Capítulo 2

Era notável a intenção da amiga ao ajustar o vestido preto e brilhante, tentando destacar ainda mais o decote. Como se as quase duas horas que passou se arrumando não tivessem sido suficientes. Lola sempre agradecia por cada uma ter seu próprio espaço e quarto, pois, nesse ponto, eram muito diferentes. 

Ela era racional, via tudo preto no branco, sem floreios ou ilusões. Sempre dizia a si mesma que, se não houvesse um bom motivo, não valia a pena continuar. Já tinha aprendido essa lição na última vez em que se deixou levar apenas pelo coração e pela emoção. Patrícia, por outro lado, era pura adrenalina, loucamente apaixonada pela vida, pelos riscos e por tudo o que pudesse proporcionar diversão. 

Enquanto a observava se arrumar, Ellora já sabia: lá pelas 1h da manhã, a amiga estaria bêbada e aos pés dele, mesmo que o visse com outras mulheres. Era sempre a mesma história. 

E ela nem tentaria intervir. Já estava cansada de discutir horas e horas com Patrícia, que ignorava todos os avisos e repetia os mesmos erros. 

— Depois, não diz que eu não avisei — disse Ellora, exausta do assunto, ao descer do carro de aplicativo. 

Enquanto subiam as escadarias da casa noturna, ela notava que fazia anos que não ia para aquela região. Os nomes na lista de convidados facilitaram a entrada. Já da porta do clube, conseguiu localizar as outras garotas que as esperavam em um espaço mais elevado, acima da pista de dança. 

Ela nunca entenderia como Patrícia descobria aqueles lugares, conseguia convites e, ainda por cima, arranjava tempo e disposição. Mas, se o assunto era festa, podiam contar com ela. Boa ou ruim, sempre haverá uma história para contar depois. A amiga fazia questão de transitar por diferentes lugares e conhecer novas pessoas, como se essa fosse sua maior motivação. 

As duas que as esperavam eram o total oposto de Ellora e Patrícia: loiras e altas. Andrea e Muriel eram o estereótipo perfeito de mulheres americanas. Mas, ao contrário de muitas outras que as duas estavam acostumadas a lidar no dia a dia, as loiras nunca as olharam torto nem com desconfiança. Desde o primeiro dia em que se conheceram no estúdio, receberam-nas de coração aberto e, no fim, se tornaram grandes amigas. 

Já Lola e Patrícia, sem salto, não passavam de 1,65 m de altura. Lola, a menor do grupo. De famílias brasileiras, carregavam a típica beleza latina: pele bronzeada, cabelos escuros e curvas que chamavam atenção. Em muitos aspectos, pareciam-se tanto que até ouviam comentários de que eram irmãs. 

As quatro faziam parte de um grupo de dança. Diferente, com uma história e um propósito distintos de qualquer outro espaço que frequentavam. Já participavam há pelo menos cinco anos. Para Lola, aquilo era como terapia: dançar e fazer parte de uma comunidade exclusivamente feminina. O projeto incentivava cada mulher a se descobrir e reconhecer sua potência. O lugar tinha uma energia única, e ela jamais deixaria de frequentá-lo. Lá, conheceu pessoas maravilhosas e todos os tipos de mulheres e corpos se reuniam com um único objetivo: explorar todas as formas de expressão. Entre danças, rodas de conversa, exercícios em grupo e até projetos individuais, essa última parte era a que mais a encantava. 

À primeira vista, o clima do clube parecia promissor. Finalmente, Patrícia havia acertado em algo. O ambiente era animado e, enquanto o garçom distribuía as primeiras doses que as amigas pediram, o calor do álcool descia pela garganta e aquecia o peito. Lola fechou os olhos, tentando afastar o gosto forte da língua. 

Antes de qualquer coisa, deu uma boa olhada ao redor, procurando um rosto familiar. Como raramente frequentava aquela parte da cidade, era óbvio que não reconhecia ninguém. A iluminação não ajudava muito, com alguns cantos propositalmente escuros, como as áreas reservadas parecidas com camarotes. 

O espaço delas ficava em um nível mais alto, sendo preciso subir alguns degraus até a mesa, onde as loiras já estavam. De lá, tinha uma visão privilegiada da pista de dança e do camarote no andar superior, ao lado oposto delas. 

A casa estava lotada, a música alta, e o ambiente fervilhava de gente – como era de se esperar. Ela se sentiu aliviada por escolher um vestido azul leve, com um tecido que lembrava veludo e um belo decote nas costas. Perto da meia-noite, aquele lugar se tornaria um forno, mas, pelo menos, ela não sofreria tanto. 

Já de olho no bar, decidiu pedir uma garrafa de água. Sabia que as garotas podiam ser impulsivas, e não estava disposta a perder o controle naquela noite. Muito menos a arriscar acabar bêbada e sozinha, como já imaginava que aconteceria. 

No caminho de volta à mesa, notou de longe um grupo reunido em uma área reservada do clube – o tal camarote no andar inferior. Em sua maioria, homens vestidos formais demais para a noite. Executivos, talvez? Provavelmente alguma comemoração. E, com certeza, o tipo de gente de quem manteria as amigas afastadas. 

Principalmente o rapaz mais alto. 

Seus cabelos loiros estavam perfeitamente alinhados. Ela não fazia ideia de quem ele era, mas os olhos claros se destacavam, assim como o sorriso –  o mais irresistível que já tinha visto. Quando ele se virou em sua direção, seus olhares se cruzaram, entendeu que ele também havia notado. 

Lola balançou a cabeça, afastando a sensação estranha que remexia em seu estômago. Pegou a garrafa gelada e respirou fundo. 

Ela ia curtir a noite com as amigas. 

Aquele não era o objetivo. 

Não ele. 

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