— Paolo, você é o herdeiro do nosso clã e não pode ficar trancado para sempre dentro desta casa. — Stefano falou com o sobrinho. — Precisa casar e fazer alianças. Temos que expandir os negócios da nossa família.
— Não vou a lugar algum, tio. — O jovem robusto, com traços marcantes, passou os dedos pelas veias que saltavam nas têmporas e, em seguida, enterrou nos cabelos e jogou os fios lisos para trás.
— Preparei uma surpresa para você! — Stefano revelou, tentando ludibriar o sobrinho. — Você não pode faltar à sua festa.
— Tenho muita coisa para resolver, tio…
— Mas é o seu aniversário.
— É só mais uma data como outra qualquer. — Ao rebater, Paolo cerrou o punho sobre a mesa.
Naquele mesmo dia, fazia um ano que a mãe dele faleceu. A mente dele ia e voltava para o dia em que escutou a última canção que a mãe reproduziu no piano. Cada nota da missa fúnebre de Réquiem em ré menor ainda ressoava em sua mente.
— O seu pai não está na cidade, e querendo ou não, você terá que ir ao evento conhecer a região que dominamos.
Stefano cuidava dos homens e gerenciava os locais em que dominava. Já Francesco, pai de Paolo, sempre administrou a parte burocrática da organização. Estava sempre em reuniões importantes ou participando de jantares para manter a aliança com pessoas poderosas. Embora o clã fosse mais poderoso e sanguinário da região de Bari, os dois sempre divergiam, não havia um meio-termo entre os irmãos Morano.
_______________
Paolo e Stefano seguiam no carro a caminho de Bari, uma cidade portuária no Mar Adriático e capital da região da Apúlia. Através da janela, Paolo vislumbrou as pizzarias, lojas e empresas nas ruas sinuosas e então bufou.
— Anime-se, você vai se divertir… — buscando animar o sobrinho, Stefano comentou com entusiasmo.
— Vou ficar lá por uma hora. — Aborrecido, ele murmurou.
— Você vai gostar do lugar. — Stefano deu um tapa leve nas costas do sobrinho. — Tem muitas garotas, você pode escolher uma ou até mesmo duas, se é que você me entende.
Mesmo relutante, Paolo reconheceu que estava ali para cuidar dos negócios da família. Estava decidido a trocar palavras com alguns dos aliados e depois voltar para casa.
Assim que estacionou o Porsche preto, Stefano abriu a porta e Paolo fez o mesmo. Quando saiu, ajustou as mãos nos bolsos do casaco enquanto observava o tio dar ordens a um grupo de homens.
Ao entrarem no prédio, ambos foram até o saguão, onde tinha um enorme lustre dourado acima das mesas onde alguns convidados bebiam e conversavam. A cada passo que dava a caminho da mesa, ele escutava o som do piano e da voz suave cantarolando a canção “Ti amo” de Umberto Tozzi. Foi naquele instante que Paolo fixou os olhos no palco e sentiu-se atraído pela jovem de olhar cintilante como esmeraldas. Alheia ao olhar faminto, Luísa Rossini tocava o piano e cantava com intensidade.
Os seus cabelos eram escuros como petróleo e reluziam com a luz que pendia acima dela. A melancolia em seu semblante era visível, era como se ela carregasse o peso de um coração partido.
Paolo sentou-se à mesa sem tirar os olhos dela. Cada nota que Luísa tocava naquele piano parecia conectar-se diretamente a ele.
— Quer alguma coisa? — Ao perguntar, uma mulher loira interrompeu seus devaneios.
— Vinho tinto. — pediu Paolo, sem hesitar, e logo emendou: — Qual o nome da pianista?
A garçonete lançou um olhar rápido para o palco.
— A Luísa faz apresentações para entreter os clientes, mas não costuma servir aos homens, entende?
Intrigado, Paolo apenas sorriu. A ideia de que Luísa poderia ser exclusivamente dele parecia tentadora. Ajustando-se na cadeira, continuou admirando-a. Quando seus olhares finalmente se cruzaram, ele sentiu algo que jamais experimentou. Ela mantinha a conexão enquanto entoava cada palavra da canção, como se cantasse diretamente para ele.
🎶 “In fondo un uomo che non ha freddo nel cuore” (No fundo, um homem que não tem um coração frio).
“Nel letto comando io” (E na cama, eu que mando).🎶O vinho foi servido por uma das garotas que circulavam pelo local.
— Meu nome é Fiorella. — Inclinando-se para mais perto de Paolo, ela sussurrou ao pé de seu ouvido. — Se precisar de algo, é só chamar.
— Grazie, isso é tudo! — Dispensou-a com um aceno.
Fiorella olhou na direção para a qual ele olhava. A sua meia-irmã sempre roubava atenção, não só por sua formosura, mas pela maneira como parecia encantar a todos quando estava naquele palco tocando o piano.
Paolo estava perdido em seus próprios pensamentos, enquanto a pianista continuava a tocar e cantarolar. Todavia, Luísa quebrou a conexão quando encerrou a música, levantou e desapareceu por uma porta nos bastidores. Ele tentou segui-la com o olhar, mas Stefano o interrompeu.
— Cadê as garotas novas? — gritou o tio, impaciente.
Fiorella jogou os cabelos loiros para trás e subiu ao palco com outras garotas, mas Luísa não retornou.
— Escolha, Paolo! — Stefano insistiu.
— Onde está a pianista? — perguntou ele, quase sussurrando.
— Prefere ouvir música ao invés de se fartar com essas lindas garotas? — O tio zombou.
— Quero a pianista — respondeu com firmeza, encarando o tio.
A anfitriã conversou rapidamente com um dos seguranças, que, rapidamente, trouxe Luísa pelo braço. A jovem parecia apavorada, com os olhos marejados.
— Eu só vim aqui para tocar piano e cantar para os convidados… — A voz embargada de Luísa alegou.
— Não é você quem decide isso! — Stefano a advertiu. — Quer mesmo passar a noite com essa garota? — perguntou Stefano, dirigindo-se ao sobrinho. — Ela não parece ser boa de cama.
— Ótimo! — Decidido, Paolo exclamou.
A garota estagnou no lugar. O olhar de Luísa refletia pavor.
— Vá com ele, Luísa! — A anfitriã do bordel ordenou.
— Não foi isso que combinamos! — protestou ela, mas a sua voz falhou ao perceber a gravidade da situação.
— Paolo é um Morano. Quer mesmo discutir com o herdeiro de um dos clãs da Sagrada Coroa Unida? — retrucou a anfitriã, com tom ameaçador.
Assustada, Luísa encolheu os ombros.
— Use a pianista como quiser. Será o seu presente de aniversário. — Stefano reforçou. — Depois que estiver satisfeito, será a minha vez. Capisci?
Franzindo o cenho, Paolo estreitou o olhar, mas não respondeu. Ao invés de concordar com o tio, segurou na mão de Luísa.
— Venha comigo, ragazza! — Levou a pianista para longe dali.
Luísa caminhava cabisbaixa, observando o piso de madeira lustrosa que refletia as luzes amareladas do lustre. O quarto, decorado com sofisticação, exalava um ar de exclusividade. No centro, um balde de gelo com champanhe sobre uma mesa de canto chamava sua atenção. Ela se deteve por um instante, mas o som da porta fechada com firmeza a fez estremecer.— Quer beber para relaxar? — A voz rouca de Paolo ressoou pelo ambiente.De costas para ele, Luísa meneou a cabeça negativamente. Ela usava um vestido azul de comprimento modesto, coberto por um casaco branco desgastado que parecia destoar do brilho e da elegância ao seu redor.Os passos eram abafados pelo tapete espesso no instante em que ele se aproximou devagar. Paolo se aproximou de suas costas, afastou suas mechas pretas e sedosas e, então, os lábios dele tocaram em seu pescoço. Luisa permaneceu imóvel, rígida, mas ele a puxou para mais perto, suspirando contra a sua nuca até ouvir um choramingo escapar de seus lábios.— Por favor,
Cinco anos depois…Certa manhã, uma rajada repentina de vento derrubou algumas folhas e arrastou-as pela calçada na frente de uma modesta casa localizada num dos bairros mais perigosos devido à presença de criminalidade na Zona Oeste de Bari.Luísa cerrou os olhos, sentindo a brisa entrando pela janela, enquanto via as cores das notas musicais de uma canção que costumava tocar. Ela tinha algo chamado sinestesia — uma condição que fundia os seus sentidos e se misturavam automaticamente. — Ela continuava absorta na canção que ressoava em sua mente quando o celular vibrou em sua mão. Após abrir as pálpebras, ela olhou para a tela brilhante em vão.Ela havia se empenhado tanto para preparar o jantar para comemorar o aniversário do marido na noite anterior, e até havia deixado o filho com a sogra; no entanto, ele não voltou para casa. Luísa chegou a mandar diversas mensagens para o marido, mas ele sequer respondeu às mensagens ou atendeu às suas chamadas.Afastando-se da janela, suspirou p
— Os rapazes querem se divertir um pouco, gata! — O grandalhão tocou suas costas.De repente, um Porsche se aproximou e diminuiu a velocidade.— Deixem ela em paz. — A ordem veio do homem que estava no carro de luxo.Gradualmente, os homens recuaram após acatar a ordem do chefe.— Pianista, entre no carro. — O desconhecido falou.Como todos naquele bairro sabiam que ela tocava piano? Ela se perguntava enquanto alargava os passos para fugir do carro que a acompanhava.— Se eu for embora, não vou voltar para impedir que aqueles caras ataquem você… — Paolo a advertiu. — Venha logo, Luísa! — A pouca paciência que tinha exauriu.— Como sabe o meu nome, senhor? — Estagnou na calçada e fitou o homem com a mandíbula quadrada.— Todos aqui já te viram tocando piano.Os lábios de Paolo se mexeram, mas ele não se pronunciou. Tinha poucas semanas que voltou ao país e tudo o que sabia era que a pianista se casou e teve um filho.— Pare de se fazer de rogada e entre na porra do carro. — Tirou os ó
Numa ampla suíte da cobertura do hotel Mercure Villa Romanazzi Carducci Bari, uma mulher jovem se remexeu na cama. A cabeça de Luísa latejava enquanto massageava as têmporas e lutava para abrir os olhos. Com esforço, abriu as pálpebras e, ao virar a cabeça, estreitou os olhos para enxergar o homem sentado na poltrona. Assustada, ergueu o torso e puxou o lençol para cobrir o corpo.“Cadê a minha roupa?” pensou, engolindo em seco ao fitar Paolo novamente. Ele usava apenas uma calça de moletom com o cós abaixo da cintura. “O que foi que eu fiz?” Forçando a memória, ela tentou recordar o que ocorreu no bar após a última música que tocou, mas sua mente estava fragmentada.O homem a observava com uma postura fria, sem qualquer emoção aparente. Paolo se levantou, revelando um físico impecável, com ombros largos e o abdômen trincado por músculos. Quando chegou mais perto, ela sentiu o cheiro da fragrância ambarada. A proximidade fazia o seu coração bater mais forte.— Como cheguei aqui? — A
Inerte, Luísa olhava para o líquido vermelho que escorria em suas mãos.Um misto de horror e incredulidade a consumia enquanto seu coração pulsava em um ritmo desenfreado. A visão do sangue parecia distorcer o tempo, e pensamentos confusos atropelavam-se em sua mente: “Oh, Deus, o que foi que eu fiz?” Seus dedos tremiam, incapazes de conter o choque que dominava seu corpo. Atordoada, não acreditava que tinha sido capaz de usar aquilo. Tremendo, Luísa colocou a pistola sobre a mesinha de centro, enquanto Marcos gemia de dor no outro sofá. Seus movimentos eram hesitantes, a respiração descompassada denunciava o estado de choque.— Vocês estão bem? — Uma vizinha gritou do outro lado da porta. — Não sei o que está acontecendo, mas eu já chamei a polícia!Sem experiência, Luísa permanecia estática, incapaz de processar a gravidade do momento. Seus pensamentos giravam em um redemoinho de confusão e medo: “O que devo fazer agora?” O som dos gritos parecia distante, abafado pelo pulsar intens
Ao entardecer, uma policial chamou pelo nome de Luísa, ordenando que ela se juntasse às outras detentas. O grupo foi conduzido para a sala de visitas, um espaço simples, mas funcional, com mesas alinhadas em fileiras. Luísa caminhou hesitante, os olhos varrendo o ambiente em busca de quem poderia estar ali para vê-la.— Vá logo! — disse a policial, empurrando-a pelas costas para apressá-la.Seus ombros estavam tensos, e ela apertava as mãos, tentando conter a ansiedade que lhe apertava o peito. Ainda assim, reuniu forças e continuou andando, com o olhar fixo no chão. Quando finalmente ergueu o olhar, encontrou Fiorella sentada à sua frente. O sorriso arrogante que curvava os lábios da mulher acendeu uma raiva intensa em Luísa. — Olá, irmãzinha! — proferiu Fiorella, a voz transbordando sarcasmo enquanto se inclinava para frente com o olhar desafiador.Luísa semicerrou os olhos, cruzando os braços como se tentasse conter a revolta que subia pelo peito.— O que você faz aqui, Fiorella?
Quando Paolo ameaçou sair do carro, Luísa recuou rapidamente. Seu tamanho reduzido fazia com que o sobretudo dele parecesse um vestido em seu corpo franzino. Ele jamais imaginou que um dia gostaria de ver uma mulher usando sua roupa daquela maneira.— Você quer voltar para a prisão? — indagou em tom seco, quase brusco.A ameaça velada a fez parar imediatamente, os ombros tensos e o olhar hesitante denunciavam sua relutância. Respirou fundo, como se tentasse reunir coragem, mas permaneceu imóvel, o medo evidente em sua postura retraída. A experiência de uma noite na cadeia aparentemente não havia sido tão suportável quanto ela talvez tivesse previsto.— Entre logo! — ordenou entre dentes, esforçando-se para conter a raiva e não deixar que seu estresse explodisse sobre ela.Sem replicar, ela se acomodou na poltrona. Moveu-se um pouco para o lado, criando mais espaço entre os dois, e suspirou profundamente, exausta. Manteve o olhar fixo no chão.Ele observou o rosto amedrontado dela e, e
— Claro que vou! — Don Morano finalmente quebrou o gelo do silêncio.Enquanto o motorista conduzia o carro pelas avenidas movimentadas, Paolo continuou olhando para ela.— Não! — Luísa respondeu prontamente, quase em um sobressalto. — Só quero te lembrar de que você está me devendo.— O quê?— Paguei a sua fiança, Luísa… — Ele salientou. — Você foi presa por porte ilegal de arma e por tentativa de assassinato. Esqueceu?Ao se dar conta, ela apertou os lábios. Enquanto isso, os olhos dele examinavam cada detalhe das marcas deixadas pela violência de seu marido. — Você pode trabalhar para mim… — Paolo deixou escapar. — E eu posso dar uma lição no maledetto que te agrediu.Meia aturdida, Luísa começou a alisar as articulações dos dedos de forma metódica, como se isso pudesse acalmá-la. — Não será necessário, senhor. — A sua voz estava incrivelmente serena quando o rejeitou. — Vou arrumar o dinheiro para lhe pagar. Prometo.A tranquilidade dela o desarmou momentaneamente. Ele se pergun