei que não é normal que eu esteja preocupado com minha secretária nesse nível. Fiquei desfocado nos últimos dias, pensando no que diabos aconteceu com ela para ter pedido essa folga com tanta urgência. Apesar de Nicole ter seus maus momentos, ela é uma ótima funcionária e nunca me deixou na mão antes.Foram dias insanos, em que percebi que ela é a pessoa que me traz de volta à realidade, a única capaz de me impedir de mergulhar no trabalho ao ponto de me esquecer de tudo. Prova disso é que perdi uma reunião importante. Não porque eu não sabia da existência, eu sabia, mas perdi a porra da noção da hora. Quando vi, já tinha se passado tempo demais.Nicole me mantém atento e me faz aterrissar quando minha mente se desliga por tempo demais para focar no que tenho que fazer.Espero muito que essa mulher volte hoje.Não que eu esteja olh
Os olhos, mais verdes do que castanhos agora, me encaram com pleno choque. Ela abre e fecha a boca, encarando os demais funcionários com vergonha.— Ela não é a sua secretária? O que teria para comentar? — Pierre pergunta, espantado com minha fala.— E o que tem a ver? Ela é a minha secretária, e eu quero saber o que ela tem para dizer a respeito da sua apresentação. Além disso, o currículo dela é tão bom quanto o seu, Bones. Na verdade, eu diria que até melhor. Sabia que ela já ocupou o mesmo cargo que o seu na nossa principal concorrente?Se antes Nicole estava chocada, agora sua expressão é impagável. Poucas vezes a vi tão sem fala quanto neste momento. Os olhos bonitos me encaram como se quisessem me matar, e eu gosto dessa reação. Posso lidar com ela me odiando por pegá-la de surpresa. Não posso lidar com a sua tristeza.O restante da equipe também está paralisado, estudando Nicole com mais atenção. Como se só agora tivessem notado que ela estava aqui. Pierre tenta conter a expre