Deveria ter um limite do quanto uma só pessoa pode ser babaca e arrogante. Juro que deveria. Isso tinha que estar, sei lá, na Constituição do país, proibindo chefes de serem tão… insuportáveis.
Sabe o pior?
Eu reclamo há anos, todos os dias da minha vida, sobre isso. Não estou exagerando, reclamo mesmo. Faço algo para mudar? Não. Pode parecer que sou frouxa, que não tenho amor à minha própria vida, mas não é isso. Pelo menos, não é só isso.
A real é que odeio mudanças. Fico apavorada quando se trata das bonitinhas. Meu cérebro cheio de ansiedade começa a criar mil e duas hipóteses do que pode dar errado se eu decidir arriscar pedir demissão para não ter que suportar mais a personalidade intragável de Valentin, e sempre acho que nunca é a hora certa de mudar.
Porque eu dependo do dinheiro.
Porque poderia ser pior.
Porque o maldito não é tão ruim assim.
E, realmente, Valentin Salvatore poderia ser pior. Sou a prova real de que existem chefes muito piores por aí, mas não sou uma pessoa que sabe lidar com temperamentos fortes. Talvez porque já basta o meu para ter que aguentar. Não sou obrigada a aturar o dos outros, eu hein. Já preciso me suportar. Você me viu de TPM? Nem queira!
É dizendo mais uma vez que não posso matar meu chefe durante as noites em que ele me obriga a ficar até tarde, fazendo com que eu tenha que mudar ou atrasar meus planos, que me preparo para bater na sala do CEO infeliz. Ou como eu gosto de chamar, na porta do inferno.
— Com licença, senhor Salvatore — falo, cansada, forçando o tom gentil que sempre tento colocar nos nossos diálogos para não extrapolar o limite do aceitável para uma funcionária diante de um superior hierárquico. Eu disse que tento, não quer dizer que consiga sempre. — Estou indo embora.
— Eu ainda estou aqui, senhorita Preciso da minha secretária até o fim do expediente.
Conto até dez, mas não adianta, então estendo a contagem até vinte. Não resolve. A quem quero enganar? Nunca resolveu. Nem se eu contasse até um milhão diminuiria a vontade que sempre sinto de jogá-lo do topo do arranha-céu em que a LDrinks está localizada.
— Entendo, senhor, mas já são nove horas da noite. Não é como se eu vivesse em função do trabalho, sabe? — Uso meu tom mais pacífico do mundo, porque não quero mesmo que ele implique comigo agora e me prenda aqui por mais tempo só de pirraça. Acredite, Valentin é capaz disso. — Estou sempre disponível durante o horário do meu expediente.
— Tem algum compromisso?
A minha recusa anterior faz com que ele tire os olhos do notebook e, como sempre, perco o ar por alguns segundos. Ah, qual é, eu disse que ele era babaca e arrogante, não feio. Infelizmente, o desgraçado é bonito e tentador como o próprio anjo caído. Não que eu saia comentando isso por aí. Minha boca é um túmulo quando se trata de exaltar algo dele, nem que seja uma coisa tão superficial quanto a aparência, que pelo visto é a sua única qualidade.
Merda! E ele sabe disso!
Quando retira os óculos de grau, que usa apenas para usar o computador, fica ainda mais gostoso e sexy.
Troco o peso do meu corpo de um pé para o outro, tensa com os meus pensamentos cada vez mais impertinentes a respeito da aparência dele, mas não consigo não reparar em como seus olhos muito pretos e pequenos brilham, mesmo com a baixa luz da sala. É assim que ele prefere trabalhar.
Ou em como os cabelos pretos e lisos nunca parecem ter um rumo certo no topo da cabeça, dando a ele um ar despojado, descontraído. O que é um desperdício, se quer saber a minha opinião, porque Valentin Salvatore não tem nada disso. Ele é tudo, menos isso. Pelo contrário, o CEO quarentão é todo sério, fechado, previsível e metódico.
Já falei que eu o odeio? Acho que ainda não, né?
— Senhorita Santoro? — chama com a voz impaciente, passando a mão grande pela barba escura e cheia.
Não vou me aprofundar aqui sobre como uma característica física tão bonita quanto essa está sendo desperdiçada em uma pessoa tão sem carisma quanto ele, mas saiba aqui a minha opinião a respeito disso. São vários desperdícios!
— Tenho, senhor — respondo sucinta, apesar de tardiamente, sem querer ter que me explicar que eu tenho um encontro agora.
Valentin não diz nada.
E seu silêncio me incomoda pra caralho.
Ele puxa as mangas da camisa social verde-clara que usa e as arruma com calma, sem tirar os olhos de mim. Não foco na sua análise crítica por muito tempo, porque estou mesmo tentando ser uma pessoa melhor e não entrar em mais um embate com ele, mas o senhor Salvatore maldito não me ajuda. Quando volto a olhar para seu rosto, vejo que seus olhos estão focados nos meus pés.
— Ajudo em algo mais?
— Não. Pode — Solto um suspiro de alívio e aceno em concordância, virando-me depressa para não dar tempo de ele mudar de ideia. Mas não sou rápida o suficiente ou ele que é um infeliz, porque logo me chama. — Senhorita Santoro?
— Sim, senhor?
— Se certifique de chegar no horário amanhã, e sóbria, por favor. Se não for pedir demais, claro. Não deixe que seu encontro atrapalhe as suas obrigações.
Arregalo meus olhos pela sua fala, fitando o miserável bonito demais para ser justo com o resto da população masculina. Eu poderia reb**er, claro que poderia. Tenho até uma resposta na ponta da língua sobre como ele pode enfiar a sugestão dele bem onde o sol não b**e, mas rebato? Claro que não. Não porque sou boba ou porque não sei me impor, só que quero mesmo terminar a minha noite na cama de alguém para me desestressar.
Estou tentando ser uma pessoa melhor, já disse. Sou capaz de me controlar, na maioria das vezes.
Aliás, como ele sabe que vou a um encontro? Poderia ser qualquer outro compromisso!
De toda forma, não penso muito nisso, apenas engulo a fala atrevida junto com meu veneno e aceno, abrindo um sorriso falso e saindo da sua sala. Reúno minhas coisas e o xingo baixinho enquanto isso, sem me preocupar se vai me ouvir. Não seria a primeira vez que Valentin me ouviria reclamar sobre ele — para alguém ou só para mim mesma.
Nunca me esqueço de quando ele me flagrou o xingando de todos os nomes ao telefone para Natasha, a minha melhor amiga.
Por falar nela, me esqueço do meu chefe e saio do prédio respondendo à sua última mensagem, enviada mais cedo, com mais uma foto de Amanda, minha afilhada, a bebê mais linda e simpática desse mundo inteiro.
Mando vários áudios exaltando a pequena e combino de me encontrar com Nat em algum dia do resto da semana. Nossa saída semanal ainda é sagrada, mesmo depois de tantos anos de amizade e de agora ela estar em outra vibe, sendo esposa e mãe. Apesar de ser uma atriz superfamosa, sinto que sua maior vocação é ser feliz ao lado da sua família. Nunca a vi tão radiante. Ela merece. Ainda mais depois do sufoco e do susto que passou há pouco tempo.
Longa história.
Sorrio quando ela surta mais uma vez dizendo que o pai dela está a enlouquecendo com o planejamento da festa de aniversário de Amanda, que vai ocorrer daqui umas semanas. A pequena vai fazer apenas um aninho de vida, mas a comemoração vai virar notícia graças ao avô babão, tenho certeza. Como tudo na vida de Nat.Quando chego no meu carro, jogo a bolsa no banco do passageiro e dirijo até o barzinho em que combinei de me encontrar com Oliver, um amigo com benefícios com quem estou envolvida sexualmente há um bom tempo. Ele é uma ótima companhia, divertido, inteligente e ainda me come de forma satisfatória, então tenho um combo muito bom em uma pessoa só.Mandei mensagem para ele mais cedo, dizendo que ia me atrasar por causa do meu chefe carrasco, e Oliver entendeu, respondendo que ia me esperar porque a noite é uma criança. É provável que já esperasse que eu não fosse chegar no horário, porque não é a primeira vez que me atraso pelo mesmo motivo.Assim que estaciono um pouco distante
Meu humor está terrível no dia seguinte ao caos.Eu deveria me acostumar com isso, afinal, não é a primeira vez que acontece. Pelo visto, não será a última. O que tem de errado com os homens? Por que sempre sou atraída pelos emocionados, quando tudo o que quero é um cafajeste que queira as mesmas coisas que eu?Não me julgue. Não é que nunca vou querer sossegar, construir uma família, ficar o resto da minha vida com uma pessoa só. Quero isso, em algum momento. Só não agora. Tudo está instável demais na minha vida. Começando pela minha carreira, que não foi bem o que planejei para meu futuro.A meta de todo trabalhador é progredir, subir de cargo, ser reconhecido fazendo o que ama. E isso já aconteceu comigo um dia. Quando arrancaram tudo isso de mim, fui obrigada a aceitar um emprego como secretária, ganhando até bem, mas tendo que aceitar um chefe carrasco de brinde. Não tinha experiência na área assim que me aceitaram na vaga, há três anos, só que meu currículo é excelente e estavam
— Não sou arisca. — É tudo o que consigo dizer para tentar me defender, porque pelo visto, Valentin Salvatore me conhece bem demais para o meu gosto. O foda da situação é que a fala sai ácida, como se para provar o seu ponto.Ele abre um sorriso rápido de lado, bastante raro. Só usa quando não fala o que está pensando de verdade. Normalmente, são nos nossos embates saudáveis. Imagino que seja algo muito ruim para ser dito em voz alta, porque ele não é de guardar nada. O homem não hesita em brigar e dizer como gosta que as coisas aconteçam por aqui.— Tem muito mais. Posso ficar o restante do dia aqui falando sobre a sua falta de profissionalismo, mas vou finalizar com os presentinhos que você recebe com mais frequência do que seria apropriado para o ambiente de trabalho. Flores, ursos gigantes, serenatas…— Não é minha culpa! Não é como se eu quem enviasse os presentes. — Mas tem como garantir que eles não sejam entregues aqui, senhorita Santoro, e sim na sua casa. Sua vida pessoal g
Louca.De uma lista longa de adjetivos que podem ser utilizados para descrever Nicole Santoro, esse, com certeza, está no topo. Caralho, não consigo deixar de pensar em como ela sempre consegue me surpreender. Para o bem ou para o mal, consegue.A sorte é que sou rápido para aparar seu corpo mesmo segurando um buquê em uma mão e o maldito cartão em outra. Deixo os objetos no chão mesmo e seguro a mulher minúscula, apoiando as duas mãos nas suas costas e erguendo-a. Solto um xingamento baixo, porque os funcionários começam a cochichar entre si ao presenciarem a cena.Querendo fugir das fofocas, levo Nicole até a minha sala e empurro a porta com o ombro para fechá-la. Coloco a mulher miúda deitada no sofá de couro marrom que tem no canto. Raramente o uso, porque não costumo relaxar muito no escritório, mas pelo menos vai ser útil agora.Cruzo os braços em frente ao corpo, enquanto aguardo sua farsa se encerrar, parando para observar como a maluca é bonita pra caralho. Já tive minha cota
Tento tirar a baixinha da minha cabeça e foco no que faço melhor: trabalho. Trabalho por várias horas, como sempre perdendo o horário de ir embora. Quando saio da empresa, já passa das onze da noite. É impressionante como sempre parece ficar coisa para trás, não importa quanto tempo eu trabalhe. Às vezes, ainda chego em casa e respondo alguns e-mails que chegam durante a noite.Vou até a garagem e encontro meu motorista dormindo dentro do carro, apenas esperando. Bato na janela, e Lionel se ajeita, limpando a baba imaginária do canto da boca. Ele sai do carro e abre a porta de trás para mim, pedindo desculpas com um sorriso sem graça. Não o culpo.Enquanto o homem começa a dirigir em direção à minha casa, respondo algumas mensagens que recebi da minha mãe. Já sei que ela vai me encher de bronca pela demora, porque foi enviada de manhã, mas antes tarde do que nunca. Respondo ao meu irmão caçula também, que me chama mais uma vez para que eu saia com ele. Nunca aceito, nem sei porque Tyl
Furo a fila de pessoas reclamando, evitando que esbarrem em mim, e vejo o segurança me olhar desconfiado.— Para o final da fila, senhor!— Vim buscar meu irmão, ele está dando trabalho aí dentro — minto com facilidade, e ele coça a barba, pensativo. — Sou Valentin Salvatore e posso…— O dono da LDrinks? Por que não falou antes? Eu amo as suas bebidas, cara. Vamos, entre!Surpreso por um cara no meio do nada ter me reconhecido, eu sorrio em agradecimento e entro. Não é como se todo mundo no país me conhecesse por aí. A empresa só tem dez anos, é relativamente nova, tem sua fama, mas não sou famoso. Apareço vez ou outra em capas de revista e em divulgações da marca por aí, apesar de achar uma grande baboseira ter que usar a minha imagem como marketing.Xingo alto quando vejo que o lugar tem mais gente do que imaginei e me meto no meio dos corpos suados, buscando alguma área VIP, porque tenho certeza de que é nela que meu irmão está metido. Descubro que acertei no palpite quando o vejo
Henry se curva para falar alguma coisa no meu ouvido, mas eu me distraio com a visão de Valentin conversando com uma mulher monumental. Ela é da altura dele e está bem perto, falando algo no seu ouvido com um sorriso fácil. E caramba! Ele está sorrindo para ela! Nunca vi esse sorriso antes.Valentin Salvatore está em busca da sua caça, e não sei como me sinto em presenciar uma coisa tão íntima do meu chefe. Eu não deveria ter que ver isso, droga. Pelo visto, o que ele diz para a peituda ruiva a agrada demais porque ela faz questão de esfregar os peitões nele, que não a afasta.— Tudo bem por você? — Henry fala mais alto no meu ouvido, e eu volto à realidade, dando-me conta de que não escutei nadinha do que ele falou.— Desculpe, eu me distraí. — Com meu chefe flertando, completo em pensamento. — Vamos fazer o seguinte. Não estou no meu melhor momento agora, por que não me pega meu número e a gente combina algo depois?Ele não parece muito chateado com a ideia e não demora a tirar o ce
— Achei que estivesse no banheiro — diz, prendendo o riso, e se vira para meu chefe. — Olá, se lembra de mim? Sou Natasha.— Oi, Natasha. Claro que me lembro. Como está? — Ele é um poço de simpatia com minha amiga, conversando amenidades, e vejo como ela cai na lábia dele.Queria que tivesse que conviver com Valentin diariamente para ver se ia ficar sorrindo feito boba assim.— Amorzinho, eu preciso ir. Não queria acabar nossa noite mais cedo, mas Amanda está enjoadinha. Benjamin me ligou agora para dizer que ela não consegue dormir.— Tudo bem, Vamos. Será que não é bom levá-la ao médico?Esqueço-me de Valentin, ainda parado mais perto do que o necessário, preocupada com a minha pequenina. É um ser humano tão frágil que demorei a pegá-la no colo, com medo de quebrar. Sempre me preocupo com qualquer resfriado que ela pega.— Não se preocupe. Você pode ficar, se for o que quer… Está sóbria?— Estou, mas eu vou com você. Não tenho por que ficar aqui.Quando digo isso, olho direto para V