Era notável a intenção da amiga ao ajustar o vestido preto e brilhante, tentando destacar ainda mais o decote. Como se as quase duas horas que passou se arrumando não tivessem sido suficientes. Lola sempre agradecia por cada uma ter seu próprio espaço e quarto, pois, nesse ponto, eram muito diferentes.
Ela era racional, via tudo preto no branco, sem floreios ou ilusões. Sempre dizia a si mesma que, se não houvesse um bom motivo, não valia a pena continuar. Já tinha aprendido essa lição na última vez em que se deixou levar apenas pelo coração e pela emoção. Patrícia, por outro lado, era pura adrenalina, loucamente apaixonada pela vida, pelos riscos e por tudo o que pudesse proporcionar diversão.
Enquanto a observava se arrumar, Ellora já sabia: lá pelas 1h da manhã, a amiga estaria bêbada e aos pés dele, mesmo que o visse com outras mulheres. Era sempre a mesma história.
E ela nem tentaria intervir. Já estava cansada de discutir horas e horas com Patrícia, que ignorava todos os avisos e repetia os mesmos erros.
— Depois, não diz que eu não avisei — disse Ellora, exausta do assunto, ao descer do carro de aplicativo.
Enquanto subiam as escadarias da casa noturna, ela notava que fazia anos que não ia para aquela região. Os nomes na lista de convidados facilitaram a entrada. Já da porta do clube, conseguiu localizar as outras garotas que as esperavam em um espaço mais elevado, acima da pista de dança.
Ela nunca entenderia como Patrícia descobria aqueles lugares, conseguia convites e, ainda por cima, arranjava tempo e disposição. Mas, se o assunto era festa, podiam contar com ela. Boa ou ruim, sempre haverá uma história para contar depois. A amiga fazia questão de transitar por diferentes lugares e conhecer novas pessoas, como se essa fosse sua maior motivação.
As duas que as esperavam eram o total oposto de Ellora e Patrícia: loiras e altas. Andrea e Muriel eram o estereótipo perfeito de mulheres americanas. Mas, ao contrário de muitas outras que as duas estavam acostumadas a lidar no dia a dia, as loiras nunca as olharam torto nem com desconfiança. Desde o primeiro dia em que se conheceram no estúdio, receberam-nas de coração aberto e, no fim, se tornaram grandes amigas.
Já Lola e Patrícia, sem salto, não passavam de 1,65 m de altura. Lola, a menor do grupo. De famílias brasileiras, carregavam a típica beleza latina: pele bronzeada, cabelos escuros e curvas que chamavam atenção. Em muitos aspectos, pareciam-se tanto que até ouviam comentários de que eram irmãs.
As quatro faziam parte de um grupo de dança. Diferente, com uma história e um propósito distintos de qualquer outro espaço que frequentavam. Já participavam há pelo menos cinco anos. Para Lola, aquilo era como terapia: dançar e fazer parte de uma comunidade exclusivamente feminina. O projeto incentivava cada mulher a se descobrir e reconhecer sua potência. O lugar tinha uma energia única, e ela jamais deixaria de frequentá-lo. Lá, conheceu pessoas maravilhosas e todos os tipos de mulheres e corpos se reuniam com um único objetivo: explorar todas as formas de expressão. Entre danças, rodas de conversa, exercícios em grupo e até projetos individuais, essa última parte era a que mais a encantava.
À primeira vista, o clima do clube parecia promissor. Finalmente, Patrícia havia acertado em algo. O ambiente era animado e, enquanto o garçom distribuía as primeiras doses que as amigas pediram, o calor do álcool descia pela garganta e aquecia o peito. Lola fechou os olhos, tentando afastar o gosto forte da língua.
Antes de qualquer coisa, deu uma boa olhada ao redor, procurando um rosto familiar. Como raramente frequentava aquela parte da cidade, era óbvio que não reconhecia ninguém. A iluminação não ajudava muito, com alguns cantos propositalmente escuros, como as áreas reservadas parecidas com camarotes.
O espaço delas ficava em um nível mais alto, sendo preciso subir alguns degraus até a mesa, onde as loiras já estavam. De lá, tinha uma visão privilegiada da pista de dança e do camarote no andar superior, ao lado oposto delas.
A casa estava lotada, a música alta, e o ambiente fervilhava de gente – como era de se esperar. Ela se sentiu aliviada por escolher um vestido azul leve, com um tecido que lembrava veludo e um belo decote nas costas. Perto da meia-noite, aquele lugar se tornaria um forno, mas, pelo menos, ela não sofreria tanto.
Já de olho no bar, decidiu pedir uma garrafa de água. Sabia que as garotas podiam ser impulsivas, e não estava disposta a perder o controle naquela noite. Muito menos a arriscar acabar bêbada e sozinha, como já imaginava que aconteceria.
No caminho de volta à mesa, notou de longe um grupo reunido em uma área reservada do clube – o tal camarote no andar inferior. Em sua maioria, homens vestidos formais demais para a noite. Executivos, talvez? Provavelmente alguma comemoração. E, com certeza, o tipo de gente de quem manteria as amigas afastadas.
Principalmente o rapaz mais alto.
Seus cabelos loiros estavam perfeitamente alinhados. Ela não fazia ideia de quem ele era, mas os olhos claros se destacavam, assim como o sorriso – o mais irresistível que já tinha visto. Quando ele se virou em sua direção, seus olhares se cruzaram, entendeu que ele também havia notado.
Lola balançou a cabeça, afastando a sensação estranha que remexia em seu estômago. Pegou a garrafa gelada e respirou fundo.
Ela ia curtir a noite com as amigas.
Aquele não era o objetivo.
Não ele.
Depois de mais dois drinks, tudo estava um pouco fora de controle. Como esperado, Lola já tinha perdido uma das amigas de vista na pista de dança. Andrea sempre era a mais ávida em encontrar um par para a noite. Não demorou muito para Lola avistá-la alguns degraus acima, agarrada a um homem alto, de pele escura e completamente careca. O tipo dela. De onde estava, e pelo jeito como se agarravam, era difícil diferenciar quem era quem — pareciam uma coisa só.Lola, por outro lado, não estava interessada nessas aventuras momentâneas. Desviou o olhar, deixando as amigas à vontade para se divertir enquanto se mantinha o mais sóbrio possível. Só queria voltar à mesa após se livrar dos caras inconvenientes que cruzavam seu caminho. Aquele não era o tipo de lugar que frequentava para conhecer alguém.— Menos uma. Quem é a próxima? — apontou para as duas amigas à sua frente, que já tinham pedido outra rodada e viravam mais duas doses com entusiasmo.Seria uma longa noite.Entre idas e vindas at
Era naquele momento que ela esquecia do mundo, ouvindo suas músicas preferidas e dançando livre, sem se importar com quem estava ao redor. Ainda mais quando se juntava à amiga, que compartilhava o mesmo sentimento, e as duas moviam-se em perfeita sincronia, como se fossem uma só. O calor abafado do ambiente as envolvia, e os rostos desconhecidos ao redor se transformavam em borrões. A cada batida da música, sentia o corpo vibrar, como se fosse parte da melodia. A pele queimava e, quanto mais tempo passava ali, mais ela se entregava àquela sensação única de liberdade. Mas quando se virou para abraçar a amiga, ainda empolgada, já desistiu.Naquele instante, apenas as costas de Patrícia e o rosto familiar que não queria ver – Mauro. Ele estava ali, mais uma vez, a abraçando e beijando como se nada tivesse acontecido. No fundo, ela sabia que era apenas questão de tempo até que os dois se encontrassem de novo e começassem a mesma história. Até que demorou para acontecer.Ellora franziu o c
— Grego? – A pergunta dele parecia genuína, fazendo Lola rir enquanto o olhava.Como sempre, alguém perguntaria de onde vinha aquele nome. E, obviamente, ela não parecia uma pessoa de ascendência grega.— Hebraico ou celta, até hoje não sei. – Ela abriu um sorriso, fazendo eco de sua resposta.O que realmente chamava mais a atenção eram os olhos dele, que alternavam entre verdes e castanhos. Com a pouca luz, era difícil identificar, mas a gentileza no olhar quando ele sorria para ela era clara. Os cantos dos olhos se apertavam um pouco ao sorrir, e ele se inclinava para ouvir melhor, respondendo-lhe com suavidade, antes de retornar à pergunta anterior.— Mas, de qualquer forma, mesmo que soubesse dançar, não danço com desconhecidos. Não assim. Valeu pela intenção. – A atenção de Lola se voltava para a garrafa recém-aberta e gelada. Estava quente demais, e a presença dele parecia intensificar o calor. Ele não desistia e, mais uma vez, chamava sua atenção.— Uma pena, adoraria umas auli
Ellora o observava em silêncio, impressionada como ele se destacava de todos os homens que já havia conhecido, especialmente em um ambiente como aquele. Inteligente, educado e sempre mantendo os limites nas conversas, Max surpreendia ao fazer comentários sutis sobre as pessoas ao redor, arrancando dela mais de um sorriso genuíno. Quando tocava, ainda que por acidente, era sempre em um braço ou no joelho dela, e, por mais que fosse um gesto simples, parecia ser o suficiente para ela sentir uma conexão mais forte.Max também estava intrigado com a proximidade dela, principalmente a suavidade de sua pele que parecia tentadora, mesmo sob a luz baixa. Sua mente vagava, imaginando deslizar os dedos sobre ela, sem pressa, por longos minutos, só para ver como ela reagiria.O sotaque dele a fascinava, mas o que a deixava ainda mais cativada era como ele sorria, especialmente quando ambos começavam a complementar as falas um do outro com uma sintonia natural. Cada risada dele era um convite a m
Mais uma vez, Ellora concordava com o que Max falava. Parecia que ela já começava a entender o suficiente para seguir a conversa, mas não queria parecer mal-educada. Então, decidiu ficar um pouco mais, tentando prolongar o diálogo.Precisava apenas mudar de assunto.A primeira coisa que queria saber era que tipo de aventura Max teria vivido, caso tivesse ficado com seus amigos em vez de vir até ela.— No mínimo, minha bela Lola estaria com a gravata na cabeça e tentando escapar de alguma moça muito bêbada. – Max refletia, tentando parecer sério, mas com um sorriso contido, difícil de esconder.— Como se você não gostasse… Eu vi as loiras mais cedo. – Ellora não fazia questão de esconder o que pensava.— Se eu te dissesse que não sou esse tipo de homem, você se surpreenderia? – Max a olhava, os dois compartilhando um segundo de silêncio carregado de tensão. Era uma tensão boa, uma mistura de curiosidade e o desejo de descobrir mais um do outro.
Ellora, embora mais baixa, conseguia atrair a atenção de todos ao seu redor. Mesmo de salto, ela ganhava alguns centímetros, mas sua postura impecável era o que realmente chamava a atenção. Naquela luz clara, Max conseguia perceber os detalhes mais sutis. O vestido curto, de um brilho suave, parecia chamar os olhares, e seus olhos escuros, em formato amendoado e com um leve puxado no canto, eram intensos. Seus lábios carnudos, pintados de vermelho vibrante, se destacavam ainda mais quando ela sorria. O rosto delicado, com um queixo fino e um olhar curioso e astuto, completava a imagem. Mesmo maquiada, Max conseguia perceber um conjunto de pintas na bochecha esquerda e perto do queixo. Pequenas e claras, elas davam um charme a mais, espalhando-se pela pele exposta pelo vestido. Ele estava, de alguma forma, enfeitiçado.Max, tentando manter a naturalidade, sugeriu:– Ou podemos sentar ali. – Aponto
— Me fala da sua família, tem irmãos? Mora com quem em Londres? – Ellora falava devagar, observando cada detalhe do rosto dele. Com um sorriso, Max conseguia prender totalmente a atenção dela, e os dois dividiam a última parte do chocolate. — Você deve ter feito faculdade, não fez?Poderia parecer uma conversa simples, mas o jeito como os dois se comportavam era diferente. O modo como se conectaram a deixava empolgada. Ainda estavam os dois de pé, encostados na grade que cercava a loja, como se precisassem ficar mais próximos um do outro, e, às vezes, até se tocavam enquanto conversavam.— Devo tratar o que está acontecendo aqui? Um primeiro encontro? – Max a olhava com curiosidade, e o cabelo escuro, que emoldurava seu rosto, parecia uma obra de arte.Antes de responder, Ellora fechava os olhos, pensando por um segundo. Nem ela sabia como chamar o que estava acontecendo entre eles. Mas, em falta de adjetivos melhores, concordou.— Acho que sim. Você me convidou, então… – Ela falava d
Nenhum dos dois percebeu que, mais uma vez, estavam de mãos dadas. Ellora se lembrava de tê-la segurado quando falava sobre o pai, mas não sabia ao certo quando largara. Seus dedos entrelaçados acariciavam a pele um do outro, e, com o corpo mais perto de Max, não eram só as mãos em contato. Ao olhar para as unhas pintadas e arredondadas, Ellora notou o quanto suas mãos eram pequenas perto das dele. A tatuagem discreta no indicador de sua mão direita se destacava. — Uma verdadeira família de brasileiros, então? – Max perguntou. Ellora sorriu orgulhosa, concordando. — Agora entendi tudo. Isso faz sentido. Toda essa energia, esse jeito… Você é linda, tem algo bem diferente em você… – Ele não sabia como expressar aquilo sem parecer piegas ou um pouco conquistador, mas o sentimento estava ali, claro. Eles se encararam por um momento, tentando entender a linha de raciocínio um do outro. — Desculpe, isso foi totalmente sem sentido, né? – Max se atrapalhou, ficando um pouco sem graça.