"Se eu não o caçar, serei caçada."
As palavras reverberavam na mente de Althea Duvrai, um sussurro da própria lua, uma sentença cravada em sua alma desde o nascimento. Seu coração martelava contra as costelas, o ritmo acelerado ecoando na floresta, pulsando junto ao chamado inevitável.
Seus dedos envolviam o cabo frio da lâmina de prata—uma arma forjada por suas próprias mãos, selada com magia e com uma única gota de seu sangue.
O sangue amaldiçoado.
O sangue pelo qual a lua clamava.
O sangue da profecia.
A Lua de Sangue estava próxima.
Ela podia senti-la nas marés invisíveis que corriam sob sua pele, no arrepio gélido que subia por sua espinha, na brisa cortante que sussurrava seu nome entre os galhos retorcidos da floresta.
Naquela noite, a caçada começaria.
Nem mesmo sua capa vermelha, tecida com encantamentos antigos para ocultar seu cheiro, seria capaz de protegê-la agora. O véu da maldição havia sido rasgado. E ele sabia.
Ele sentia.
Em algum lugar entre as sombras e os uivos que dilaceravam o céu, Rhaeven Dravenhart esperava.
Althea sabia que não haveria fuga.
Ou ela traria ao fim o reinado do Alfa Supremo…
Ou sucumbiria a ele.
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A lua se erguia, imponente e faminta, tingindo o céu com um vermelho escarlate, a cor do sangue e da maldição. Seu reflexo brilhava nos olhos de Althea Duvrai, tão feroz quanto o destino que a aguardava. A mesma cor de sua capa, que a protegia do frio... e dos lobos.
Seu cheiro era seu maior inimigo.
Por mais que tentasse escondê-lo, sabia que naquela noite tudo mudaria. A Lua de Sangue se aproximava, e ele a sentiria.
Althea havia sido treinada desde a infância por Theon Morvain, o caçador que deveria ter sido seu carrasco, mas que, ao invés disso, a tornou uma guerreira.
Ele a ensinou a matar lobos.
A preparou para enfrentar seu destino.
Mas naquela noite, sob a lua cheia, ela estava distraída.
— Mais rápido, Thea! — A voz de Theon cortou o ar como uma lâmina. — Mais força! Mais precisão!
Ela girou a lâmina, mas não foi o suficiente. Num movimento ágil, ele desarmou seu golpe e a prendeu contra uma árvore, seu corpo pressionado contra o dela.
— Você está descuidada hoje, Thea. — murmurou, os olhos verdes como as profundezas da floresta fixos nos dela.
Althea respirou fundo, afastando do rosto uma mecha de cabelo branco como a neve, expondo o brilho dourado de seu olhar — um brilho que sempre o atraíra mais do que deveria.
A verdade era que Theon deveria tê-la matado.
Ela era um risco. A profecia era clara. Althea Duvrai traria a ruína — para os humanos ou para os lobos. Não havia outra escolha. Não deveria correr o risco.
Mas, desde que a conheceu, nunca conseguiu tirar os olhos dela. Talvez fosse egoísmo. Talvez fosse algo mais profundo, algo que sussurrava para que ele escolhesse a vida, ao invés da morte.
— A Lua de Sangue... — Althea murmurou, a respiração entrecortada pelo esforço. — Está chegando.
Theon ficou em silêncio por um instante. Ele já sabia.
Ele sempre soube.
Ele só não sabia se conseguiria protegê-la... ou se teria que ser ele a pôr um fim na profecia.
Mas, naquele momento, tão perto dela, sentindo seu cheiro, sua pele, sua presença intoxicante, só uma certeza o atravessava como uma lâmina afiada:
Ele não conseguiria deixá-la ir.
— Talvez… devêssemos fugir.
Não era a primeira vez que ele sugeria aquela alternativa. Irem para o Reino da Neve Eterna ou o Reino da Rosa. Qualquer lugar que os levasse para longe dali.
— Você sabe que não posso…
E ela sempre respondia da mesma maneira. Sua avó se recusava a deixar a casa onde havia sido criada. Ysolde queria o melhor para sua neta, é claro, mas como Guardiã ela sabia que não adiantava fugir de seu destino. E Althea sabia o dela desde que aprendera a falar.
Theon suspirou, afastando-se alguns passos. A distância era uma necessidade cruel, um lembrete constante de que jamais poderia tocá-la como queria. Não sem condená-los.
— Você sempre diz isso — murmurou, cruzando os braços. — Mas não é o destino que está te segurando aqui, é ela.
Althea o encarou, sentindo a verdade naquelas palavras. Sim, sua avó se recusava a partir. Sim, havia um dever a ser cumprido. Mas, no fundo, havia mais. Algo ancestral e inevitável queimando em suas veias, prendendo-a àquele solo como se tivesse nascido para sangrar nele.
— Eu pertenço a este lugar, Theon. — Sua voz saiu mais baixa do que pretendia.
Ele a fitou, os olhos carregados por uma sombra que não era apenas frustração, mas algo mais escuro. Algo próximo do medo.
— E se esse lugar for o seu túmulo?
O silêncio se instalou entre eles. Apenas o uivo distante dos lobos cortava a noite.
Calista apertou os dedos em torno do cabo de sua lâmina de prata, sentindo a pulsação da magia — de seu sangue — vibrar sob sua pele. Ela sabia que ele tinha razão. Desde o momento em que a profecia foi murmurada pela primeira vez, soube que sua vida sempre seria uma contagem regressiva para o inevitável.
— Ele já está vindo, não está? — murmurou, sem encará-lo.
Theon não respondeu. Ele não precisava. O aperto de sua mandíbula e a tensão em seus músculos diziam o suficiente.
Thea sentiu o frio se espalhar por sua espinha. Rhaeven Dravenhart já a estava caçando.
Ela ergueu os olhos para a Lua de Sangue, deixando que seu brilho vermelho incendiasse sua pele. Ele já sabia onde ela estava.
Ela sentia isso.
Ele sentia isso.
E a caçada havia começado.
Rhaeven sofria a cada lua cheia, clamando por sua noiva. Ele não poderia assumir o trono sem antes cumprir a profecia—e para isso, dependia da mulher amaldiçoada. Seu destino como Alfa Supremo estava entrelaçado ao dela.Os clãs estavam em guerra, e conquistar o poder não era apenas um desejo, mas uma necessidade.Ele estava deitado em sua cama, cercado por corpos femininos envoltos em lençóis de seda. O cheiro de suor e desejo pairava no ar, mas nenhuma delas despertava nele aquele instinto primitivo e avassalador que apenas o perfume da amaldiçoada conseguia evocar.Rhae sabia que ela sonhava com ele. Não poderia ser o único atormentado por visões febris nas quais finalmente a tomava para si.A profecia sussurrava uma promessa incômoda: ela seria sua ruína ou sua redenção. Ele ansiava, com uma fome quase desesperada, que fosse sua redenção.Nos sonhos, ele a via. Cabelos prateados reluziam à luz da lua, emoldurando um rosto de beleza quase cruel. Ela o encarava, não com medo, mas co
Como uma canção antiga que ecoava no canto da mente de Alhea, a profecia que ela sabia de trás para frente e até hoje não soube desvendá-la de outra maneira que não fosse a qual foi ensinada: Ou ela seria a caça ou seria a caçadora. Era claro para ela que se permitisse, o destino seguir seu caminho, teria a vida ceifada pelo Alfa. Theron a ensinou, a protegeu, a amou quando ninguém a amou. Todos fugiam de perto de Thea como se ela fosse a própria praga. Ela não se importava. Estava acostumada a não ter em quem confiar.— Thea — a voz doce de sua avó chamou sua atenção enquanto ela desenhava com carvão em seu quarto. As pontas dos dedos sempre sujas de preto, manchando os cabelos alvos sempre que se distraía. — Sim, vovó — respondeu prontamente se colocando de pé. Ysolde não era apenas sua avó, era uma Guardiã. Uma mulher sábia a quem viam recorrer em tempos de necessidade e além disso ela havia sido a voz usada para decretar a profecia no momento em que Althea nasceu. — Você está
Althea estava sozinha no interior da floresta. O frio cortava sua pele como lâminas invisíveis, e cada passo sobre a neve acumulada exigia cautela.Acima dela, a Lua de Sangue brilhava intensa, derramando suas lágrimas escarlates, como se lamentasse o destino da jovem. O silêncio da noite foi interrompido pelo som de patas esmagando a neve e o uivo que fez seu coração bater descompassado.Eles estavam ali.Os lobos se aproximavam.O ataque foi rápido demais para que ela reagisse. Uma sombra se lançou contra ela, um corpo ágil e feroz, pronto para arrancar sua garganta.Então, eu não passo de uma ameaça? Apenas uma caça?Por instinto, Thea ergueu o braço, e o bracelete brilhou na escuridão. Os dentes da loba encontraram a prata encantada, e o contato fez a carne da criatura queimar. Um rosnado de dor ecoou, e sangue respingou na neve.Foi então que Althea o sentiu.Uma presença avassaladora.O ar ao seu redor se tornou mais pesado, carregado com uma eletricidade latente. Seu corpo reco
Althea não teve escolha.O Alfa avançou como um vendaval de fúria e sombras, seus olhos dourados ardendo em pura ira.Os demais lobos uivavam para a Lua de Sangue, como se clamassem por um veredicto divino, mas nenhum ousou interferir. A decisão estava selada no próprio destino.Thea mal teve tempo de erguer sua lâmina antes que Rhaeven colidisse contra ela. O impacto a lançou para trás, seus pés arrastando-se pela neve. Ela conseguiu firmar-se, ofegante, mas ele não lhe deu trégua.Outro ataque. Mais rápido. Mais brutal.Dessa vez, Althea desviou no último segundo, girando o corpo com a agilidade de uma caçadora treinada. Sua espada riscou o ar e encontrou o ombro do Alfa, abrindo um corte superficial.O cheiro de sangue preencheu o espaço entre eles.Rhaeven rosnou, mas não recuou.Pelo contrário.A ferida apenas atiçou seu instinto predatório.Ele avançou outra vez, e Thea mal viu quando ele derrubou sua espada com um golpe preciso. A lâmina caiu na neve, e no instante seguinte, o
O impacto foi brutal, como um trovão quebrando o silêncio de uma noite de tempestade.O corpo de Althea afundou no colchão macio quando Rhaeven a lançou sobre a imensa cama de peles no centro de seus aposentos.O quarto do Alfa era espaçoso e imponente, com paredes de pedra escura adornadas por armas ancestrais e tapeçarias que contavam histórias de conquistas sangrentas. Tochas presas em suportes de ferro fundido lançavam sombras dançantes pelos cantos.Seu coração batia selvagem como um pássaro aprisionado contra as grades de sua caixa torácica, cada fibra de seu ser pulsando com o instinto primordial de lutar, de resistir.Antes que pudesse se mover, o Alfa estava sob
Althea encarava os olhos dourados que a mantinham prisioneira não apenas fisicamente, mas de uma forma que não conseguia explicar. Algo primitivo e antigo pulsava entre eles, uma conexão que desafiava a lógica e o ódio que deveriam sentir.— Prefiro morrer do que pertencer a você — ela repetiu, sua voz carregada de determinação.Rhaeven se afastou. Ele circulou a cama como um predador avaliando sua presa, seus olhos nunca abandonando os dela.— A morte seria um fim muito simples para a mulher que trouxe a ruína para mim.Althea se sentou na cama, ajeitando suas vestes rasgadas pela batalha e observando cada passo dele. Ela sentiu a ausência do bracelete em seu pulso como um membro fantasma. Sem sua proteção, estava verdadeiramente vulnerável.— Eu não te obriguei a matar sua própria loba — ela retrucou. — Você fez sua escolha.O rosto de Rhaeven endureceu, músculos se contraindo sob sua pele bronzeada. A menção de Nia abriu uma ferida crua demais.— Não ouse falar dela! — Sua voz trov
"Mamãe!" gritava o pequeno, enquanto as sombras se fechavam ao seu redor. "Mamãe, onde você está?"Althea tentava alcançá-lo. Seus braços se estendiam, seus pés corriam, mas a distância apenas aumentava. Quanto mais se esforçava, mais longe a criança parecia.E então, surgiu a figura.Um homem enorme, de ombros largos e cabelos negros como a noite sem estrelas. Suas mãos fortes ergueram o menino do chão, salvando-o das sombras que quase a devoravam.Rhaeven.Qu
O conforto de sua presença era inegável. O ritmo constante de sua respiração, o calor de seu corpo, a segurança paradoxal que ele proporcionava... tudo conspirava para derrubar suas defesas.— Por que? — Ela perguntou finalmente, sua voz quase sumindo na escuridão. — Por que você se importa com o que eu vi?Rhaeven ficou em silêncio por tanto tempo que ela pensou que ele não responderia. Quando finalmente falou, sua voz estava carregada de uma emoção que ela não conseguia nomear.— Porque também a vi. A criança. Não apenas na visão que compartilhamos, mas em meus próprios sonhos. — Ele hesitou, como se as próximas palavras fossem difíceis de pronunciar. — E ele me chamava de pai.Althea sentiu seu coração falhar uma batida.—