Como uma canção antiga que ecoava no canto da mente de Alhea, a profecia que ela sabia de trás para frente e até hoje não soube desvendá-la de outra maneira que não fosse a qual foi ensinada: Ou ela seria a caça ou seria a caçadora.
Era claro para ela que se permitisse, o destino seguir seu caminho, teria a vida ceifada pelo Alfa. Theron a ensinou, a protegeu, a amou quando ninguém a amou. Todos fugiam de perto de Thea como se ela fosse a própria praga. Ela não se importava. Estava acostumada a não ter em quem confiar.
— Thea — a voz doce de sua avó chamou sua atenção enquanto ela desenhava com carvão em seu quarto. As pontas dos dedos sempre sujas de preto, manchando os cabelos alvos sempre que se distraía.
— Sim, vovó — respondeu prontamente se colocando de pé.
Ysolde não era apenas sua avó, era uma Guardiã. Uma mulher sábia a quem viam recorrer em tempos de necessidade e além disso ela havia sido a voz usada para decretar a profecia no momento em que Althea nasceu.
— Você está pronta, menina?
Althea demorou alguns instantes para entender o que a avó queria dizer com aquilo. Mas então olhou para as marcas na parede onde marcava os ciclos da lua.
A Lua de Sangue anuncia um novo ciclo, um início e um fim.
— Estou. — respondeu confiante tirando a espada da parede. A lâmina de prata que serviria para matar o Alfa. Forjada com uma gota de seu sangue seria o suficiente para dar o fim na profecia.
— Menina ingênua… — a mulher mais velha sorriu. — Theon está aqui, te trouxe um presente.
Os olhos dourados de Althea brilharam com a notícia.
— Espere — pediu Ysolde — Também tenho algo para te dar, menina.
Thea se conteve e então encarou a mulher com um olhar ansioso. Como se testasse a paciência da jovem, a mais velha esperou por um longo momento até finalmente dizer:
— Poderia te dar o mundo, este seria meu desejo. Ou talvez uma vida livre de maldições. Mas o destino a escolheu e seria tolo exigir de você mesma ir contra o seu coração. — ela tocou no rosto de Althea com carinho e por fim disse:
— Quando chegar a hora, não ouça a razão. Seu coração saberá o que fazer.
A jovem de cabelos brancos como os da mulher, suspirou e sorriu.
— Obrigada, vovó. — ela ainda não sabia, mas aquelas palavras voltariam para assombrá-la.
Finalmente, Ysolde liberou a neta para que fosse até a sala.
Thea usou o peso do próprio corpo para girar sobre os calcanhares, escapando da investida de Theon no último segundo. Seu movimento foi fluido, como uma dança bem ensaiada, e no instante seguinte, ela deslizou para trás dele, aproveitando a brecha para lhe desferir um golpe no abdômen com o punho fechado.
Theon recuou um passo com o impacto, mas se recuperou depressa. Ele sorriu de lado.
— Você já foi melhor.
Thea estreitou os olhos, um brilho travesso cruzando seu olhar dourado.
— Ou talvez você já tenha sido pior.
Sem lhe dar tempo para reagir, ela avançou, desferindo uma sequência rápida de ataques: um chute na lateral da perna, um soco que ele mal conseguiu bloquear e, por fim, um golpe certeiro no peito, empurrando-o para trás.
Theon cambaleou, mas no último instante segurou o pulso dela, puxando-a consigo.
Os dois rolaram pelo chão em uma confusão de membros e risadas contidas, até Theon conseguir prendê-la debaixo de seu peso, bloqueando seus movimentos.
— Rápida, mas previsível.
Thea bufou, tentando se soltar.
— Pesado, mas arrogante.
Ela revirou os olhos e, em um golpe baixo, fincou o joelho no abdômen dele.
— Maldição, Thea!
Ele rolou para o lado, gemendo, e ela aproveitou para se erguer de um salto, um sorriso vitorioso nos lábios.
— Eu sempre ganho, Theon.
Mas antes que pudesse se vangloriar, Theon agarrou seu tornozelo e a puxou de volta ao chão, fazendo-a cair sobre ele.
Os dois se encararam, os rostos próximos demais, a respiração entrecortada pelo esforço. A tensão elétrica entre eles era palpável.
— Saiam já daqui! — a voz de Ysolde explodiu como um trovão, quebrando o momento.
Thea e Theon se separaram às pressas, levantando-se em um segundo e correndo porta afora antes que a avó dela decidisse jogar algo neles.
Thea riu, ainda ofegante.
— Acho que foi um recorde. Nem dois minutos e já conseguimos irritá-la.
Theon cruzou os braços, inclinando a cabeça de lado, observando-a com um brilho travesso nos olhos.
— Eu não fiz nada, você que começou.
— Mentiroso.
Ele riu, e por um instante, Thea sentiu uma leveza rara em seu peito. Mas logo a realidade voltou a se impor.
A Lua de Sangue.
A profecia.
O Alfa.
Ela desviou o olhar para o presente que ele trouxera, ainda embrulhado em um pano de linho escuro.
— E então, o que é?
Theon estendeu o pacote para ela.
— Achei que precisaria de algo que a protegesse melhor.
Thea franziu o cenho enquanto desamarrava o tecido, e seus olhos se arregalaram ao ver o que estava ali dentro: um bracelete de prata com símbolos entalhados à mão.
— Isso é…?
— Feito especialmente para você. Prata pura misturada com o meu próprio sangue. Se algum lobo se aproximar demais, ele vai sentir isso. — Theon sorriu, mas havia algo mais profundo em seu olhar.
— Você colocou seu sangue nisso?
— É um vínculo.
Ela ficou em silêncio, os dedos passando pelo metal frio. Era um presente valioso, não apenas pelo material, mas pelo significado.
— Obrigada, Theon.
— Só me prometa uma coisa.
Ela ergueu os olhos para ele.
— Não morra hoje.
Thea forçou um sorriso.
— Eu sou a caçadora, lembra?
Ela deslizou o bracelete no pulso e fechou os dedos ao redor da empunhadura de sua lâmina.
O Alfa estava à sua espera.
Althea estava sozinha no interior da floresta. O frio cortava sua pele como lâminas invisíveis, e cada passo sobre a neve acumulada exigia cautela.Acima dela, a Lua de Sangue brilhava intensa, derramando suas lágrimas escarlates, como se lamentasse o destino da jovem. O silêncio da noite foi interrompido pelo som de patas esmagando a neve e o uivo que fez seu coração bater descompassado.Eles estavam ali.Os lobos se aproximavam.O ataque foi rápido demais para que ela reagisse. Uma sombra se lançou contra ela, um corpo ágil e feroz, pronto para arrancar sua garganta.Então, eu não passo de uma ameaça? Apenas uma caça?Por instinto, Thea ergueu o braço, e o bracelete brilhou na escuridão. Os dentes da loba encontraram a prata encantada, e o contato fez a carne da criatura queimar. Um rosnado de dor ecoou, e sangue respingou na neve.Foi então que Althea o sentiu.Uma presença avassaladora.O ar ao seu redor se tornou mais pesado, carregado com uma eletricidade latente. Seu corpo reco
Althea não teve escolha.O Alfa avançou como um vendaval de fúria e sombras, seus olhos dourados ardendo em pura ira.Os demais lobos uivavam para a Lua de Sangue, como se clamassem por um veredicto divino, mas nenhum ousou interferir. A decisão estava selada no próprio destino.Thea mal teve tempo de erguer sua lâmina antes que Rhaeven colidisse contra ela. O impacto a lançou para trás, seus pés arrastando-se pela neve. Ela conseguiu firmar-se, ofegante, mas ele não lhe deu trégua.Outro ataque. Mais rápido. Mais brutal.Dessa vez, Althea desviou no último segundo, girando o corpo com a agilidade de uma caçadora treinada. Sua espada riscou o ar e encontrou o ombro do Alfa, abrindo um corte superficial.O cheiro de sangue preencheu o espaço entre eles.Rhaeven rosnou, mas não recuou.Pelo contrário.A ferida apenas atiçou seu instinto predatório.Ele avançou outra vez, e Thea mal viu quando ele derrubou sua espada com um golpe preciso. A lâmina caiu na neve, e no instante seguinte, o
O impacto foi brutal, como um trovão quebrando o silêncio de uma noite de tempestade.O corpo de Althea afundou no colchão macio quando Rhaeven a lançou sobre a imensa cama de peles no centro de seus aposentos.O quarto do Alfa era espaçoso e imponente, com paredes de pedra escura adornadas por armas ancestrais e tapeçarias que contavam histórias de conquistas sangrentas. Tochas presas em suportes de ferro fundido lançavam sombras dançantes pelos cantos.Seu coração batia selvagem como um pássaro aprisionado contra as grades de sua caixa torácica, cada fibra de seu ser pulsando com o instinto primordial de lutar, de resistir.Antes que pudesse se mover, o Alfa estava sob
Althea encarava os olhos dourados que a mantinham prisioneira não apenas fisicamente, mas de uma forma que não conseguia explicar. Algo primitivo e antigo pulsava entre eles, uma conexão que desafiava a lógica e o ódio que deveriam sentir.— Prefiro morrer do que pertencer a você — ela repetiu, sua voz carregada de determinação.Rhaeven se afastou. Ele circulou a cama como um predador avaliando sua presa, seus olhos nunca abandonando os dela.— A morte seria um fim muito simples para a mulher que trouxe a ruína para mim.Althea se sentou na cama, ajeitando suas vestes rasgadas pela batalha e observando cada passo dele. Ela sentiu a ausência do bracelete em seu pulso como um membro fantasma. Sem sua proteção, estava verdadeiramente vulnerável.— Eu não te obriguei a matar sua própria loba — ela retrucou. — Você fez sua escolha.O rosto de Rhaeven endureceu, músculos se contraindo sob sua pele bronzeada. A menção de Nia abriu uma ferida crua demais.— Não ouse falar dela! — Sua voz trov
"Mamãe!" gritava o pequeno, enquanto as sombras se fechavam ao seu redor. "Mamãe, onde você está?"Althea tentava alcançá-lo. Seus braços se estendiam, seus pés corriam, mas a distância apenas aumentava. Quanto mais se esforçava, mais longe a criança parecia.E então, surgiu a figura.Um homem enorme, de ombros largos e cabelos negros como a noite sem estrelas. Suas mãos fortes ergueram o menino do chão, salvando-o das sombras que quase a devoravam.Rhaeven.Qu
O conforto de sua presença era inegável. O ritmo constante de sua respiração, o calor de seu corpo, a segurança paradoxal que ele proporcionava... tudo conspirava para derrubar suas defesas.— Por que? — Ela perguntou finalmente, sua voz quase sumindo na escuridão. — Por que você se importa com o que eu vi?Rhaeven ficou em silêncio por tanto tempo que ela pensou que ele não responderia. Quando finalmente falou, sua voz estava carregada de uma emoção que ela não conseguia nomear.— Porque também a vi. A criança. Não apenas na visão que compartilhamos, mas em meus próprios sonhos. — Ele hesitou, como se as próximas palavras fossem difíceis de pronunciar. — E ele me chamava de pai.Althea sentiu seu coração falhar uma batida.—
Os primeiros raios de sol infiltravam-se pelas frestas das cortinas pesadas quando Althea despertou. Por um momento, permaneceu imóvel, tentando discernir se a noite anterior havia sido apenas mais um sonho profético ou realidade. O calor que ainda sentia na pele e o aroma de pinho e terra que impregnava os lençóis responderam sua pergunta silenciosa.Virando-se lentamente, encontrou o lado da cama vazio. Rhaeven havia partido, mas sua presença persistia no quarto como uma sombra palpável. Althea tocou seus próprios lábios, ainda sensíveis dos beijos trocados, e um arrepio percorreu seu corpo ao recordar a intensidade do encontro."O que eu fiz?" murmurou para si mesma, sentando-se na cama e abraçando os joelhos contra o peito.Havia se entregado
Rhaeven observava a alcateia se reunir no Grande Salão, seu rosto uma máscara impassível que ocultava a tempestade interior. Sentado em seu trono de madeira antiga entalhada com símbolos lobos, ele parecia a própria imagem da autoridade.Mas por dentro, estava despedaçado.A noite com Althea havia mudado algo fundamental nele. Não era apenas desejo — embora isso estivesse presente, ardendo sob sua pele como uma febre — mas algo mais profundo, mais perturbador. Uma conexão que desafiava tudo que ele acreditava sobre seu destino como Alfa, sobre a profecia, sobre a mulher de cabelos brancos que deveria trazer destruição.— Os Anciãos estão prontos, meu senhor. — A voz de Thorn, seu Beta e conselheiro mais pr&oac