É só uma festa, você merece. Se arrume, fique lindíssima, use aquele vestido azul que tanto ama. Beba alguns drinks, dance e ria com suas amigas.
Era o que Ellora dizia para si enquanto terminava o banho. Apesar de estar exausta mentalmente depois da longa semana de projetos e testes-piloto de implantações que assumira nos últimos meses, esforçava-se para se animar e não desistir de última hora. Entre tantas responsabilidades, ainda era a única pessoa que deveria executar, mas almejava aquela promoção tão prometida pelo diretor. Então, tinha que encarar o desafio até o fim.
Mesmo que sua vontade fosse vestir um pijama confortável e acompanhar a noite com uma panela de brigadeiro, ela iria sair. Havia prometido às amigas que se divertiria, não reclamaria e nem pensaria em trabalho. O melhor salto já estava separado, dançaria todas as músicas que quisesse e até paqueraria um cara bonito que chamasse sua atenção. Apenas por diversão, nada sério. Só por aquela noite, não precisava pensar como uma mulher adulta cheia de responsabilidades. Poderia se divertir, ser ela mesma. E iria.
As noites de sexta-feira em junho, em San Diego, eram sempre animadas. As casas noturnas estavam sempre lotadas, borbulhando de jovens em busca de diversão. Cidade praiana com alma universitária, as temperaturas quentes do verão tornavam quase irresistível o desejo de sair de casa. Já eram quase dez da noite quando, enfim, saía de casa em um carro de aplicativo rumo à festa escolhida. Mesmo não conhecendo o lugar, Ellora tentava se manter empolgada e curiosa o caminho todo, apesar de saber que Patrícia, sua amiga que a arrastava, era conhecida por levá-la a lugares que, 90% das vezes, eram verdadeiras furadas ou não tinham o clima de que realmente gostava. Não se encaixava.
Na maioria das vezes, preferia um restaurante, uma cafeteria ou até um dia na praia. Nada que exigisse interação excessiva. Odiava aquela briga de egos ou a disputa por atenção. Criou o hábito de se isolar, tornando sua própria companhia suficiente. Mas, no final, sempre dava um voto de confiança à amiga. Conheciam-se há mais de quinze anos e dividiam o apartamento. Desde o ginásio até os últimos semestres da faculdade, não tinham vidas separadas. Eram tão próximas que, até na hora de escolher onde estudar, o critério principal era que pudessem ir juntas. E assim fizeram. A partir de então, separar as duas era quase impossível.
Nos últimos meses, no entanto, Ellora vinha pensando na possibilidade de morar sozinha. Ter sua própria rotina, liberdade e espaço. Não que Patrícia fosse um peso ou motivo da mudança, mas naquele momento precisava de algo novo, algo que agitasse sua vida. Talvez viver sozinha ajudasse.
Aos 28 anos, era bem-sucedida no trabalho. Gerente de projetos em uma grande empresa de tecnologia, era responsável por todas as unidades da Costa Oeste. Consideravam-na um prodígio pelos cinco anos na companhia e pelas mudanças e lucros inimagináveis que seu planejamento e trabalho haviam proporcionado. Poderia se virar sozinha, comprar um bom lugar para morar e ter uma vida confortável. Ora, se gerenciava uma equipe gigantesca, também poderia gerenciar sua própria vida sem precisar do apoio emocional de alguém.
Ainda a caminho da casa noturna, não conseguia tirar da cabeça o apartamento que havia encontrado. Recém-entregue, pronto para morar, só precisava de alguns detalhes para ter a sua cara. Era perfeito: perto do centro, próximo ao trabalho, com um belo parque para suas corridas matinais e uma vizinhança tranquila. Sonhava com isso há semanas e estava agitada com a possibilidade. A proposta havia sido feita duas semanas antes, e agora só aguardava a confirmação dos corretores. Mantinha tudo em segredo.
Mas sempre prorrogava o plano pela amiga. Não queria deixá-la sozinha. Das duas, sempre fora a superprotetora. Herdara esse traço da mãe: queria manter a amiga sob suas asas. Só quando tivesse a documentação em mãos, se prepararia para contar que ia se mudar. Precisava criar seu próprio caminho e espaço. Não tinha mais por que adiar.
— A gente vai se divertir muito hoje! — anunciou Patrícia, tirando-a de seus pensamentos.
— Espero que, dessa vez, você tenha acertado. Porque a última… — Ellora revirou os olhos, frustrada. Por mais eclética que fosse, passar a noite em um bar de música country não era sua ideia de diversão. Principalmente por conta das brigas sem sentido que aconteceram naquela noite.
No mesmo instante, Patrícia puxava o celular para mostrar algumas notificações. Mas o que Ellora viu em seguida fez sua expressão endurecer: o ex-namorado da amiga estava no mesmo local para onde estavam indo. Patrícia tentou passar rápido pelos stories, mas não foi rápida o suficiente.
— Ele está lá? — Lola, como era chamada pela amiga, tomou o celular de suas mãos.
Patrícia não teve chance de esconder. Sabia que Ellora ficaria irritada com a ideia de encontrá-lo. Aquele cara brincava com seus sentimentos, fazia dela um capacho. E, mesmo assim, ela sempre voltava para ele, nem que fosse por uma noite. Por mais que tentasse colocar juízo na cabeça da amiga, Patrícia sempre o aceitava de volta.
— Nem pensar. Vamos voltar para casa agora. — O humor de Ellora mudou instantaneamente. Sua respiração pesada deixava claro que estava cansada desse assunto.
— Eu não vou atrás dele, Lolo. – Patrícia usava o apelido de infância, como sempre fazia quando não queria brigar. — Essa noite é para as garotas.
Ellora bufou, sem acreditar.
— Você acha que me engana, mas eu sei como isso vai terminar…
Mas já estavam lá. E, independentemente do desfecho, Ellora iria aproveitar sua noite.
Era notável a intenção da amiga ao ajustar o vestido preto e brilhante, tentando destacar ainda mais o decote. Como se as quase duas horas que passou se arrumando não tivessem sido suficientes. Lola sempre agradecia por cada uma ter seu próprio espaço e quarto, pois, nesse ponto, eram muito diferentes. Ela era racional, via tudo preto no branco, sem floreios ou ilusões. Sempre dizia a si mesma que, se não houvesse um bom motivo, não valia a pena continuar. Já tinha aprendido essa lição na última vez em que se deixou levar apenas pelo coração e pela emoção. Patrícia, por outro lado, era pura adrenalina, loucamente apaixonada pela vida, pelos riscos e por tudo o que pudesse proporcionar diversão. Enquanto a observava se arrumar, Ellora já sabia: lá pelas 1h da manhã, a amiga estaria bêbada e aos pés dele, mesmo que o visse com outras mulheres. Era sempre a mesma história. E ela nem tentaria intervir. Já estava cansada de discutir horas e horas com Patrícia, que ignorava todos os avis
Depois de mais dois drinks, tudo estava um pouco fora de controle. Como esperado, Lola já tinha perdido uma das amigas de vista na pista de dança. Andrea sempre era a mais ávida em encontrar um par para a noite. Não demorou muito para Lola avistá-la alguns degraus acima, agarrada a um homem alto, de pele escura e completamente careca. O tipo dela. De onde estava, e pelo jeito como se agarravam, era difícil diferenciar quem era quem — pareciam uma coisa só.Lola, por outro lado, não estava interessada nessas aventuras momentâneas. Desviou o olhar, deixando as amigas à vontade para se divertir enquanto se mantinha o mais sóbrio possível. Só queria voltar à mesa após se livrar dos caras inconvenientes que cruzavam seu caminho. Aquele não era o tipo de lugar que frequentava para conhecer alguém.— Menos uma. Quem é a próxima? — apontou para as duas amigas à sua frente, que já tinham pedido outra rodada e viravam mais duas doses com entusiasmo.Seria uma longa noite.Entre idas e vindas at
Era naquele momento que ela esquecia do mundo, ouvindo suas músicas preferidas e dançando livre, sem se importar com quem estava ao redor. Ainda mais quando se juntava à amiga, que compartilhava o mesmo sentimento, e as duas moviam-se em perfeita sincronia, como se fossem uma só. O calor abafado do ambiente as envolvia, e os rostos desconhecidos ao redor se transformavam em borrões. A cada batida da música, sentia o corpo vibrar, como se fosse parte da melodia. A pele queimava e, quanto mais tempo passava ali, mais ela se entregava àquela sensação única de liberdade. Mas quando se virou para abraçar a amiga, ainda empolgada, já desistiu.Naquele instante, apenas as costas de Patrícia e o rosto familiar que não queria ver – Mauro. Ele estava ali, mais uma vez, a abraçando e beijando como se nada tivesse acontecido. No fundo, ela sabia que era apenas questão de tempo até que os dois se encontrassem de novo e começassem a mesma história. Até que demorou para acontecer.Ellora franziu o c
— Grego? – A pergunta dele parecia genuína, fazendo Lola rir enquanto o olhava.Como sempre, alguém perguntaria de onde vinha aquele nome. E, obviamente, ela não parecia uma pessoa de ascendência grega.— Hebraico ou celta, até hoje não sei. – Ela abriu um sorriso, fazendo eco de sua resposta.O que realmente chamava mais a atenção eram os olhos dele, que alternavam entre verdes e castanhos. Com a pouca luz, era difícil identificar, mas a gentileza no olhar quando ele sorria para ela era clara. Os cantos dos olhos se apertavam um pouco ao sorrir, e ele se inclinava para ouvir melhor, respondendo-lhe com suavidade, antes de retornar à pergunta anterior.— Mas, de qualquer forma, mesmo que soubesse dançar, não danço com desconhecidos. Não assim. Valeu pela intenção. – A atenção de Lola se voltava para a garrafa recém-aberta e gelada. Estava quente demais, e a presença dele parecia intensificar o calor. Ele não desistia e, mais uma vez, chamava sua atenção.— Uma pena, adoraria umas auli
Ellora o observava em silêncio, impressionada como ele se destacava de todos os homens que já havia conhecido, especialmente em um ambiente como aquele. Inteligente, educado e sempre mantendo os limites nas conversas, Max surpreendia ao fazer comentários sutis sobre as pessoas ao redor, arrancando dela mais de um sorriso genuíno. Quando tocava, ainda que por acidente, era sempre em um braço ou no joelho dela, e, por mais que fosse um gesto simples, parecia ser o suficiente para ela sentir uma conexão mais forte.Max também estava intrigado com a proximidade dela, principalmente a suavidade de sua pele que parecia tentadora, mesmo sob a luz baixa. Sua mente vagava, imaginando deslizar os dedos sobre ela, sem pressa, por longos minutos, só para ver como ela reagiria.O sotaque dele a fascinava, mas o que a deixava ainda mais cativada era como ele sorria, especialmente quando ambos começavam a complementar as falas um do outro com uma sintonia natural. Cada risada dele era um convite a m
Mais uma vez, Ellora concordava com o que Max falava. Parecia que ela já começava a entender o suficiente para seguir a conversa, mas não queria parecer mal-educada. Então, decidiu ficar um pouco mais, tentando prolongar o diálogo.Precisava apenas mudar de assunto.A primeira coisa que queria saber era que tipo de aventura Max teria vivido, caso tivesse ficado com seus amigos em vez de vir até ela.— No mínimo, minha bela Lola estaria com a gravata na cabeça e tentando escapar de alguma moça muito bêbada. – Max refletia, tentando parecer sério, mas com um sorriso contido, difícil de esconder.— Como se você não gostasse… Eu vi as loiras mais cedo. – Ellora não fazia questão de esconder o que pensava.— Se eu te dissesse que não sou esse tipo de homem, você se surpreenderia? – Max a olhava, os dois compartilhando um segundo de silêncio carregado de tensão. Era uma tensão boa, uma mistura de curiosidade e o desejo de descobrir mais um do outro.
Ellora, embora mais baixa, conseguia atrair a atenção de todos ao seu redor. Mesmo de salto, ela ganhava alguns centímetros, mas sua postura impecável era o que realmente chamava a atenção. Naquela luz clara, Max conseguia perceber os detalhes mais sutis. O vestido curto, de um brilho suave, parecia chamar os olhares, e seus olhos escuros, em formato amendoado e com um leve puxado no canto, eram intensos. Seus lábios carnudos, pintados de vermelho vibrante, se destacavam ainda mais quando ela sorria. O rosto delicado, com um queixo fino e um olhar curioso e astuto, completava a imagem. Mesmo maquiada, Max conseguia perceber um conjunto de pintas na bochecha esquerda e perto do queixo. Pequenas e claras, elas davam um charme a mais, espalhando-se pela pele exposta pelo vestido. Ele estava, de alguma forma, enfeitiçado.Max, tentando manter a naturalidade, sugeriu:– Ou podemos sentar ali. – Aponto
— Me fala da sua família, tem irmãos? Mora com quem em Londres? – Ellora falava devagar, observando cada detalhe do rosto dele. Com um sorriso, Max conseguia prender totalmente a atenção dela, e os dois dividiam a última parte do chocolate. — Você deve ter feito faculdade, não fez?Poderia parecer uma conversa simples, mas o jeito como os dois se comportavam era diferente. O modo como se conectaram a deixava empolgada. Ainda estavam os dois de pé, encostados na grade que cercava a loja, como se precisassem ficar mais próximos um do outro, e, às vezes, até se tocavam enquanto conversavam.— Devo tratar o que está acontecendo aqui? Um primeiro encontro? – Max a olhava com curiosidade, e o cabelo escuro, que emoldurava seu rosto, parecia uma obra de arte.Antes de responder, Ellora fechava os olhos, pensando por um segundo. Nem ela sabia como chamar o que estava acontecendo entre eles. Mas, em falta de adjetivos melhores, concordou.— Acho que sim. Você me convidou, então… – Ela falava d