4- Nicole Santoro.

— Não sou arisca. — É tudo o que consigo dizer para tentar me defender, porque pelo visto, Valentin Salvatore me conhece bem demais para o meu gosto. O foda da situação é que a fala sai ácida, como se para provar o seu ponto.

Ele abre um sorriso rápido de lado, bastante raro. Só usa quando não fala o que está pensando de verdade. Normalmente, são nos nossos embates saudáveis. Imagino que seja algo muito ruim para ser dito em voz alta, porque ele não é de guardar nada. O homem não hesita em brigar e dizer como gosta que as coisas aconteçam por aqui.

— Tem muito mais. Posso ficar o restante do dia aqui falando sobre a sua falta de profissionalismo, mas vou finalizar com os presentinhos que você recebe com mais frequência do que seria apropriado para o ambiente de trabalho. Flores, ursos gigantes, serenatas…

— Não é minha culpa! Não é como se eu quem enviasse os presentes. 

— Mas tem como garantir que eles não sejam entregues aqui, senhorita Santoro, e sim na sua casa. Sua vida pessoal gera mais fofoca nessa empresa do que já tivemos em todos os anos em que ela existe.

— Se você não me obrigasse a ficar aqui até decidir ir embora, talvez eu tivesse tempo para receber tudo na minha casa. Mas passo mais tempo aqui do que lá, não é mesmo?

Valentin não diz nada, apenas segue me medindo com atenção. Odeio quando faz isso. Sinto que se acha um ser superior que não tem tempo para perder discutindo comigo. É sempre assim, nossos embates são ácidos, mas rápidos. Ele não gasta mais do que cinco minutos demonstrando o quão babaca é. Não! O poderoso CEO Valentin Salvatore tem mais o que fazer do que ficar em discussões sem sentido com a própria secretária. Ele diz o que o incomoda e me despacha para que eu possa voltar para os meus afazeres.

Abro um sorriso quando volta para sua cadeira, provando que não é apenas ele que conhece algumas coisas sobre mim. Também conheço pequenos fatos relacionados a Valentin. Infelizmente, a convivência é uma porcaria e me obriga a isso. Por mim, ele seria apagado da minha vida.

— Terminou seu sermão do dia? Já posso me retirar?

Os olhos muito escuros voltam a me olhar, e assim me sinto mais segura, porque a sua altura não intimida tanto quando está sentado. Mesmo que ainda seja maior que eu, até assim. Só que isso não vem ao caso.

Observo enquanto Valentin abre uma das gavetas pequenas da sua mesa de madeira e coloca uma cartela de comprimidos em cima, empurrando-a em minha direção.

— O que é isso? — questiono com a sobrancelha franzida.

— Remédio para a sua dor de cabeça.

— Como…? Não estou de ressaca, não se preocupe.

— Eu sei. Não falei que estava. Pegue — fala, mandão, como se eu não tivesse a escolha de recusar.

Será que o infeliz, além de ser um completo pau no cu, tem o poder de ler mentes? Não é possível! Sei que temos um tempo considerável de convivência diária desde que comecei a trabalhar aqui, mas como ele pode saber tanta coisa insignificante ao meu respeito? Ou como pode saber sobre uma simples dor de cabeça?

— Não precisa...

— Leve. Não discuta comigo, Santoro. — Sem o “senhorita” então.

Significa que já está prestes a perder a paciência de novo.

Concordo para evitar fadiga. Para evitar que a leve dor de cabeça vire uma terrível e odiada enxaqueca. Aproveito a oferta porque não lembrei de comprar meu remédio. Aproximo-me da mesa de Valentin e pego o comprimido, vendo que é o mesmo que costumo tomar para o que eu chamo de pré-enxaqueca. É quando tenho a esperança de que a abençoada não venha e, por isso, preciso apenas de um remédio mais fraco, que não me derrube.

— Obrigada — falo com dificuldade, porque não me lembro de outra situação em que fui grata de verdade a Valentin.

— Não por isso, senhorita. Tire uns minutos até que melhore. Preciso que me acompanhe na reunião das quatro Quero que esteja atenta, sem distrações.

— Claro, senhor. Com licença.

Assim que saio da sua sala, eu me sento na minha cadeira e jogo a cabeça para trás, no encosto confortável. Que porra foi essa? Ao mesmo tempo que come o meu rabo sobre falta de profissionalismo, me oferece um remédio? Tudo bem que com certeza foi só para que eu estivesse cem por cento para mais tarde, mas mesmo assim. Ele poderia ter deixado que eu me virasse.

Valentin é estranho demais. Eu não deveria ficar gastando meu tempo tentando entender as suas atitudes.

Conforme foi sugerido por ele, tiro uns minutos na sala de descanso depois que tomo o meu remédio. Apago as luzes e espero uns vinte minutos até que comece a fazer efeito, agradecendo por não ter piorado. Estou um pouco melhor do meu humor quando volto para meu lugar, vendo que algumas pessoas já começaram a chegar também.

A minha sorte é que sempre que minha cabeça está ruim, Valentin me dá um descanso. Não de forma consciente, claro, mas tenho pelo menos esse conforto, porque ninguém merece ter um homem exigente falando na sua cabeça quando tudo o que quer é deitar.

Como previ, o trabalho me distrai pelo resto do dia. A cabeça melhorou, rendi bastante e Valentin não reclamou uma só vez. Foi mesmo uma vitória. Fomos à reunião, ele saiu bastante satisfeito por fechar um contrato, então também fiquei feliz pelo bom humor dele, porque isso sempre significa paz para mim.

Ele até me liberou no horário certo!

Animada por chegar em casa cedo pela primeira vez na semana, começo a arrumar as minhas coisas, mas travo no lugar quando vejo um entregador saindo do elevador. Quando olho as flores nas suas mãos, meu corpo gela porque me lembro da fala de Valentin.

— Não, não, merda! Que não sejam para mim, que não sejam para mim… — sussurro uma prece contínua e me desespero quando o homem pergunta meu nome, alto e claro. Lívia, uma das funcionárias, aponta em minha direção e o homem vem até mim.

— Senhorita Nicole Santoro? Assine aqui, por favor.

Pego a caneta da sua mão com pressa, doida para me livrar das provas do crime rápido, antes que Valentin veja. Só que o infeliz tem um radar, só pode. Ele escolhe justo esse momento para sair da sua sala. Os olhos afiados vêm em minha direção, em seguida para as flores.

Meu chefe se aproxima em passos lentos, enquanto o entregador dá meia-volta em direção ao elevador, afastando-se de mim. Antes que a bronca venha para acabar com o dia atípico de paz, eu me adianto e estico o buquê em sua direção.

— Para o senhor! — digo com pressa, e ele me olha sem acreditar na tentativa fajuta de fugir de uma bronca.

Valentin segura as flores com uma mão e pega um maldito cartão com a outra. Ele o abre e lê o conteúdo, e eu gelo, porque imagino de quem é e tenho medo do que está escrito ali.

— “Eu te amo e não vou deixar você fugir do sentimento por medo” — Valentin lê a frase em voz alta, de propósito, atraindo a atenção dos curiosos. — Não sabia que o que sentia por mim era amor, senhorita.

O sorrisinho está ali, o bendito indecifrável.

Para fugir do constrangimento, faço a primeira coisa que penso na hora. Uma péssima ideia, eu sei.

Finjo um desmaio.

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